Acessibilidade / Reportar erro

Barreiras percebidas à prática de atividades físicas no lazer e fatores associados em adolescentes

Resumos

O objetivo deste estudo foi identificar a prevalência das barreiras percebidas à prática de atividade física no lazer de adolescentes, bem como analisar a possível associação das mesmas com a inatividade física no lazer. Este estudo transversal foi conduzido em 2011 e selecionou, por meio de múltiplos estágios, uma amostra representativa de 1.409 estudantes do ensino médio de escolas públicas do município de Londrina/PR. Os adolescentes responderam um questionário para coleta de dados. A relação entre inatividade física no lazer (< 300 minutos/semana) e barreiras percebidas foi analisada mediante o cálculo da razão de prevalência (RP) em modelos de regressão de Poisson. “Falta de companhia” foi a barreira mais prevalente para moças (75,8%) e rapazes (58,7%). “Preguiça” para as moças (RP: 1,21; IC95%: 1,08-1,36) e “preferência por outras atividades” para os rapazes (RP: 1,48; IC95%: 1,01-2,15), foram as barreiras mais fortemente associadas à inatividade física no lazer. Para ambos os gêneros, foi observada forte relação de dose-resposta entre número de barreiras percebidas e inatividade física no lazer. A percepção de barreiras foi associada à maior prevalência de inatividade física no lazer em adolescentes e deve, portanto, ser considerada em ações de promoção de atividade física nessa população.

Atividade motora; Saúde do adolescente; Fatores de risco


The objective of this study was to identify the prevalence of perceived barriers to leisure-time physical activity in teenagers and to examine the possible association of these barriers with leisure-time physical inactivity. This cross-sectional study was conducted in 2011 and a representative sample of 1,409 high school students from public schools in the city of Londrina/Paraná was selected through multistage sampling. For data collection, the adolescents completed a questionnaire. The relationship between leisure-time physical inactivity (<300 minutes/week) and perceived barriers was analyzed by calculating the prevalence ratio (PR) in Poisson regression models. “Lack of friends company” was the most prevalent barrier for both girls (75.8%) and boys (58.7%). “Feel lazy” for girls (PR: 1.21; CI 95%: 1.08 to 1.36) and “prefer to do other things” for the boys (PR: 1.48; CI 95%: 1.01 to 2.15) were the barriers most strongly associated with leisure-time physical inactivity. For both genders, a strong dose-response relationship was observed between the number of perceived barriers and leisure-time physical inactivity. The perception of barriers was associated with a higher prevalence of leisure-time physical inactivity in adolescents and should therefore be considered in actions for promoting physical activity in this population.

Motor activity; Adolescent health; Risk factors


The objective of this study was to identify the prevalence of perceived barriers to leisure-time physical activity in teenagers and to examine the possible association of these barriers with leisure-time physical inactivity. This cross-sectional study was conducted in 2011 and a representative sample of 1,409 high school students from public schools in the city of Londrina/Paraná was selected through multistage sampling. For data collection, the adolescents completed a questionnaire. The relationship between leisure-time physical inactivity (<300 minutes/week) and perceived barriers was analyzed by calculating the prevalence ratio (PR) in Poisson regression models. “Lack of friends company” was the most prevalent barrier for both girls (75.8%) and boys (58.7%). “Feel lazy” for girls (PR: 1.21; CI 95%: 1.08 to 1.36) and “prefer to do other things” for the boys (PR: 1.48; CI 95%: 1.01 to 2.15) were the barriers most strongly associated with leisure-time physical inactivity. For both genders, a strong dose-response relationship was observed between the number of perceived barriers and leisure-time physical inactivity. The perception of barriers was associated with a higher prevalence of leisure-time physical inactivity in adolescents and should therefore be considered in actions for promoting physical activity in this population.

Motor activity; Adolescent health; Risk factors


Introdução

As doenças crônicas não transmissíveis são as principais causas de morbimortalidade no Brasil e tendem a afetar negativamente a qualidade de vida da população11. Schmidt MI, Duncan BB, Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, Chor D, Menezes PR. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet 2011; 377(9781):1949-1961.. Visando o enfrentamento das mesmas, o Ministério da Saúde tem implementado algumas políticas, tais como o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis no Brasil 2011-2022, cujo um dos seus objetivos diz respeito à prevenção e a diminuição da inatividade física, que é considerada um fator de risco modificável para quatro dos principais grupos de doenças (circulatórias, cancerígenas, respiratórias crônicas e diabetes)22. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das doenças Crônicas não transmissíveis no Brasil 2011-2022. Brasília: MS; 2011.. Essa atenção dada à atividade física por parte do Ministério da Saúde é justificável quando se considera que mais da metade da população brasileira acima dos 14 anos de idade não realiza tal prática33. Hallal PC, Andersen LB, Bull FC, Guthold R, Haskell W, Ekelund U. Global physical activity levels: surveillance progress, pitfalls, and prospects.Lancet 2012; 380(9838):247-257. que, além de estar associada com benefícios à saúde22. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das doenças Crônicas não transmissíveis no Brasil 2011-2022. Brasília: MS; 2011., é reconhecida como um direito fundamental de todos44. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). International Charter of Physical Education and Sport. 1978. [acessado 2014 set 2]. Available at: http://portal.unesco.org/en/ev.php-URL_ID=13150&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html
http://portal.unesco.org/en/ev.php-URL_I...
, por conta de seu potencial de influenciar valores importantes para a vida em sociedade.

Apesar das doenças crônicas não transmissíveis associadas à inatividade física normalmente se manifestarem ao longo da vida adulta, o seu desenvolvimento parece ter início ainda na infância e adolescência55. Sawyer SM, Afifi RA, Bearinger LH, Blakemore SJ, Dick B, Ezeh AC, Patton GC. Adolescence: a foundation for future health. Lancet2012; 379(9826):1630-1640.. Assim, recomenda-se que crianças e adolescentes acumulem diariamente, pelo menos, 60 minutos de atividade física, predominantemente aeróbica, de intensidade moderada a vigorosa66. World Health Organization (WHO). Global recommendations on physical activity for health. Geneva: WHO; 2010.. Contudo, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) apontou que mais de 50% dos adolescentes brasileiros não atingiram a quantidade mínima recomendada de atividade física77. Malta DC, Sardinha LMV, Mendes I, Barreto SM, Giatti L, Castro IRR, Moura L, Dias AJR, Crespo C. Prevalência de fatores de risco e proteção de doenças crônicas não transmissíveis em adolescentes: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), Brasil, 2009. Cien Saude Colet 2010; 15(Supl. 2):3009-3019..

Diante do elevado número de jovens que não atendem às recomendações no Brasil, identificar os fatores associados à atividade física pode contribuir para o desenvolvimento de ações que visam reverter esse quadro88. Bauman AE, Reis RS, Sallis JF, Wells JC, Loos RJ, Martin BW. Correlates of physical activity: why are some people physically active and others not? Lancet 2012; 380(9838):258-271.. Entre os diversos fatores que podem influenciar o melhor entendimento desta situação está a melhor compreensão das barreiras percebidas para a prática de atividade física. Este tema vem ganhando atenção nas investigações no contexto dos estudos sobre fatores determinantes e relacionados a este comportamento. A barreira é um constructo derivado do Modelo de Crença na Saúde e pode ser entendida como aspectos que dificultam ou impedem a realização de um comportamento que possui relação com a saúde, sobretudo, se ela ultrapassa os benefícios percebidos99. Allison KR, Dwyer JJ, Makin S. Perceived barriers to physical activity among high school students. Prev Med 1999; 28(6):608-615.,1010. Janz NK, Champion VL, Strecher VJ. The health belief model. In: Glanz K, Rimer BK, Lewis FM, organizadores. Health behavior and health education: theory, research, and practice. São Francisco: Jossey-Bass; 2002. p. 45-66..

Pesquisas têm apontado que as barreiras possuem associação inversa com a atividade física de lazer em adolescentes1111. Kahn JA, Huang B, Gillman MW, Field AE, Austin SB, Colditz GA, Frazier AL. Patterns and determinants of physical activity in U.S. adolescents.J Adolesc Health 2008; 42(4):369-377.

12. Kimm SY, Glynn NW, McMahon RP, Voorhees CC, Striegel-Moore RH, Daniels SR. Self-perceived barriers to activity participation among sedentary adolescent girls. Med Sci Sports Exerc 2006; 38(3):534-540.
-1313. Lubans DR, Morgan PJ. Social, psychological and behavioural correlates of pedometer step counts in a sample of Australian adolescents.J Sci Med Sport 2009; 12(1):141-147., portanto quanto maior o número de barreiras percebidas pelos jovens, menor será a probabilidade de engajamento em níveis adequados de atividade física em tal domínio. Todavia, é importante considerar que a maioria das pesquisas foram conduzidas em países desenvolvidos, as quais podem não ser generalizáveis para o contexto brasileiro, por conta das diferenças socioculturais, no ambiente físico, nas políticas públicas, dentre outras.

No Brasil foram encontrados seis estudos observacionais do tipo transversal sobre barreiras percebidas à prática de atividade física no lazer em adolescentes1414. Ceschini FL, Figueira Júnior AF. Barreiras e determinantes para a prática de atividade física em adolescentes. Rev Bras Ci e Mov2007; 15(1):29-36.

15. Santos MS, Fermino RC, Reis RS, Cassou AC, Anez CRR. Barreiras para a prática de atividade física em adolescentes: um estudo por grupo focal.Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2010; 12(3):137-143.

16. Santos MS, Hino AA, Reis RS, Rodriguez-Anez CR. Prevalence of barriers for physical activity in adolescents. Rev Bras Epidemiol 2010; 13(1):94-104.

17. Copetti J, Neutzling MB, Silva MC. Barreiras à prática de atividades físicas em adolescentes de uma cidade do sul do Brasil. Rev Bras Ativ Fís Saúde 2010; 15(2):88-94.

18. Garcia LMT, Fisberg M. Atividades físicas e barreiras referidas por adolescentes atendidos num serviço de saúde. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2011; 13(3):163-169.
-1919. Dambros DD, Lopes LFD, Santos DL. Barreiras percebidas e hábitos de atividade física de adolescentes escolares de uma cidade do sul do Brasil.Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2011; 13(6):422-428.. Com relação aos resultados, a prevalência variou amplamente entre essas investigações, o que dificulta a tentativa de apresentar uma síntese das barreiras mais prevalentes. Por exemplo, falta de companhia foi reportada por 9,4% e 48,7% das moças de São Paulo/SP1414. Ceschini FL, Figueira Júnior AF. Barreiras e determinantes para a prática de atividade física em adolescentes. Rev Bras Ci e Mov2007; 15(1):29-36. e Curitiba/PR1616. Santos MS, Hino AA, Reis RS, Rodriguez-Anez CR. Prevalence of barriers for physical activity in adolescents. Rev Bras Epidemiol 2010; 13(1):94-104., respectivamente. Desses seis estudos, um investigou a associação das barreiras percebidas à prática de atividade física no lazer com a inatividade física habitual1616. Santos MS, Hino AA, Reis RS, Rodriguez-Anez CR. Prevalence of barriers for physical activity in adolescents. Rev Bras Epidemiol 2010; 13(1):94-104., e outro com a de lazer1717. Copetti J, Neutzling MB, Silva MC. Barreiras à prática de atividades físicas em adolescentes de uma cidade do sul do Brasil. Rev Bras Ativ Fís Saúde 2010; 15(2):88-94.. Em ambos os trabalhos, a presença das barreiras preguiça, falta de tempo e clima desfavorável foram associadas a maior prevalência dos desfechos analisados. Embora esses achados possam contribuir para o desenvolvimento de ações de promoção da atividade física, algumas considerações devem ser realizadas: a) a evidência oriunda de tais estudos ainda pode ser considerada incipiente diante da grande diversidade cultural, social e ambiental do Brasil; e b) alguns trabalhos utilizaram instrumentos que não foram validados para adolescentes1717. Copetti J, Neutzling MB, Silva MC. Barreiras à prática de atividades físicas em adolescentes de uma cidade do sul do Brasil. Rev Bras Ativ Fís Saúde 2010; 15(2):88-94.

18. Garcia LMT, Fisberg M. Atividades físicas e barreiras referidas por adolescentes atendidos num serviço de saúde. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2011; 13(3):163-169.
-1919. Dambros DD, Lopes LFD, Santos DL. Barreiras percebidas e hábitos de atividade física de adolescentes escolares de uma cidade do sul do Brasil.Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2011; 13(6):422-428., adaptados a partir de questionários desenvolvidos para adultos1717. Copetti J, Neutzling MB, Silva MC. Barreiras à prática de atividades físicas em adolescentes de uma cidade do sul do Brasil. Rev Bras Ativ Fís Saúde 2010; 15(2):88-94.,1919. Dambros DD, Lopes LFD, Santos DL. Barreiras percebidas e hábitos de atividade física de adolescentes escolares de uma cidade do sul do Brasil.Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2011; 13(6):422-428. e/ou com pouca representatividade em relação à população geral de adolescentes1414. Ceschini FL, Figueira Júnior AF. Barreiras e determinantes para a prática de atividade física em adolescentes. Rev Bras Ci e Mov2007; 15(1):29-36.,1515. Santos MS, Fermino RC, Reis RS, Cassou AC, Anez CRR. Barreiras para a prática de atividade física em adolescentes: um estudo por grupo focal.Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2010; 12(3):137-143.,1818. Garcia LMT, Fisberg M. Atividades físicas e barreiras referidas por adolescentes atendidos num serviço de saúde. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2011; 13(3):163-169..

Considerando o que foi apresentado, identificar a magnitude com que certas barreiras percebidas estão associadas à inatividade física no lazer em adolescentes brasileiros, contribuirá tanto para ampliar o conhecimento sobre essa questão quanto para que ações mais específicas possam ser elaboradas, buscando remover ou reduzir as barreiras identificadas e, por consequência, aumentar a efetividade das intervenções e políticas públicas de promoção da atividade física de lazer envolvendo jovens. Assim, este estudo teve dois objetivos: a) identificar as mais prevalentes barreiras percebidas à prática de atividade física no lazer entre moças e rapazes de Londrina, Paraná; e b) investigar a possível associação entre tais barreiras e inatividade física no lazer nessa mesma população.

Métodos

Amostra

Este estudo transversal foi conduzido no primeiro semestre de 2011, com uma amostra representativa da população de 14.258 adolescentes matriculados no ensino médio de escolas públicas localizadas no perímetro urbano do município de Londrina, Paraná.

Para o cálculo do tamanho da amostra para prevalência foi utilizado um tamanho populacional de 14.258 estudantes, prevalência estimada de inatividade física no lazer de 50% e erro amostral tolerável de cinco pontos percentuais. Para o cálculo da associação foi usada uma relação de oito para um entre não expostos e expostos às barreiras, o percentual esperado de inatividade física no lazer entre os não expostos foi de 85%, ao passo que entre os expostos esse valor foi de 95%. Tanto para prevalência, quanto para associação, foi adotado nível de confiança de 95%, poder de 80% e efeito do desenho de 1,5. Os parâmetros utilizados para o cálculo foram baseados nos resultados de prévios estudos sobre barreiras à atividade física em adolescentes brasileiros1414. Ceschini FL, Figueira Júnior AF. Barreiras e determinantes para a prática de atividade física em adolescentes. Rev Bras Ci e Mov2007; 15(1):29-36.,1616. Santos MS, Hino AA, Reis RS, Rodriguez-Anez CR. Prevalence of barriers for physical activity in adolescents. Rev Bras Epidemiol 2010; 13(1):94-104..

Para estimar a prevalência das barreiras à prática de atividade física foram necessários 561 sujeitos. Entretanto, para examinar a associação entre barreiras e inatividade física no lazer foram necessários 1.323 indivíduos, valor este que foi adotado como referência para o presente estudo.

Para obtenção da amostra foi realizada uma amostragem por conglomerados em múltiplos estágios. Inicialmente, a unidade amostral adotada foi a escola, de modo que entre as 42 da cidade, foram sorteadas duas de cada uma das cinco regiões geográficas (Centro, Leste, Norte, Oeste e Sul), totalizando assim 10 escolas. Em seguida, dentre as 99 turmas de ensino médio das 10 escolas, foram sorteadas 60, respeitando as proporções de alunos por turno de estudo e região geográfica da cidade. Finalmente, todos os alunos das 60 turmas sorteadas, na faixa etária dos 14 aos 19 anos, foram convidados a participar do estudo. Todas as informações utilizadas no referido processo de amostragem foram fornecidas pelo Núcleo Regional de Educação de Londrina.

Instrumento

A avaliação das barreiras percebidas à prática de atividade física no lazer foi realizada por meio de um instrumento desenvolvido e validado por Santos et al.2020. Santos MS, Reis RS, Anez CRR, Fermino RC. Desenvolvimento de um instrumento para avaliar barreiras para a prática de atividade física em adolescentes. Rev Bras Ativ Fís Saúde 2009; 14(2):76-85., com adolescentes da cidade de Curitiba, Paraná. O instrumento avalia 12 barreiras, a saber: “falta de locais”, “não conheço lugares”, “amigos moram longe”, “não tem alguém para levar”, “clima”, “preferência por outras atividades”, “preguiça”, “falta de motivação”, “muitas tarefas”, “falta de tempo”, “falta de companhia” e “em casa ninguém faz”. Cada item do instrumento possui quatro opções de resposta: Discordo muito, Discordo, Concordo e Concordo muito. Os adolescentes foram classificados de acordo com a ausência (Discordo muito ou Discordo) ou presença (Concordo ou Concordo muito) de cada barreira.

A atividade física no lazer foi avaliada pela seção quatro do questionário internacional de atividade física versão longa2121. Craig CL, Marshall AL, Sjostrom M, Bauman AE, Booth ML, Ainsworth BE, Pratt M, Ekelund U, Yngve A, Sallis JF, Oja P. International physical activity questionnaire: 12-country reliability and validity. Med Sci Sports Exerc 2003; 35(8):1381-1395.. Esta seção possui seis questões que englobam a quantidade de dias, bem como o tempo diário gasto em atividades físicas de recreação, esporte, exercício e de lazer, realizadas nos prévios sete dias da aplicação do instrumento. As atividades físicas praticadas nas aulas de Educação Física foram desconsideradas. O escore de atividade física no lazer foi estabelecido com base no tempo despendido em caminhada e atividades moderadas. Além disso, foi adicionado o tempo gasto em atividades vigoras multiplicado por dois. Para fins operacionais de análise, foram considerados inativos no lazer aqueles que apresentaram escore < 300 minutos de atividade física por semana.

Além das variáveis perceptivas e comportamentais descritas acima, também foram coletados os seguintes fatores: a) gênero (feminino; masculino); b) idade em anos, que posteriormente foi usada para criar a variável faixa etária (de 14 a 15 anos; de 16 a 17 anos; de 18 a 19 anos); c) turno de estudo (matutino; noturno); d) grau de instrução do responsável pelo adolescente que foi usada para criar a escolaridade do responsável (fundamental; médio; superior); e) cor de pele (amarela; branca; parda/mulata; preta; indígena); e f) estatura e massa corporal autorreferidas, as quais foram usadas para calcular o índice de massa corporal em kg/m2 segundo os valores críticos de referência específicos para sexo e idade proposto por Cole et al.2222. Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM, Dietz WH. Establishing a standard definition for child overweight and obesity worldwide: international survey.BMJ 2000; 320(7244):1240-1243. (eutrofia; sobrepeso/obesidade). Em todas as análises, as variáveis e suas respetivas categorias, foram tratadas exatamente como apresentadas neste parágrafo.

Com o objetivo de testar a reprodutibilidade das questões do instrumento foi realizado um estudo piloto. Participaram 57 adolescentes oriundos de uma turma do período matutino e outra do noturno, sendo ambas compostas por alunos do primeiro ano do ensino médio de escolas públicas de Londrina, Paraná. A aplicação é reaplicação do teste, e ocorreu em um intervalo de cinco dias. Os resultados da reprodutibilidade referente às variáveis categóricas apresentaram concordância, variando entre moderada e perfeita, segundo o índice Kappa: falta de locais (0,94), amigos moram longe (0,90), em casa ninguém faz (0,88), preferência por outras atividades (0,81), muitas tarefas (0,81), não conheço lugares (0,78), preguiça (0,77), falta de companhia (0,75), falta de tempo (0,69), clima (0,67), falta de motivação (0,64), não tem alguém para levar (0,56), inatividade física no lazer (0,75), cor de pele (1,0) e escolaridade do responsável (1,0). Com relação às variáveis numéricas, o Coeficiente de Correlação Intraclasse encontrou correlações adequadas: estatura (0,97) e peso (0,99).

Coleta de dados e questões éticas

Um profissional de Educação Física, com experiência em coleta de dados, aplicou o questionário de maneira dirigida nas salas. A aplicação do instrumento ocupou de 20 a 25 minutos da aula. Visando reduzir a quantidade de dados perdidos por conta do preenchimento equivocado por parte dos escolares (por exemplo, respostas em branco ou questões com duas respostas assinaladas), após o término da aplicação o entrevistador permanecia o restante da aula na sala conferindo as respostas, de modo que os estudantes que deixaram de responder ou responderam equivocadamente alguma questão eram convidados para fazer a correção.

Todos os sujeitos apresentaram o termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelo responsável ou pelo próprio estudante quando o mesmo possuía 18 anos ou mais de idade. Este estudo é parte de um projeto maior que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos da Universidade Estadual de Londrina.

Tabulação e análise dos dados

Os dados foram digitados usando o programa Epi-Info. Para a análise descritiva foi usada a distribuição de frequências absoluta e relativa, ao passo que para a análise bivariada utilizou-se o teste do qui-quadrado para a heterogeneidade ou tendência linear. As razões de prevalência bruta e multivariável foram obtidas mediante a regressão de Poisson, com ajuste robusto de variância. Conforme sugerido pela literatura2323. Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 26(1):224-227., a análise multivariável seguiu um modelo conceitual previamente elaborado, sendo construído um para rapazes e outro para moças. O primeiro nível de influência incluiu escolaridade do responsável, faixa etária e cor de pele; o segundo nível incluiu índice de massa corporal e turno de estudo; todas as barreiras percebidas foram abarcadas no terceiro nível. As variáveis somente entravam no nível seguinte quando tinham p ≤ 0,10 e, além disso, uma vez atendido tal critério estatístico, a variável foi mantida até o último modelo. Dessa forma, o modelo final dos rapazes incluiu escolaridade do responsável e as barreiras: falta de local, clima, preferência por outras atividades, preguiça, falta de motivação e falta de companhia. Já o modelo das moças incluiu escolaridade do responsável, turno de estudo e as barreiras: não conheço lugares, amigos moram longe, preferência por outras atividades, preguiça, falta de motivação e muitas tarefas. O nível de significância adotado para testar a associação entre inatividade física no lazer e barreiras percebidas foi de 5%. Por conta do delineamento amostral complexo, os comandos de survey (svy) do software Stata 9.0 foram empregados.

Resultados

Dentre as 60 turmas de ensino médio da rede pública de ensino visitadas, 1.476 estudantes foram convidados para a pesquisa. Sessenta e sete escolares se recusaram a participar do estudo e/ou não apresentaram o termo de consentimento. Assim, a amostra final foi composta por 1.409 sujeitos (taxa de perdas = 4,5%).

Dos 1.409 entrevistados, a maioria foi do gênero feminino (54,9%), a média de idade foi de 16,1 ± 0,5 anos, para os rapazes, e 15,9 ± 0,4 anos, para as moças; 63,4% dos rapazes e 68,9% das moças estudavam no turno matutino, a maior parte foi classificada como eutrófica (rapazes: 74,7%, moças: 86,2%); e 79,0% dos rapazes e 80,3% das moças reportaram que o chefe da família possuía escolaridade inferior a nível superior completo. Com relação à atividade física, a proporção de moças que praticavam menos de 300 minutos de atividade física no lazer por semana foi superior a dos rapazes (80,8% contra 48,9%; p < 0,001).

A Tabela 1 apresenta a prevalência de todas as barreiras percebidas à pratica de atividade física no lazer segundo o gênero. Exceto para “não conheço lugares” e “falta de tempo”, houve diferença estatisticamente significante na proporção de todas as barreiras percebidas entre moças e rapazes, com a prevalência sendo superior no gênero feminino em todas as comparações. Entre os rapazes, somente uma das 12 barreiras investigadas apresentou prevalência superior a 50%. Entre as moças, cinco barreiras foram superiores a esse mesmo valor. As três barreiras mais prevalentes entre o gênero masculino foram: falta de companhia (58,7%), falta de tempo (43,7%) e muitas tarefas (39,8%). Dentre as moças, falta de companhia (75,8%) também foi a mais prevalente, contudo a segunda e a terceira mais reportadas foram: preferência por outras atividades (64,1%) e clima (54,9%), respectivamente.

Tabela 1
Prevalência das barreiras percebidas à prática de atividade física no lazer de acordo com o gênero. Londrina, PR, Brasil, 2011.

A Tabela 2 apresenta a prevalência das barreiras percebidas à prática de atividade física no lazer, estratificada por faixa etária, estado nutricional e escolaridade do responsável. É importante ressaltar que, das doze barreiras investigadas, seis (Preferência por outras atividades, Preguiça, Falta de motivação, Clima, Não tem alguém para levar e Falta de companhia) foram retiradas unicamente da Tabela 2 , por não apresentarem associação significante com nenhuma das três variáveis independentes investigadas nessa tabela (Faixa etária, Estado nutricional e Escolaridade do responsável). Nas moças, observou-se que a faixa etária foi associada às seguintes barreiras: “não conhecer lugares”, “amigos moram longe” e “falta de tempo”. Em todos os casos, a maior prevalência destas barreiras foi observada entre o grupo etário mais velho (18-19 anos). Já nos rapazes, apenas as barreiras “amigos moram longe” e “falta de tempo” estiveram associadas à faixa etária. No caso de “amigos moram longe”, o grupo da faixa etária intermediária (16-17 anos) foi o com maior prevalência dessa barreira. Já a barreira “falta de tempo” foi mais prevalente entre os mais velhos (18-19 anos). Com relação ao estado nutricional, nenhuma associação foi encontrada com as barreiras entre os rapazes. Entre as moças, a barreira “muitas tarefas” esteve associada, sendo que a sua ocorrência foi superior nas escolares com excesso de peso. Quanto à escolaridade do responsável, observou-se associação em ambos os gêneros nas variáveis “falta de locais” e “em casa ninguém faz”. Nestes casos, adolescentes cujos responsáveis tinham menor escolaridade reportaram maior prevalência destas barreiras.

Tabela 2
Prevalência das barreiras percebidas à prática de atividade física no lazer, segundo faixa etária, estado nutricional e escolaridade do responsável. Análise estratificada entre gênero masculino (Masc) e Feminino (Fem). Londrina, PR, Brasil, 2011.

As Tabelas 3 e 4 apresentam as razões de prevalência, brutas e ajustadas, da inatividade física no lazer de acordo com as barreiras percebidas, respectivamente para rapazes e moças. Considerando os rapazes, observou-se, na análise bruta, associação de todas as 12 barreiras com a inatividade física no lazer. Após o ajuste, sete barreiras mantiveram-se associadas: preferência por outras atividades (RP = 1,48), preguiça (RP = 1,42), falta de locais (RP = 1,34), falta de motivação (RP = 1,32), muitas tarefas (RP = 1,31), clima (RP = 1,31) e falta de tempo (RP = 1,26). Com relação às moças, oito barreiras apresentaram associação na análise bruta. Após o ajuste, seis se mantiveram associadas ao desfecho estudado: preguiça (RP = 1,21), preferência por outras atividades (RP = 1,16), não conheço lugares (RP = 1,14), muitas tarefas (RP = 1,12), falta de motivação (RP = 1,09) e amigos moram longe (RP = 1,07).

Tabela 3
Razões de prevalência, brutas e ajustadas, de inatividade física no lazer de acordo com as barreiras percebidas entre os rapazes (n = 624). Londrina, PR, Brasil, 2011.

Tabela 4
Razões de prevalência, brutas e ajustadas, de inatividade física no lazer de acordo com as barreiras percebidas entre as moças (n = 785). Londrina, PR, Brasil, 2011.

No Gráfico 1 observa-se que a prevalência de inatividade física no lazer, em ambos os gêneros, apresentou relação positiva com o número de barreiras percebidas. A prevalência de inatividade física no lazer entre os que perceberam seis ou mais barreiras foi 7,83 e 6,53 vezes superior para rapazes e moças, respectivamente, quando comparados aos seus pares que não referiram nenhuma barreira.

Gráfico 1
Prevalência de inatividade física no lazer segundo o número de barreiras percebidas (n = 1.409). Londrina, PR, Brasil, 2011.

Discussão

Este estudo identificou elevada prevalência de barreiras à prática de atividade física no lazer em uma amostra representativa de estudantes de ensino médio de escolas públicas, sendo “falta de companhia” e “não tem alguém para levar” as barreiras com maior e menor prevalência, respectivamente, para ambos os gêneros. Além disso, a não realização de 300 min/sem de atividade física no lazer esteve associada a barreiras percebidas dos quatro domínios pesquisados, de modo que “preferência por outras atividades” e “preguiça” foram as duas barreiras mais fortemente associadas ao desfecho investigado em moças e rapazes.

Na comparação entre os gêneros, o resultado deste trabalho está de acordo com a literatura1616. Santos MS, Hino AA, Reis RS, Rodriguez-Anez CR. Prevalence of barriers for physical activity in adolescents. Rev Bras Epidemiol 2010; 13(1):94-104.,1919. Dambros DD, Lopes LFD, Santos DL. Barreiras percebidas e hábitos de atividade física de adolescentes escolares de uma cidade do sul do Brasil.Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2011; 13(6):422-428., ao apontar que, de um modo geral, as barreiras percebidas à prática de atividade física no lazer são mais prevalentes entre as moças. Essa diferença de percepção de barreiras entre os gêneros possui relevância prática por indicar que as ações de promoção de atividade física no lazer para essa população devem considerar que as meninas perceberão mais obstáculos (barreiras). Desse modo, o desenvolvimento de estratégias diferenciadas entre os gêneros parece ser um caminho necessário para que uma maior quantidade de adolescentes, sobretudo do gênero feminino, inicie a prática de atividade física em tal domínio. Ainda com relação à diferença na percepção de barreiras entre moças e rapazes, acredita-se que ela possa ser produzida pela cultura e sociedade, que criam sistemas simbólicos que naturalizam, desde a infância, as atividades domésticas e o temperamento delicado como função e característica feminina, enquanto que aos homens é atribuído o papel de provedor da família e a personalidade agressiva2424. Heilborn ML. Gênero, Sexualidade e Saúde. In: Silva DPM, organizador. Saúde, sexualidade e reprodução: compartilhando responsabilidades. Rio de Janeiro: Editora da UERJ; 1997. p. 101-110.. Nesse sentido, políticas de igualdade de gênero se fazem importantes.

Para ambos os gêneros a barreira mais reportada foi “falta de companhia”, resultado esse condizente com a literatura. Uma investigação conduzida com adolescentes do município de Curitiba, Paraná, apontou essa mesma barreira como a mais prevalente tanto para moças quanto para rapazes1616. Santos MS, Hino AA, Reis RS, Rodriguez-Anez CR. Prevalence of barriers for physical activity in adolescents. Rev Bras Epidemiol 2010; 13(1):94-104.. Além disso, este achado também está de acordo com pesquisas qualitativas realizadas com adolescentes estadunidenses, nas quais os jovens relataram que a opinião dos amigos possui influência sobre a decisão de realizar atividade física durante o lazer2525. Allison KR, Dwyer JJ, Goldenberg E, Fein A, Yoshida KK, Boutilier M. Male adolescents’ reasons for participating in physical activity, barriers to participation, and suggestions for increasing participation.Adolescence 2005; 40(157):155-170.,2626. Dwyer JJ, Allison KR, Goldenberg ER, Fein AJ, Yoshida KK, Boutilier MA. Adolescent girls’ perceived barriers to participation in physical activity.Adolescence 2006; 41(161):75-89.. Dois aspectos merecem destaque neste resultado: o primeiro chama a atenção para a relevância do apoio social proveniente dos amigos sobre a prática de atividade física no lazer nessa faixa etária. Esse aspecto parece ser justificável, quando se considera que a adolescência é uma fase na qual o jovem começa a ter alguma independência de sua família e passa a fortalecer o vínculo grupal com os amigos, de modo que a opinião dos integrantes desse novo grupo ganha relevância sobre as tomadas de decisões relacionadas a comportamentos de saúde2727. Viner RM, Ozer EM, Denny S, Marmot M, Resnick M, Fatusi A, Currie C. Adolescence and the social determinants of health. Lancet2012; 379(9826):1641-1652.. O segundo aspecto relevante sobre esse resultado é que ele indica que, na adolescência, as ações de promoção de atividade física podem ser mais efetivas se abordarem tanto o sujeito quanto a rede social em torno do mesmo.

“Falta de tempo” para prática de atividade física no lazer foi uma barreira reportada por quase metade dos entrevistados de ambos os gêneros. A sua elevada percepção entre adolescentes está de acordo com os resultados de pesquisas quantitativas1212. Kimm SY, Glynn NW, McMahon RP, Voorhees CC, Striegel-Moore RH, Daniels SR. Self-perceived barriers to activity participation among sedentary adolescent girls. Med Sci Sports Exerc 2006; 38(3):534-540.,1616. Santos MS, Hino AA, Reis RS, Rodriguez-Anez CR. Prevalence of barriers for physical activity in adolescents. Rev Bras Epidemiol 2010; 13(1):94-104. e qualitativas2525. Allison KR, Dwyer JJ, Goldenberg E, Fein A, Yoshida KK, Boutilier M. Male adolescents’ reasons for participating in physical activity, barriers to participation, and suggestions for increasing participation.Adolescence 2005; 40(157):155-170.,2626. Dwyer JJ, Allison KR, Goldenberg ER, Fein AJ, Yoshida KK, Boutilier MA. Adolescent girls’ perceived barriers to participation in physical activity.Adolescence 2006; 41(161):75-89., nas quais a falta de tempo foi apontada como um dos principais obstáculos para a prática de atividade física no lazer entre adolescentes. Considerando que esta barreira apresentou associação positiva com faixa etária, é plausível supor que ela esteja relacionada com responsabilidades fora do horário escolar, como: trabalho, cuidados despendidos com atividades domésticas, preparação para a entrada na universidade, e entrada no mercado de trabalho, dentre outras.

A “falta de local” foi inversamente associada com a escolaridade do responsável, indicando que os adolescentes de baixo nível socioeconômico podem apresentar mais dificuldade de praticar atividade física no período de lazer, por conta da falta de espaços públicos adequados para este fim. Uma possível explicação para este achado é a de que os jovens de família com maior poder aquisitivo, diante da insuficiência de locais públicos, podem optar por espaços privados destinados à prática esportiva/recreacional, ao passo que aqueles oriundos de famílias com menor renda têm dificuldade para recorrer a esta segunda opção quando não possuem a primeira. Ademais, os espaços públicos de maior porte tendem a estar localizados em regiões onde a população tem maior poder aquisitivo, o que pode inclusive indicar equidade inversa2828. Gordon-Larsen P, Nelson MC, Page P, Popkin BM. Inequality in the built environment underlies key health disparities in physical activity and obesity. Pediatrics 2006; 117(2):417-424.,2929. Sallis JF, Floyd MF, Rodriguez DA, Saelens BE. Role of built environments in physical activity, obesity, and cardiovascular disease.Circulation 2012; 125(5):729-737.. Ou seja, as políticas públicas, ao invés de focarem o princípio da equidade e favorecerem as pessoas que mais necessitam, acabam por privilegiar pessoas que teoricamente menos necessitariam dessas ações.

Assim, este é um achado que merece atenção, haja vista que a insuficiência de locais públicos seguros, de qualidade e adequados à prática de atividade física no lazer, pode estar contribuindo para o aumento das iniquidades em saúde na população investigada, por dificultar a prática de atividade física no lazer entre os jovens de menor nível socioeconômico. Adicionalmente, é importante salientar que a acessibilidade a locais para prática de atividade física é reconhecida pela literatura com um importante facilitador deste comportamento2929. Sallis JF, Floyd MF, Rodriguez DA, Saelens BE. Role of built environments in physical activity, obesity, and cardiovascular disease.Circulation 2012; 125(5):729-737.. Portanto, o fornecimento de um ambiente físico favorável para a prática de atividade física deve ser considerado para que o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis seja mais efetivo.

Independente do gênero e mesmo após a análise ajustada, as duas barreiras mais fortemente associadas à não realização de, ao menos, 300 min/sem de atividade física no lazer foram “preferência por outras atividades” e “preguiça”. Com relação à primeira barreira, é possível que a associação possa ser melhor explicada pelos resultados de pesquisas qualitativas, as quais os entrevistados reportaram que a vontade de praticar atividade física durante o lazer é superada pela preferência por atividades tecnológicas como: assistir televisão, brincar com jogos eletrônicos no computador/videogame, navegar na internet e conversar ao telefone2525. Allison KR, Dwyer JJ, Goldenberg E, Fein A, Yoshida KK, Boutilier M. Male adolescents’ reasons for participating in physical activity, barriers to participation, and suggestions for increasing participation.Adolescence 2005; 40(157):155-170.,2626. Dwyer JJ, Allison KR, Goldenberg ER, Fein AJ, Yoshida KK, Boutilier MA. Adolescent girls’ perceived barriers to participation in physical activity.Adolescence 2006; 41(161):75-89.. No que diz respeito à “preguiça”, acredita-se que, em alguma medida, ela possa refletir um baixo grau de motivação para a prática de atividade física no lazer. Desta maneira, não surpreende a forte associação encontrada entre essa barreira e o desfecho investigado, uma vez que o modelo teórico proposto por Iso-Ahola e St. Clair3030. Iso-Ahola SE, St Clair B. Toward a Theory of Exercise Motivation.Quest 2000; 52(2):131-147. parte da premissa que a motivação seja o principal e mais imediato determinante de comportamentos humanos, como o exercício físico. Do ponto de vista prático, a motivação parece estar relacionada com prazer, assim, algumas medidas podem ser tomadas para que os adolescentes experimentem essa sensação, como, por exemplo, a oferta de uma ampla gama de opções de atividades, e que estas tenham significado cultural, para que o jovem possa escolher aquela com a qual ele estabeleça maior afinidade e/ou que tenha maior relação com sua cultura. É importante ter cautela ao examinar estes resultados referentes às barreiras “preguiça” e “preferência por outras atividades”, principalmente para não se responsabilizar o indivíduo e ignorar que a prática ou não prática de atividade física no lazer depende de muitos fatores, que vão para além da força de vontade e preferências dos sujeitos individualmente.

Mesmo apresentando elevada prevalência, algumas barreiras não se associaram com o não atendimento de 300min/sem de atividade física no lazer. Essa falta de associação pode ser parcialmente explicada pela dificuldade em se detectar a magnitude com que dois fatores estão associados, quando a variável independente tem alta prevalência, como foi o caso, por exemplo, da barreira “falta de companhia”, cuja prevalência geral foi de 68,1% nesta investigação. De qualquer modo, faz-se importante considerar tanto a prevalência de cada barreira quanto a magnitude da associação desta com a prática de atividade física.

Um problema dos estudos sobre barreiras à prática de atividade física em adolescentes é que costuma-se avaliar as mesmas por meio de instrumentos adaptados a partir da população adulta. Acredita-se que os trabalhos que fazem este tipo de seleção correm o risco de avaliar barreiras que não são relevantes para a população estudada. Portanto, um ponto positivo desta pesquisa está no instrumento usado para avaliar as barreiras percebidas, visto que o mesmo foi validado e desenvolvido mediante grupos focais conduzidos com adolescentes brasileiros do mesmo Estado em que foi realizado este estudo2020. Santos MS, Reis RS, Anez CRR, Fermino RC. Desenvolvimento de um instrumento para avaliar barreiras para a prática de atividade física em adolescentes. Rev Bras Ativ Fís Saúde 2009; 14(2):76-85.. Outro ponto positivo a ser destacado do estudo foi a baixa perda amostral, a representatividade e o suficiente tamanho da amostra, que permitiram maior confiança na extrapolação dos resultados para a população investigada.

Apesar dos pontos positivos supracitados, algumas considerações metodológicas devem ser realizadas. Primeiro, o delineamento transversal não permite estabelecer relação causal entre barreiras e inatividade física de lazer. Segundo, todas as medidas do estudo foram obtidas por meio de questionário, o qual pode apresentar viés de resposta. Todavia, o estudo piloto, conduzido com o objetivo de testar a reprodutibilidade de todos os itens do instrumento, apresentou resultados com valores adequados para todas as variáveis. E, por último, este trabalho não avaliou os jovens que estão fora do sistema de educação formal, bem como os escolares da rede privada de ensino, os quais podem apresentar características diferenciadas em relação aos do ensino público. De qualquer modo, há de se considerar que a maior parte da população adolescente brasileira está frequentando escolas, sendo que esta proporção vem aumentando nos últimos anos3131. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).Síntese de Indicadores Sociais: Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira. Rio de Janeiro: IBGE; 2008.. Além do mais, a quantidade de adolescentes brasileiros matriculados na rede privada de ensino é bastante inferior à da pública3131. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).Síntese de Indicadores Sociais: Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira. Rio de Janeiro: IBGE; 2008..

Neste estudo, observou-se forte e positiva relação de dose-resposta entre o número de barreiras percebidas e a inatividade física no lazer. Na análise ajustada, verificou-se que, entre as moças, barreiras das quatro dimensões estudadas foram apontadas como fatores associados à inatividade física no lazer (psicológica, cognitiva e emocional; social e cultural; ambiente físico; e organização pessoal), ao passo que entre os meninos, barreiras das três primeiras dimensões foram identificadas como fatores associados ao mesmo agravo à saúde. Nessa perspectiva, facilitar a superação das barreiras pode ser uma estratégia importante, para o enfrentamento da inatividade física no lazer em adolescentes enquanto problema de saúde pública. Além disso, ao identificar barreiras de diversos domínios, este estudo reforça os modelos/teorias3232. Sallis JF, Cervero RB, Ascher W, Henderson KA, Kraft MK, Kerr J. An ecological approach to creating active living communities. Annu Rev Public Health 2006; 27:297-322. que partem da premissa de que as ações de promoção da atividade física são mais efetivas quando possibilitam alterações em fatores de diferentes domínios, tais como: intrapessoal, social, ambiente físico e políticas públicas. Intervenções em fatores de múltiplas dimensões possuem alta complexidade e exigem uma articulação multisetorial3333. Akerman M, Franco de Sá R, Moyses S, Rezende R, Rocha D. Intersetorialidade? IntersetorialidadeS! Cien Saude Colet 2014; 19(11):4291-4300.. Portanto, acredita-se que setores como o da saúde, educação, dentre outros, necessitam dialogar, fortalecendo e aprimorando as iniciativas já existentes e criando novas estratégias, no sentido de promover a prática de atividade física entre adolescentes. Especificamente com relação ao setor saúde, ele pode exercer um importante papel, sobretudo por já possuir algumas iniciativas, tais como o Programa Saúde na Escola cujo um dos objetivos é articulação entre a escola e a rede básica de saúde.

Referências

  • 1
    Schmidt MI, Duncan BB, Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, Chor D, Menezes PR. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet 2011; 377(9781):1949-1961.
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das doenças Crônicas não transmissíveis no Brasil 2011-2022 Brasília: MS; 2011.
  • 3
    Hallal PC, Andersen LB, Bull FC, Guthold R, Haskell W, Ekelund U. Global physical activity levels: surveillance progress, pitfalls, and prospects.Lancet 2012; 380(9838):247-257.
  • 4
    United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). International Charter of Physical Education and Sport 1978. [acessado 2014 set 2]. Available at: http://portal.unesco.org/en/ev.php-URL_ID=13150&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html
    » http://portal.unesco.org/en/ev.php-URL_ID=13150&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html
  • 5
    Sawyer SM, Afifi RA, Bearinger LH, Blakemore SJ, Dick B, Ezeh AC, Patton GC. Adolescence: a foundation for future health. Lancet2012; 379(9826):1630-1640.
  • 6
    World Health Organization (WHO). Global recommendations on physical activity for health Geneva: WHO; 2010.
  • 7
    Malta DC, Sardinha LMV, Mendes I, Barreto SM, Giatti L, Castro IRR, Moura L, Dias AJR, Crespo C. Prevalência de fatores de risco e proteção de doenças crônicas não transmissíveis em adolescentes: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), Brasil, 2009. Cien Saude Colet 2010; 15(Supl. 2):3009-3019.
  • 8
    Bauman AE, Reis RS, Sallis JF, Wells JC, Loos RJ, Martin BW. Correlates of physical activity: why are some people physically active and others not? Lancet 2012; 380(9838):258-271.
  • 9
    Allison KR, Dwyer JJ, Makin S. Perceived barriers to physical activity among high school students. Prev Med 1999; 28(6):608-615.
  • 10
    Janz NK, Champion VL, Strecher VJ. The health belief model. In: Glanz K, Rimer BK, Lewis FM, organizadores. Health behavior and health education: theory, research, and practice São Francisco: Jossey-Bass; 2002. p. 45-66.
  • 11
    Kahn JA, Huang B, Gillman MW, Field AE, Austin SB, Colditz GA, Frazier AL. Patterns and determinants of physical activity in U.S. adolescents.J Adolesc Health 2008; 42(4):369-377.
  • 12
    Kimm SY, Glynn NW, McMahon RP, Voorhees CC, Striegel-Moore RH, Daniels SR. Self-perceived barriers to activity participation among sedentary adolescent girls. Med Sci Sports Exerc 2006; 38(3):534-540.
  • 13
    Lubans DR, Morgan PJ. Social, psychological and behavioural correlates of pedometer step counts in a sample of Australian adolescents.J Sci Med Sport 2009; 12(1):141-147.
  • 14
    Ceschini FL, Figueira Júnior AF. Barreiras e determinantes para a prática de atividade física em adolescentes. Rev Bras Ci e Mov2007; 15(1):29-36.
  • 15
    Santos MS, Fermino RC, Reis RS, Cassou AC, Anez CRR. Barreiras para a prática de atividade física em adolescentes: um estudo por grupo focal.Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2010; 12(3):137-143.
  • 16
    Santos MS, Hino AA, Reis RS, Rodriguez-Anez CR. Prevalence of barriers for physical activity in adolescents. Rev Bras Epidemiol 2010; 13(1):94-104.
  • 17
    Copetti J, Neutzling MB, Silva MC. Barreiras à prática de atividades físicas em adolescentes de uma cidade do sul do Brasil. Rev Bras Ativ Fís Saúde 2010; 15(2):88-94.
  • 18
    Garcia LMT, Fisberg M. Atividades físicas e barreiras referidas por adolescentes atendidos num serviço de saúde. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2011; 13(3):163-169.
  • 19
    Dambros DD, Lopes LFD, Santos DL. Barreiras percebidas e hábitos de atividade física de adolescentes escolares de uma cidade do sul do Brasil.Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2011; 13(6):422-428.
  • 20
    Santos MS, Reis RS, Anez CRR, Fermino RC. Desenvolvimento de um instrumento para avaliar barreiras para a prática de atividade física em adolescentes. Rev Bras Ativ Fís Saúde 2009; 14(2):76-85.
  • 21
    Craig CL, Marshall AL, Sjostrom M, Bauman AE, Booth ML, Ainsworth BE, Pratt M, Ekelund U, Yngve A, Sallis JF, Oja P. International physical activity questionnaire: 12-country reliability and validity. Med Sci Sports Exerc 2003; 35(8):1381-1395.
  • 22
    Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM, Dietz WH. Establishing a standard definition for child overweight and obesity worldwide: international survey.BMJ 2000; 320(7244):1240-1243.
  • 23
    Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 26(1):224-227.
  • 24
    Heilborn ML. Gênero, Sexualidade e Saúde. In: Silva DPM, organizador. Saúde, sexualidade e reprodução: compartilhando responsabilidades Rio de Janeiro: Editora da UERJ; 1997. p. 101-110.
  • 25
    Allison KR, Dwyer JJ, Goldenberg E, Fein A, Yoshida KK, Boutilier M. Male adolescents’ reasons for participating in physical activity, barriers to participation, and suggestions for increasing participation.Adolescence 2005; 40(157):155-170.
  • 26
    Dwyer JJ, Allison KR, Goldenberg ER, Fein AJ, Yoshida KK, Boutilier MA. Adolescent girls’ perceived barriers to participation in physical activity.Adolescence 2006; 41(161):75-89.
  • 27
    Viner RM, Ozer EM, Denny S, Marmot M, Resnick M, Fatusi A, Currie C. Adolescence and the social determinants of health. Lancet2012; 379(9826):1641-1652.
  • 28
    Gordon-Larsen P, Nelson MC, Page P, Popkin BM. Inequality in the built environment underlies key health disparities in physical activity and obesity. Pediatrics 2006; 117(2):417-424.
  • 29
    Sallis JF, Floyd MF, Rodriguez DA, Saelens BE. Role of built environments in physical activity, obesity, and cardiovascular disease.Circulation 2012; 125(5):729-737.
  • 30
    Iso-Ahola SE, St Clair B. Toward a Theory of Exercise Motivation.Quest 2000; 52(2):131-147.
  • 31
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).Síntese de Indicadores Sociais: Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira Rio de Janeiro: IBGE; 2008.
  • 32
    Sallis JF, Cervero RB, Ascher W, Henderson KA, Kraft MK, Kerr J. An ecological approach to creating active living communities. Annu Rev Public Health 2006; 27:297-322.
  • 33
    Akerman M, Franco de Sá R, Moyses S, Rezende R, Rocha D. Intersetorialidade? IntersetorialidadeS! Cien Saude Colet 2014; 19(11):4291-4300.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2015

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2014
  • Revisado
    06 Maio 2015
  • Aceito
    08 Maio 2015
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cienciasaudecoletiva@fiocruz.br