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Experiências em morbidade maternal grave: estudo qualitativo sobre a percepção de mulheres

Relatos de morbilidad materna grave: estudio cualitativo sobre la percepción de mujeres

RESUMO

Objetivo:

conhecer e analisar as vivências de mulheres que desenvolveram um episódio de Morbidade Materna Grave.

Método:

trata-se de um estudo qualitativo, no qual foram entrevistadas 16 mulheres internadas em hospital de nível terciário, em decorrência deste estado mórbido. Utilizou-se a análise de conteúdo no tratamento dos dados.

Resultados:

Foram identificadas duas categorias: "Compreendendo a morbidade materna como uma presença negativa" e "Seguir em frente: em alerta constante". Foram mencionados pelas entrevistadas aspectos negativos, como dificuldades do tratamento e hospitalização, sentimentos de medo, preocupação com o feto, frustração da gravidez idealizada, trauma; e aspectos positivos, como aprendizado e expressão da vontade divina na experiência da enfermidade.

Conclusão:

o cuidado efetivo no pré-natal, parto e puerpério deve prover suporte adequado para prevenção e assistência na Morbidade Materna Grave.

Descritores:
Bem-Estar Materno; Saúde Materna; Complicações na Gravidez; Gravidez de Alto Risco; Morbidade

RESUMEN

Objetivo:

conocer y evaluar los relatos de mujeres que tuvieron morbilidad materna grave.

Método:

se trata de un estudio cualitativo, en el que se entrevistaron 16 mujeres ingresadas en un hospital de nivel terciario, debido a un estado mórbido. Se empleó el análisis de contenido en el trabajo con los datos.

Resultados:

se clasificaron dos categorías: "Comprendo la morbilidad materna como algo negativo" y "Sigo adelante: en constante alerta". Las entrevistadas relataron aspectos negativos -dificultades en el tratamiento y hospitalización, sentimientos como miedo, preocupaciones con el feto, frustración de un embarazo idealizado, trauma-; y aspectos positivos -aprendizaje y la voluntad divina en la experiencia de la enfermedad.

Conclusión:

el cuidado eficaz en el prenatal, el parto y el puerperio puede promocionar un adecuado suporte en la prevención y atención en la morbilidad materna grave.

Descriptores:
Bienestar Materno; Salud Materna; Complicaciones en el Embarazo; Embarazo de Alto Riesgo; Morbilidad

ABSTRACT

Objective:

to know and analyze the experiences of women who developed an episode of Severe Maternal Morbidity.

Method:

this is a qualitative study, in which we interviewed 16 women admitted to a tertiary level hospital, as a result of this morbid state. We used content analysis in data processing.

Results:

two categories were identified: "Understanding maternal morbidity as a negative presence" and "Moving ahead: on constant alert". The interviewees mentioned negative aspects, such as treatment difficulties and hospitalization, feelings of fear, concern for the fetus, frustration with the idealized pregnancy, trauma; and positive aspects, such as learning and the expression of the divine will in the experience of illness.

Conclusion:

effective care during the prenatal period, delivery and postpartum period should provide adequate support for the prevention and assistance in Severe Maternal Morbidity.

Descriptors:
Maternal Welfare; Maternal Health; Pregnancy Complications; High Risk Pregnancy; Morbidity

INTRODUÇÃO

A Morbidade Materna Grave é um continuum que se inicia com a ocorrência de uma complicação durante a gestação, parto ou pós-parto e cujo desfecho pode ser a morte, permitindo-se reconhecer, separadamente, um grupo de extrema gravidade conhecido como near miss(11 Amaral E, Luz AG, Souza JPD. [The severe maternal morbidity for the qualification of care: utopia or necessity]? Rev Bras Ginecol Obstet [Internet]. 2007[cited 2015 Jun 30];29(9):484-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbgo/v29n9/08.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/rbgo/v29n9/08.p...
). Representa as condições de extrema gravidade ou quase morte(22 Say L, Souza J, Pattinson R. Maternal near miss-towards a standard tool for monitoring quality of maternal health care. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2009;23(3):287-96.). Como os critérios de classificação da Morbidade Materna Grave foram padronizados pela Organização Mundial da Saúde em 2011(33 World Health Organization. Evaluating the quality of care for severe pregnancy complications: the WHO near-miss approach for maternal health. Geneva, 2011.), os estudos anteriores apresentam variação significativa nas estimativas do evento(44 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Serruya SJ, Amaral E. Appropriate criteria for identification of near-miss maternal morbidity in tertiary care facilities: a cross sectional study. BMC Pregnancy Childbirth [Internet]. 2007[cited 2015 Jun 30];7(20). Available from: http://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2393-7-20
http://bmcpregnancychildbirth.biomedcent...
,55 Lobato G, Nakamura-Nogueira M, Mendes-Silva W, Dias MAB, Reichenheim ME. Comparing different diagnostic approaches to severe maternal morbidity and near-miss: a pilot study in a Brazilian tertiary hospital. Eur J Obstet Gynecol Reprod Bio [Internet]. 2012[cited 2015 Jun 30];167(1):24-8. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23182071
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23182...
). Calcula-se que ocorram até 20 casos de morbidade severa por cada morte materna registrada e até um quarto das mulheres pode sofrer sequelas graves e permanentes(66 Panamerican Health Organization. Latin American Center for Perinatology Women and Reproductive Health. Plan of action to accelerate the reduction of maternal mortality and severe maternal morbidity: monitoring and evaluation strategy. PAHO; 2012.).

Por ser um tema recente, pouco se sabe sobre as repercussões da Morbidade Materna Grave, em longo prazo, para a saúde das mulheres. A forma como se adaptaram, reagiram e o significado desta experiência são aspectos pouco estudados. Consideramos que a experiência de Morbidade Materna Grave pode afetar negativamente a qualidade de vida das mulheres, seus filhos e sua família, refletir negativamente na qualidade de vida e, ainda, persistir por longo período após o evento.

A literatura científica apresenta relatos de mulheres que se sentiram angustiadas e ansiosas pela falta de conhecimento e informação sobre sua situação de saúde no momento do adoecimento e internação hospitalar devido a eventos de Morbidade Materna Grave(77 Godoy SR, Gualda DMR, Bergamasco RB, Tsunechiro MA. Repercussions of Near miss and women's perception of care received in the critical care unit. Acta Paul Enferm [Internet]. 2009[cited 2015 Jun 30];22(2):162-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v22n2/en_a08v22n2.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ape/v22n2/en_a0...
,99 Tunçalp Ö, Hindin MJ, Adu-Bonsaffoh K, Adanu R. Listening to women's voices: the quality of care of women experiencing severe maternal morbidity, in Accra, Ghana. PLos ONE [Internet]. 2012[cited 2015 Jun 30];7(8). Available from: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0044536
http://journals.plos.org/plosone/article...
). A escuta dessas mulheres possibilitaria orientá-las de forma mais eficaz e contribuiria para um melhor enfrentamento das dificuldades advindas do evento mórbido.

Sabe-se, ainda, que a Morbidade Materna Grave vai além das complicações fisiológicas e perpassa todos os aspectos de vida da mulher. O 5o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio é melhorar a saúde materna e, por conseguinte, reduzir a mortalidade materna em três quartos, entre 1990 e 2015. A meta almejada é de no máximo 16 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos(1010 Gonçalves MBRO, Ferreira AHB. Saúde: objetivo 4: reduzir a mortalidade infantil; Objetivo 5: melhorar a saúde materna; Objetivo 6: combater HIV/AIDS, a malária e outras doenças/ [organização] UFPA, PUC Minas/ IDHS, PNUD. - Belo Horizonte: PUC Minas/ IDHS, 2004.). Atualmente, a mortalidade materna no Brasil é de 69/100.000 nascidos vivos(1111 World Health Organization. Trends in Maternal Mortality: 1990 to 2013. Estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, The World Bank and the United Nations Population Division, 2014.). Para lograr essa meta, necessita-se do conhecimento preciso das causas e da razão de mortalidade materna e ainda de intervenções assertivas. Espera-se que o estudo das representações sociais de mulheres que estiveram em risco de vida no ciclo gravídico-puerperal ofereça-nos elementos para a compreensão dessa vivência, a fim de ampliar o escopo de conhecimentos e atuação na prática clínica de Enfermagem.

Diante de tais considerações, este estudo teve por objetivo compreender os significados atribuídos pelas mulheres à vivência da Morbidade Materna Grave no último ciclo grávido-puerperal.

MÉTODO

Referencial Teórico-Metodológico

Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem metodológica qualitativa, fundamentado nos aspectos conceituais da Teoria das Representações Sociais(1212 Moscovici S. Das representações coletivas às representações sociais: elementos de uma história. In: Jodelet D. Org. As representações sociais. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2001.). Por meio da pesquisa qualitativa, sob a perspectiva das representações sociais, é possível ter acesso ao que sabem, pensam e quais os comportamentos das mulheres, gestantes ou puérperas sobreviventes de um episódio de Morbidade Materna Grave sobre o adoecer no ciclo grávido-puerperal, contribuindo para o desenvolvimento de estratégias preventivas da mortalidade materna e de agravos à saúde das mulheres nesse período.

Para fundamentar a análise e discussão dos dados, adotou-se o referencial teórico da representação social, dentro de uma perspectiva cultural.

Procedimentos Metodológicos

Cenário do estudo

A pesquisa foi realizada no município de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, tendo como local para identificação e recrutamento das participantes um hospital de nível terciário de atenção, referência regional para o atendimento em obstetrícia, incluindo o atendimento à Morbidade Materna Grave, o que justifica sua escolha como cenário do estudo.

Fonte de dados

Participaram do estudo mulheres internadas em decorrência de um episódio de Morbidade Materna Grave, identificadas e convidadas para a pesquisa. Foram incluídas as mulheres com diagnóstico de disfunção orgânica de acordo com os critérios de Morbidade Materna Grave(33 World Health Organization. Evaluating the quality of care for severe pregnancy complications: the WHO near-miss approach for maternal health. Geneva, 2011.) e que residiam no município de Ribeirão Preto. Foram excluídas as mulheres cujo recém-nascido faleceu após o parto, nasceu com grave deficiência ou foi hospitalizado, quando a seleção foi realizada no período pós-parto. Justifica-se a exclusão pelo fato de que estas situações em si já são favoráveis às alterações emocionais maternas, dificultando relacioná-las à situação de Morbidade Materna Grave.

A amostra foi definida de acordo com o conceito de saturação teórica, quando as informações se tornaram repetitivas e o material obtido respondeu aos objetivos propostos.

Coleta e organização dos dados

Durante o período de coleta de dados, 35 mulheres atendiam aos critérios de participação no estudo, e 16 integraram a amostra. Visando a garantir a privacidade, anonimato e sigilo das informações, as participantes do estudo estão identificadas nos discursos por pseudônimos por elas mesmas escolhidos.

O primeiro contato ocorreu após a certificação da condição de bem-estar das mulheres. Neste encontro, foram explicados os objetivos da pesquisa, sua finalidade, foi firmado um acordo para a realização do segundo encontro, para a entrevista, e foi assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A coleta dos dados foi realizada dentro dos 30 primeiros dias após a alta hospitalar, por meio de: (i) questionário psicossocial e sociodemográfico, elaborado para a obtenção de informações demográficas, sociais, obstétricas e as relativas ao evento de Morbidade Materna Grave; (ii) entrevista semiestruturada, guiada por questões norteadoras que permearam o tema central, como as atitudes tomadas quanto ao autocuidado, a experiência de vivenciar um episódio de Morbidade Materna Grave, de sobreviver e quais as consequências e expectativas após o evento mórbido. A entrevista foi operacionalizada no domicílio da mulher ou outro local de sua escolha, gravada e transcrita para análise.

Análise dos dados

Posteriormente, procedeu-se à análise de conteúdo do tipo temática, proposta por Bardin(1313 Bardin L. Análise de conteúdo. 7. ed. Lisboa: Edições 70, 1977.), cujo conteúdo final foi agrupado por similaridade temática, resultando na identificação de duas categorias. I) "Compreendendo a morbidade materna como uma presença negativa"; II) "Seguir em frente: em alerta constante".

Aspectos Éticos

O presente projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética, e todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADO

No que se refere ao perfil socioeconômico-demográfico da amostra, tem-se que a idade das 16 participantes variou entre 16 e 37 anos, com média de 25,5 anos. Metade das mulheres completou o Ensino Médio, nove mulheres se declararam casadas, oito estavam trabalhando, sendo quatro no mercado informal. A maioria, 12 mulheres, declarou ter pele de cor preta ou parda. A maioria das mulheres vivia com outros familiares, cuja renda per capita se encontra na faixa da pobreza. Quase metade das mulheres entrevistadas se declarou dependente financeiramente de familiares.

Os resultados da análise das variáveis obstétricas e clínicas identificaram que sete cursavam a gestação, nove eram puérperas, seis eram primíparas e 10 multíparas. A média de filhos foi de 1,5 filhos por mulher. Quanto aos critérios de morbidade identificados, oito mulheres apresentaram complicações hipertensivas e cinco apresentaram complicações renais, uma mulher apresentou complicações hipertensivas e renais, uma mulher teve choque séptico e outra apresentou quadro de asma grave. No que concerne à forma de resolução da gravidez, entre as nove puérperas entrevistadas, cinco foram submetidas à cesárea e três tiveram partos normais.

A análise das entrevistas permitiu a identificação de duas categorias sobre a experiência da Morbidade Materna Grave: Compreendendo a morbidade materna grave como uma presença negativa; e Seguir em frente: em alerta constante.

Compreendendo a morbidade materna como uma presença negativa

Quando abordadas a respeito de suas condições de saúde na última gestação, a maioria das mulheres entrevistadas disse estar sendo uma gestação difícil pelas complicações de saúde, pelo tratamento estabelecido e pelos riscos iminentes.

Muito complicada. [...] foi por causa da pressão alta que eu tive. Passei uma gravidez, do início até o fim ... sofrendo. Um dia estava bem, no outro dia estava ruim. (Sofia)

Porque na madrugada começou a me dar dor nas costas e na barriga. Aí, eu comecei ... era uma dor, era uma dor tão insuportável que você queria bater a cabeça na parede ou sair andando, de tão insuportável que era. Aí, eu vi que já não estava bem. (Laura)

Os relatos evidenciam que estas entrevistadas referem sintomas característicos de Morbidade Materna Grave relacionados ao sistema cardiovascular e à disfunção uterina(66 Panamerican Health Organization. Latin American Center for Perinatology Women and Reproductive Health. Plan of action to accelerate the reduction of maternal mortality and severe maternal morbidity: monitoring and evaluation strategy. PAHO; 2012.).

A experiência da Morbidade Materna Grave foi, ainda, relatada como fonte de medo:

Eu fiquei traumatizada. Fiquei até com medo de morrer. Me deu pré-eclâmpsia. Nunca imaginei que ia me dar isso. [...] Os médicos falaram que foi um milagre eu ter sobrevivido. Ixi, eu fiquei um pouco traumatizada! (Raquel)

Ah, eu fiquei louca. Fiquei com medo [...] Quase que eu morri. (Rafaela)

Além dos receios pela própria saúde, há, nos episódios de Morbidade Materna Grave, a preocupação com a saúde do feto, como pode ser evidenciado nos discursos que seguem:

O médico falou que era arriscado ficar com ele na barriga, aí tirou ele. Ainda bem que não ficou na incubadora, nada. Ele já ficou comigo. [...] Aí, depois eu fui acalmando, fui ficando, porque eu vi que era arriscado para o meu filho. (Bruna)

Fiquei com medo dela nascer com algum problema. Mas ela não teve nada. Fiquei boba de ver.[...] Fez exame do pezinho e não deu nada. (Raquel)

Uma outra representação apreendida, no contexto de dificuldades da experiência, foi a percepção de incapacidade para as atividades cotidianas e para o trabalho:

Uma pessoa doente... é difícil para trabalhar, doente fica na cama... (Catarina)

A doença é uma coisa que derruba a gente. Que a gente tem que depender de muita gente. (Laura)

É, comecei a ter muita dor de cabeça, muita tontura. Eu cheguei a desmaiar no serviço duas vezes. (Laiane)

Ah, eu tento pensar que não está interferindo. Que está tudo certo. Mas eu não sei [...] é desemprego, é um monte de coisa. (Marina)

Ainda no âmbito de negatividade da experiência, foram identificados dois aspectos fundamentais que circunstanciam a vivência da Morbidade Materna Grave: o tratamento e a hospitalização. Quando questionadas sobre a gestação, a maioria das mulheres relacionou-a à morbidade por meio do tratamento e da hospitalização decorrentes do agravo instalado.

Tem que tomar remédio. Tem que ir para o hospital. É uma coisa que ninguém quer. Que para totalmente a vida da gente. (Laura)

Então, fiquei mais dentro do hospital do que em casa com a gravidez que eu tive. (Sofia)

A medicação foi, também, motivo de preocupação com a repercussão que poderia ter para o feto, transformando-se em mais um fator de estresse para algumas mulheres:

[...] você fica com a preocupação. Vai tomar remédio, vai passar para o seu filho? (Valentina)

Nem isso eu pude fazer, amamentar. Por causa das medicações que são fortes. (Raquel)

O tratamento foi compreendido pelas mulheres como necessário, mas também como fonte de sofrimento, inseguranças e angústias. As medicações, embora fonte de insegurança para algumas mulheres devido ao medo de complicações para o feto, foram mencionadas como sendo necessárias para o controle da morbidade.

Para mim, foi ruim. Porque eu nunca tinha tido isso. Então, era aqueles remédios toda hora. (Raquel)

Toda hora remédio, remédio, remédio. Eles me davam remédio. Eu vinha embora, chegava aqui e começava a passar mal. (Bruna)

As mulheres também relacionaram a gravidade do evento mórbido à duração da hospitalização. Estar hospitalizada durante o ciclo grávido-puerperal concretiza a doença tornando-a visível e pública.

Foi horrível. Mexeu totalmente comigo. Eu fiquei nervosa. Porque eu tenho os dois pequenininhos também. Ficava presa. Porque todas as internações que eu tive, eu ficava mais de cinco dias. E teve vez que eu fiquei dezoito dias. Mexeu muito com o meu emocional. (Sofia)

A mudança no cotidiano e a imposição de rotinas, em efeito reverso sobre o tratamento da enfermidade, foram enunciadas por uma participante como dificuldade na hospitalização:

Eles querem que eu fique deitada, eu não consigo ficar deitada. Aí eu fico com medo, entendeu? [...] E aqui eu tenho que ficar deitada, é onde a pressão abaixa. (Marina)

A experiência não foi muito boa. Não gostei, não. [...] Porque não podia fazer nada. Dependia deles. Tinha enfermeiras que não tinha paciência com a gente. [...] Aí, muitas vezes eu também me debatia muito. Eles me amarravam na cama. (Raquel)

Por outro lado, algumas participantes mencionaram aspectos positivos da experiência da Morbidade Materna Grave. Uma das mulheres percebeu essa vivência como um aprendizado; a outra, como um propósito divino. A participante resume que, em decorrência de seu estado de saúde grave, sua família passou a ficar mais unida.

Eu acho assim: Deus não faz a gente passar por nada sem ter um propósito em tudo... o que trouxe de bom isso, foi que ajudou a gente a se unir. O dia em que eu passei mal mesmo, a menina do centro obstétrico estava falando assim: 'parece que a sua família inteira está aí na porta'. [...] Vieram todos no dia da visita e começaram a brigar porque todos queriam subir! Todo mundo se uniu mais, sabe? (Laiane)

Seguir em frente: em alerta constante

Como parte do corpus, identificou-se também a presença de frustração da gravidez idealizada, traumas e aprendizado.

Então, cada hora foi um problema atrás do outro. Coisa que a gente não espera quando está grávida. A gente espera ter uma gestação saudável, uma coisa boa. Então, assim, você vê muita gente falando; 'Ah, a gravidez é um momento em que você fica ... no seu auge'. Eu não. Na minha gravidez, eu senti dor do começo ao fim. (Mônica)

Foi uma gestação tranquila até sete meses. Agora, começou a ter pressão alta, falta de ar. (Camila)

As complicações que caracterizam a Morbidade Materna Grave podem fazer que as mulheres se sintam frustradas por não terem a gestação que idealizaram.

Oh, não me arrependi [...] porque era aquilo que eu queria para mim, mas [...] as mães logo iam para casa, amamentavam. Nem isso eu pude fazer, amamentar. Se eu soubesse que ia ter todas essas complicações, acho que eu não tinha mexido de ficar grávida. (Raquel)

Mesmo que num determinado momento não apresentem sintomas de morbidade que tiveram durante a gestação ou puerpério, a ameaça da recaída está presente, o que gera ansiedade e insegurança.

Mas agora, eu... qualquer coisinha eu tenho medo de ficar doente. Mas agora, graças a Deus, eu estou bem. Estou me recuperando muito bem. Agora não pode ficar fazendo extravagância,? Agora tem que ficar um pouco mais quieta (risos). (Laura)

Ainda tem essa pressão, para quem tem problema de pressão alta, não tem jeito,? Mesmo você tomando a medicação, você sabe que às vezes acontece dela desestabilizar. Então, para mim é conviver um dia após o outro. (Joana)

Por outro lado, embora ainda vivenciando o evento mórbido, algumas participantes expressaram expectativas de melhora e de superação da morbidade após o nascimento do bebê.

Como consequência de uma experiência emocional intensa, algumas mudanças de comportamento foram mencionadas pelas mulheres, sob a forma de atenção redobrada com a saúde.

Eu acho que vai chegar na hora do neném nascer, ficar bem. Depois que o neném nascer, não tenha mais esse problema. Que a pressão abaixe, que normalize. (Camila)

Mas aí, a gente toma mais cuidado, né? [...] para não acontecer tudo de novo. (Vanessa)

Outra consequência foi o cuidado com a alimentação identificado na fala de algumas mulheres, como a redução no consumo de sal entre as que tiveram complicações hipertensivas. Já as mulheres que tiveram complicações renais, disseram ter aumentado a ingestão de água.

Ah, mudou assim, eu acho que foi minha alimentação mesmo. Ter que me cuidar mais, tomar mais água. Porque eu tive muita infecção. Mexeu com a parte renal também. (Mônica)

Tem que comer comida sem sal ... pouco. Fica sem sal a comida. É ruim. Mas eu tenho que cuidar da minha saúde. Tem que ... cuidar da saúde dos meus filhos também. (Rafaela)

Além disso, as mulheres apresentaram sentimento de culpa pelos excessos na alimentação.

Que foi assim, um pouquinho por causa de mim. Porque eu abusava um pouquinho das coisas que eu comia. Então eu fui um pouquinho culpada, hoje eu consigo ver. (Letícia)

Outro aspecto se apresenta nas falas de três das mulheres entrevistadas, as quais disseram ter "conseguido" a laqueadura com a justificativa de evitar complicações que possam levá-las a óbito. Apesar de serem mulheres entre 22 e 33 anos, com três filhos, sendo que uma tem apenas uma filha.

A moça (não sei se é médica ou enfermeira) entrou no quarto e falou para mim que eu vou fazer laqueadura, porque não posso mais engravidar. De jeito nenhum eu posso. (Raquel)

DISCUSSÃO

Foi possível identificar diversos aspectos da morbidade materna referidos como dificuldades enfrentadas pelas mulheres. Identifica-se nos discursos, como núcleo central da representação social, a gestação como um evento negativo relacionado a aspectos de doença, por exemplo sintomas, tratamento e prognóstico. Estudos sobre o significado da experiência da Morbidade Materna Grave também relatam a forte relação da gestação com a experiência negativa da morbidade(88 Carvalheira APP, Tonete VLP, Parada CMGL. Feelings and perceptions of women in the pregnancy-puerperal cycle who survived severe maternal morbidity. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2010[cited 2015 Jun 30];18(6):1187-94. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v18n6/20.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v18n6/20.p...
,1414 Godoy S, Bergamasco R, Gualda D, Tsunechiro M. [Severe obstetric morbidity-near miss: meaning for surviving women: oral history]. Online Braz J Nurs [Internet]. 2008[cited 2015 Jun 30];7(2). Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/1460/372 Portuguese.
http://www.objnursing.uff.br/index.php/n...
).

A dor intensa, desconfortos e mal-estar que os sintomas relacionados ao sistema cardiovascular e à disfunção urinária desencadeiam dão à gestante a percepção de algo incomum com a gravidez. Uma vez que as mulheres se encontravam ou tinham sido acompanhadas por meio de consultas no pré-natal, evidencia-se o manejo inadequado da hipertensão arterial. Estudos mostram que os indicadores de mortalidade materna são sensíveis aos cuidados obstétricos recebidos(1515 Vettore MV, Dias M, Domingues RMSM, Vettore MV, Leal MC. Prenatal care and management of hypertension in pregnant women in the public healthcare system in Rio de Janeiro, Brazil. Cad Saúde Pública [Internet]. 2011[cited 2015 Jun 30];27(5):1021-34. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v27n5/19.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/csp/v27n5/19.pd...
). Dessa forma, a qualidade da atenção obstétrica pode auxiliar na diminuição da ocorrência de morte materna(1616 Reis LGC, Pepe VLE, Caetano R. [Safe motherhood in Brazil: the long road to the realization of a right]. Physis [Internet]. 2011[cited 2015 Jun 30];21(3):1139-60. Available from: http://www.scielo.br/pdf/physis/v21n3/20.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/physis/v21n3/20...
).

A preocupação com a saúde do bebê pode estar presente em uma gestação normal(1717 Piccinini CA, Gomes AG, Moreira LE, Lopes RS. [Pregnant woman's expectations and feelings regarding her baby]. Psicol Teor Pesq [Internet]. 2004[cited 2015 Jun 30];20(3):223-32. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ptp/v20n3/a03v20n3.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/ptp/v20n3/a03v2...
). Entretanto, a ameaça real à saúde e vida da mulher e bebê podem intensificar as emoções, transformando a gestação em um momento de muita angústia e sofrimento, conforme mencionado pelas mulheres entrevistadas neste e em outro estudo realizado no Brasil(88 Carvalheira APP, Tonete VLP, Parada CMGL. Feelings and perceptions of women in the pregnancy-puerperal cycle who survived severe maternal morbidity. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2010[cited 2015 Jun 30];18(6):1187-94. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v18n6/20.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v18n6/20.p...
,1818 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Krupa F, Osis MJD. An emerging ''Maternal Near-Miss Syndrome'': narratives of women who almost died during pregnancy and childbirth. Birth [Internet]. 2009[cited 2015 Jun 30];36(2). Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19489809
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19489...
). Tais emoções não devem ser ignoradas uma vez que podem servir de gatilho para o surgimento de transtornos psíquicos importantes, bastante frequentes nas mulheres em idade reprodutiva. Assim, é de extrema importância a valorização da atenção à saúde mental da gestante e puérpera que vivenciam um episódio de Morbidade Materna Grave.

Ao pensar na dimensão do trabalho, compreende-se a importância do bem-estar para que as mulheres possam continuar desempenhando suas atividades. O trabalho fora de casa, mesmo que de maneira informal, garante o sustento da família ou parte dele(1919 Simões SIW, Hashimoto F. Mulher, mercado de trabalho e as configurações familiares do século XX. Vozes Vales UFVJM [Internet]. 2012[cited 2015 Jun 30];2(1). Available from: http://site.ufvjm.edu.br/revistamultidisciplinar/files/2011/09/Mulher-mercado-de-trabalho-e-as-configura%C3%A7%C3%B5es-familiares-do-s%C3%A9culo-XX_fatima.pdf
http://site.ufvjm.edu.br/revistamultidis...
). A complicação no ciclo grávido-puerperal pode colocá-las em risco de perderem o emprego, desestabilizando ainda mais a renda familiar. E, mesmo que as mulheres realizem algum tipo de trabalho autônomo, os proventos podem ficar comprometidos com a diminuição do rendimento das atividades.

O tratamento e a hospitalização também foram mencionados pelas mulheres como aspectos negativos da experiência da Morbidade Materna Grave. As adaptações de horário, da alimentação e do ritmo diário, necessárias durante o tratamento, exigem grande empenho por parte do paciente e podem ser vistas como o lado negativo do tratamento(2020 Silva GF, Sanches PG, Carvalho MDB. Reflecting on nursing care in an Intensive Care Unit. REME Rev Min Enferm [Internet]. 2007[cited 2015 Jun 30];11(1):94-8. Available from: http://www.enf.ufmg.br/site_novo/modules/mastop_publish/files/files_4c6aa723e3bb9.pdf
http://www.enf.ufmg.br/site_novo/modules...
).

Além de limitar a autonomia e atividades das pacientes, a hospitalização, por sua vez, traz preocupações com os filhos que ficaram em casa, outros familiares e os cuidados domésticos. A percepção de que a internação hospitalar é uma privação para o paciente também foi identificada em estudo realizado no Sul do Brasil(2121 Oliveira SG, Quintana AM, Budó MLD, Kruse MHL, Beuter M. Home care and hospital assistance: similarities and differences from the perspective of the family caregiver. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2012[cited 2015 Jun 30];21(3):591-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v21n3/en_v21n3a14.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v21n3/en_v2...
).

Enuncia-se, no discurso das mulheres entrevistadas, o tema da violência institucional nas maternidades, como algo recorrente e que, apesar de esforços governamentais, persiste uma cultura discriminatória, punitiva e correcional dirigida às mulheres bem como as características de uma relação profissional-usuário: autoritária, com tratamento discriminatório, desumano ou degradante(2222 Aguiar JM, d'Oliveira AFPL, Schraiber LB. Violência institucional, autoridade médica e poder nas maternidades sob a ótica dos profissionais de saúde. Cad Saúde Pública [Internet]. 2013[cited 2015 Jun 30];29(11):2287-96. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v29n11/15.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csp/v29n11/15.p...
). O enfrentamento de tal realidade destaca-se como um dos focos do Ministério da Saúde, com a implantação da Rede Cegonha e a divulgação de experiências, propostas e estratégias que possam conciliar os direitos humanos e as boas práticas em obstetrícia(2323 Brasil. Ministério da Saúde. Universidade Estadual do Ceará. Humanização do parto e do nascimento. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.).

Neste contexto, entre as dificuldades relatadas pelas mulheres, estão a qualidade do atendimento nos serviços de saúde, assim como a falta de informação e de comunicação por parte dos profissionais de saúde. A rotina de trabalho determinada pela organização hospitalar e a formação profissional em um modelo biomédico não são favoráveis a um atendimento integral e humanizado(2424 Dias MAB, Domingues RMSM. [Challenges for the implementation of a humanization policy in hospital care for childbirth]. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2005[cited 2015 Jun 30];10(3):669-705. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v10n3/a26v10n3.pdf Portuguese.
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). Tais fatores podem causar mais sentimentos de medo e angústia, aumentando, ainda, os riscos à saúde da mulher e do bebê(66 Panamerican Health Organization. Latin American Center for Perinatology Women and Reproductive Health. Plan of action to accelerate the reduction of maternal mortality and severe maternal morbidity: monitoring and evaluation strategy. PAHO; 2012.).

Pode-se depreender que a experiência da Morbidade Materna Grave parece ter se sobressaído à experiência da gestação, o que levanta a questão: se a superação do problema torna-se o centro do ciclo grávido-puerperal, como ficam as adaptações psicológicas, sociais e culturais causadas por uma nova gestação? Ao evento mórbido, acrescem-se as necessidades adaptativas naturais da gestação, vivenciadas pela mulher em um curto período de tempo. Essa sobrecarga de eventos deve ser considerada pelos serviços e profissionais de saúde não só durante a gestação, mas também após o parto, garantindo, assim, que a mulher receba o suporte necessário à sua demanda.

À visão de maternidade construída culturalmente como natural, intrinsecamente relacionada ao papel feminino e quase que única fonte de realização para a mulher(2525 Scavone L. Motherhood: transformation in the family and in gender relations. Interface Comun Saúde Educ. 2001;5(8):47-60.), contrapõe-se uma vivência diferente daquela enfrentada por mulheres que tiveram complicações durante a gestação, levando a uma frustração da gestação idealizada. No entanto, apesar de tais dificuldades, as mulheres entrevistadas mostraram-se empenhadas em superar o evento mórbido apesar do medo constante de novas complicações.

A constante preocupação com o tratamento da morbidade, nos casos crônicos, e o medo da recaída podem ter motivado as mudanças nos hábitos alimentares mencionadas pelas mulheres entrevistadas.

Apesar de importantes, as mudanças de comportamento citadas pelas mulheres são pontuais e parecem ser motivadas pelo temor de novo episódio e, de per si, podem não ser suficientes para uma remissão e prevenção eficazes. Destaca-se a inexistência ou insuficiência de ações de educação para a saúde da mulher, as quais visem a mudanças numa perspectiva de integralidade e qualidade de vida, o que não se restringe tão somente à mudança alimentar(66 Panamerican Health Organization. Latin American Center for Perinatology Women and Reproductive Health. Plan of action to accelerate the reduction of maternal mortality and severe maternal morbidity: monitoring and evaluation strategy. PAHO; 2012.).

Estudos realizados no Brasil(77 Godoy SR, Gualda DMR, Bergamasco RB, Tsunechiro MA. Repercussions of Near miss and women's perception of care received in the critical care unit. Acta Paul Enferm [Internet]. 2009[cited 2015 Jun 30];22(2):162-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v22n2/en_a08v22n2.pdf
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,88 Carvalheira APP, Tonete VLP, Parada CMGL. Feelings and perceptions of women in the pregnancy-puerperal cycle who survived severe maternal morbidity. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2010[cited 2015 Jun 30];18(6):1187-94. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v18n6/20.pdf
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,1818 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Krupa F, Osis MJD. An emerging ''Maternal Near-Miss Syndrome'': narratives of women who almost died during pregnancy and childbirth. Birth [Internet]. 2009[cited 2015 Jun 30];36(2). Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19489809
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19489...
) identificaram o sentimento de culpa pelas complicações enfrentadas por algumas mulheres que passaram por um episódio de Morbidade Materna Grave. No presente estudo, o sentimento de culpa relacionou-se aos hábitos alimentares que, do ponto de vista dessas mulheres, poderiam ter causado o evento mórbido.

Foi possível identificar, portanto, algumas mudanças de comportamento como forma de enfrentamento da Morbidade Materna Grave. No entanto, a laqueadura tubária foi apresentada a algumas mulheres como uma importante estratégia para evitar eventos mórbidos futuros.

Em contrapartida à possibilidade única de um procedimento definitivo, como a laqueadura tubária, a OPAS(66 Panamerican Health Organization. Latin American Center for Perinatology Women and Reproductive Health. Plan of action to accelerate the reduction of maternal mortality and severe maternal morbidity: monitoring and evaluation strategy. PAHO; 2012.) considera como área estratégica no Plano de Ação para Acelerar a Redução da Mortalidade Materna e Morbidade Materna Grave o aumento da cobertura de métodos anticoncepcionais e a disponibilidade de serviços de aconselhamento em planejamento familiar destinados à prevenção da gravidez não desejada e das complicações dela decorrentes. Entretanto, a esterilização cirúrgica é considerada não como uma opção contraceptiva, mas a solução das preocupações com futuras gravidezes indesejadas(2626 Nicolau AIO, Moraes MLC, Lima DJM, Aquino OS, Pinheiro AKB. [Reproductive history of women with tubal ligation]. Acta Paul Enferm [Internet]. 2010[cited 2015 Jun 30];23(5):677-83. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v23n5/15.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ape/v23n5/15.pd...
).

A ênfase na educação em saúde e informações adequadas aos distintos contextos das mulheres estão presentes na literatura e em documentos oficiais que visam à redução da mortalidade materna e da morbidade materna grave, dos direitos das mulheres e de sua autonomia para a reprodução e planejamento da família. A realização de grupos educativos para gestante é um importante instrumento na redução da mortalidade materna e neonatal entre mulheres que vivem em área rural, e que deve ser considerada em outros contextos(2727 Prost A, Colbourn T, Seward N, Azad K, Coomarasamy A, Copas A, et al. Women's groups practicing participatory learning and action to improve maternal and newborn health in low-resource settings: a systematic review and meta-analysis. Lancet [Internet]. 2013[cited 2015 Jun 30];381(9879):1736-46. Available from: http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736%2813%2960685-6/abstract
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). No Brasil, entretanto, a realização de grupos com gestantes ainda é uma estratégia pouco utilizada.

O presente trabalho evidencia a amplitude das interferências da experiência da Morbidade Materna Grave na vida das mulheres, envolvendo aspectos emocionais, sociais, econômicos e institucionais. Reforçando a necessidade e ações mais efetivas no cuidado à mulher com Morbidade Materna Grave. Por se tratar de um estudo qualitativo, os resultados não são passíveis de generalizações, o que requer estudos adicionais em diferentes contextos socioculturais. Ademais, não foram identificadas as possíveis reminiscências do evento mórbido para as mulheres entrevistadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Devido à gravidade da morbidade materna na vida da mulher, destacamos a importância de sua prevenção e controle. Nesse sentido, os relatos aqui registrados permitem extrapolar a análise da experiência em si e apontar as possíveis deficiências ou dificuldades no controle e monitoramento da Morbidade Materna Grave pela assistência obstétrica que as mulheres participantes deste estudo receberam. Nos casos relatados, só após o desencadeamento de forte sintomatologia é que as gestantes tiveram a atenção adequada de si e de outras pessoas.

Torna-se, assim, imprescindível a realização de estudos abordando a vivência de mulheres que sobreviveram a episódios de Morbidade Materna Grave, tanto no que concerne à relevância social de abertura de canais de escuta qualificada quanto para o conhecimento de questões subjetivas, uma vez que tal evento mórbido não tem apenas gênese física, e suas repercussões atingem várias dimensões da vida das mulheres, dos seus filhos e famílias. A prevenção e manejo qualificado da Morbidade Materna Grave tem impacto na redução da mortalidade materna.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2015
  • Aceito
    23 Mar 2016
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