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Principais causas da mortalidade na infância no Brasil, em 1990 e 2015: estimativas do estudo de Carga Global de Doença

RESUMO:

Objetivo:

Analisar as taxas de mortalidade e as principais causas de morte na infância no Brasil e estados, entre 1990 e 2015, utilizando estimativas do estudo Carga Global de Doença (Global Burden of Disease - GBD) 2015.

Métodos:

As fontes de dados foram óbitos e nascimentos estimados com base nos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), censos e pesquisas. Foram calculadas proporções e taxas por mil nascidos vivos (NV) para o total de óbitos e as principais causas de morte na infância.

Resultados:

O número estimado de óbitos para menores de 5 anos, no Brasil, foi de 191.505, em 1990, e 51.226, em 2015, sendo cerca de 90% mortes infantis. A taxa de mortalidade na infância no Brasil sofreu redução de 67,6%, entre 1990 e 2015, cumprindo a meta estabelecida nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). A redução total das taxas foi, em geral, acima de 60% nos estados, sendo maior na região Nordeste. A disparidade entre as regiões foi reduzida, sendo que a razão entre o estado com a maior e a menor taxa diminuiu de 4,9, em 1990, para 2,3, em 2015. A prematuridade, apesar de queda de 72% nas taxas, figurou como a principal causa de óbito em ambos os anos, seguida da doença diarreica, em 1990, e das anomalias congênitas, da asfixia no parto e da sepse neonatal, em 2015.

Conclusão:

A queda nas taxas de mortalidade na infância representa um importante ganho no período, com redução de disparidades geográficas. As causas relacionadas ao cuidado em saúde na gestação, no parto e no nascimento figuram como as principais em 2015, em conjunto com as anomalias congênitas. Políticas públicas intersetoriais e de saúde específicas devem ser aprimoradas.

Palavras-chave:
Mortalidade; Causas de morte; Estatísticas vitais; Avaliação

ABSTRACT:

Objective:

To analyze under-5 mortality rates and leading causes in Brazil and states in 1990 and 2015, using the Global Burden of Disease Study (GBD) 2015 estimates.

Methods:

The main sources of data for all-causes under-5 mortality and live births estimates were the mortality information system, surveys, and censuses. Proportions and rates per 1,000 live births (LB) were calculated for total deaths and leading causes.

Results:

Estimates of under-5 deaths in Brazil were 191,505 in 1990, and 51,226 in 2015, 90% of which were infant deaths. The rates per 1,000 LB showed a reduction of 67.6% from 1990 to 2015, achieving the proposed target established by the Millennium Development Goals (MDGs). The reduction generally was more than 60% in states, with a faster reduction in the poorest Northeast region. The ratio of the highest and lowest rates in the states decreased from 4.9 in 1990 to 2.3 in 2015, indicating a reduction in socioeconomic regional disparities. Although prematurity showed a 72% reduction, it still remains as the leading cause of death (COD), followed by diarrheal diseases in 1990, and congenital anomalies, birth asphyxia and septicemia neonatal in 2015.

Conclusion:

Under-5 mortality has decreased over the past 25 years, with reduction of regional disparities. However, pregnancy and childbirth-related causes remain as major causes of death, together with congenital anomalies. Intersectoral and specific public health policies must be continued to improve living conditions and health care in order to achieve further reduction of under-5 mortality rates in Brazil.

Keywords:
Mortality; Cause of death; Vital Statistics; Evaluation

INTRODUÇÃO

A mortalidade em menores de cinco anos (ou mortalidade na infância) constitui um indicador chave na avaliação da situação de saúde da população. Sua inclusão entre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) para o período 1990-201511. United Nations. United Nations Millennium Declaration. 2000. Disponível em: http://www.un.org/millennium/declaration/ares552e.htm (Acessado em: 06 de abril de 2017).
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e entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para o período posterior até 203022. United Nations. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. New York; 2015. Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/post2015/transformingourworld (Acessado em: 13 de setembro de 2016).
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atesta a sua importância. Nesse sentido, o acompanhamento das taxas de mortalidade na infância representa uma oportunidade para o desenvolvimento de estratégias preventivas direcionadas à redução do risco de morte nessa faixa etária por meio de políticas públicas relacionadas à saúde das crianças.

Nos últimos 25 anos, um declínio importante da mortalidade na infância foi constatado no Brasil - o país atingiu a meta 4 dos ODM antes de 201533. Brasil. Ministério da Saúde. Portal Brasil. ONU: Brasil cumpre meta de redução da mortalidade infantil. 2015. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/09/onu-brasil-cumpre-meta-de-reducao-da-mortalidade-infantil (Acessado em: 25 de agosto de 2016).
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. Entretanto, os níveis atuais ainda são elevados44. Barros FC, Matijasevich A, Requejo JH, Giugliani E, Maranhao AG, Monteiro CA, et al. Recent trends in maternal, newborn, and child health in Brazil: progress toward Millennium Development Goals 4 and 5. Am J Public Health 2010; 100(10): p1877-89., o que torna importante a avaliação do desempenho desse indicador por estados para a identificação de desigualdades regionais. A análise das principais causas de morte na infância tem especial relevância para a definição de ações preventivas mais efetivas.

A maior parte dos óbitos na infância concentra-se no primeiro ano de vida, sobretudo no primeiro mês. Há uma elevada participação das causas perinatais como a prematuridade, o que evidencia a importância dos fatores ligados à gestação, ao parto e ao pós-parto, em geral preveníveis por meio de assistência à saúde de qualidade55. Lansky S, de Lima Friche AA, da Silva AAM, Campos D, de Azevedo Bittencourt SD, de Carvalho ML, et al. Pesquisa Nascer no Brasil: perfil da mortalidade neonatal e avaliação da assistência à gestante e ao recém-nascido. Cad Saúde Pública 2014; 30: S192-207..

O Ministério da Saúde tem realizado investimento específico importante nos sistemas de informação nacionais nos últimos anos, destacando-se, entre as várias iniciativas propostas, a inclusão de metas relacionadas à qualidade das informações sobre óbitos na Programação Pactuada e Integrada dos municípios, a implantação sistemática da busca ativa de óbitos e a investigação das causas dos óbitos declarados como mal definidos, além de estímulo aos comitês de prevenção do óbito materno, infantil e fetal66. Brasil. Ministério da Saúde. Manual para investigação do óbito com causa mal definida. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. 56p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).,77. Brasil. Ministério da Saúde. A vigilância do óbito no Brasil: trajetória de 2008 a 2015. In: Brasil. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2014: uma análise de situação de saúde e das causas externas. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. p. 45-68. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_brasil_2014_analise_situacao.pdf (Acessado em: 25 de agosto de 2016).
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,88. Szwarcwald CL, de Frias PG, Júnior PR, da Silva de Almeida W, Neto OL. Correction of vital statistics based on a proactive search of deaths and live births: evidence from a study of the North and Northeast regions of Brazil. Popul Health Metr 2014; 12: 16.. Entretanto, ainda persistem diferenciais regionais de subnotificação de óbito e de preenchimento incorreto das causas de morte99. Franca E, de Abreu D, Rao C, Lopez AD. Evaluation of cause-of-death statistics for Brazil, 2002-2004. Int J Epidemiol 2008; 37(4): 891-901.. Nesse sentido, o último estudo Carga Global de Doenças 2015 (Global Burden of Disease Study - GBD 2015)1010. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388(10053): 1459-544., que agregou enfoques regionais para alguns países, entre eles o Brasil, representa uma oportunidade ímpar para estudos direcionados às diferentes realidades regionais do país, com utilização de metodologia padronizada para correção de problemas de qualidade das estatísticas disponíveis.

O objetivo deste estudo foi utilizar as estimativas do estudo GBD 2015 para avaliar as taxas de mortalidade na infância, no período entre 1990 e 2015, nos estados brasileiros, e as principais causas de morte, de forma a contribuir na definição de ações mais adequadas de intervenção.

MÉTODOS

Utilizaram-se neste estudo, como fonte de dados, as estimativas de óbitos e de nascidos vivos (NV) do estudo GBD 20151010. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388(10053): 1459-544., coordenado pelo Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (Institute for Health Metrics and Evaluation - IHME), da Universidade de Washington. De acordo com a metodologia de estimação empregada, os diferentes tipos de dados disponíveis para o país e os estados - incluindo o Distrito Federal - de 1980 a 2013, foram considerados na modelagem para a estimação das probabilidades de morte de menores de 5 anos (5q0) para o período de 1990 a 2015. Além dos óbitos captados pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), a estimação dos níveis de mortalidade em menores de cinco anos considerou os dados de censos demográficos e pesquisas domiciliares - Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio - PNAD e Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde - PNDS -, tanto as histórias completas (PNDS) quanto as abreviadas (Censos e PNAD) de nascimentos. Correção de “bias” foi feita por comparação com uma fonte de referência definida1010. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388(10053): 1459-544. para cada estado após consulta a experts do país.

As estimativas de mortalidade em menores de cinco anos foram obtidas após a realização de várias etapas de modelagem estatística. Primeiramente, a mortalidade foi avaliada segundo os níveis de algumas covariáveis, como educacão e renda. Para harmonizar as séries de tempo segundo localização geográfica, aplicou-se modelo de suavização espaço-temporal para suavizar as diferenças entre os valores preditos no modelo de regressão e os valores observados. Para o ajuste final, empregou-se um modelo de regressão utilizando processos gaussianos (Gaussian Process Regression - GPR) para síntese de todas as fontes e correção simultânea de “bias” de fontes específicas. As estimativas finais das taxas de mortalidade em menores de cinco anos e de mortalidade adulta, juntamente com as taxas brutas de HIV/Aids, foram parâmetros de entrada em um sistema de tábuas de vida usados nos estudos GBD 2013 e 2015, com geração de óbitos estimados segundo idade e sexo, com intervalos de incerteza a 95% para cada métrica1111. Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME). Mortality Visualization | Viz Hub. Disponível em: http://vizhub.healthdata.org/mortality/ (Acessado em: 18 de janeiro de 2017).
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. Para a análise da mortalidade por causas, utilizou-se principalmente o instrumento analítico “Cause of Death Ensemble Modeling” - CODEm -, que testa diversos possíveis modelos estatísticos de causas de morte e cria um conjunto combinado de modelos que oferece o melhor desempenho preditivo nas estimativas de mortalidade específica por causas1010. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388(10053): 1459-544.,1212. Wang H, Liddell CA, Coates MM, Mooney MD, Levitz CE, Schumacher AE, et al. Global, regional, and national levels of neonatal, infant, and under-5 mortality during 1990-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. The Lancet 2014; 384: 957-79.. Todas as estimativas com fontes de dados utilizadas e intervalos de incerteza a 95% para o Brasil e outros países são disponibilizadas no site do IHME (http://www.healthdata.org/results/data-visualizations), atualizadas anualmente com metodologia padronizada para todos os países e todo o período do estudo1010. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388(10053): 1459-544..

Neste estudo, foram incluídos todos os óbitos estimados para o país ocorridos em crianças menores de 5 anos, no período de 1990 a 2015. Para a análise das causas de óbito, o estudo GBD utiliza uma lista de classificação de causas de morte, proposta inicialmente em 1996 e atualizada em estudos posteriores1010. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388(10053): 1459-544., considerada mais adequada para a formulação e o acompanhamento de políticas de saúde1313. Murray CJL, Lopez AD. Estimating causes of death: new methods and global and regional applications for 1990. In: Murray CJL, Lopez AD. The global burden of disease. Boston: Harvard School of Public Health; 1996. p. 118-200.. Nessa lista, as causas são organizadas no nível 1 em três grandes grupos: doenças infecciosas, causas maternas, perinatais e nutricionais (Grupo I), doenças crônico-degenerativas (Grupo II) e causas externas (Grupo III). Esses agrupamentos são subdivididos em 21 categorias amplas (nível 2) e em subcategorias de causas específicas (níveis 3 e 4)1010. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388(10053): 1459-544..

Os principais agrupamentos de causas de óbitos analisados neste estudo foram os seguintes: prematuridade, anomalias congênitas, asfixia e trauma no nascimento, septicemia e outras infecções neonatais, infecções do trato respiratório inferior, outras desordens neonatais, doenças diarreicas, desnutrição, aspiração de corpo estranho, acidentes de transporte, afogamento, homicídio (violência interpessoal), desordens endócrinas ou metabólicas ou sanguíneas ou imunes, cardiomiopatia e miocardite, sífilis, coqueluche, doença hemolítica do recém-nascido e icterícia neonatal. Os códigos correspondentes da CID-10 para cada agrupamento de causas foram previamente descritos1010. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388(10053): 1459-544..

Para definir as principais causas de mortalidade na infância no Brasil e estados, considerou-se a ordenação das taxas específicas de mortalidade por causas, após redistribuição das causas mal definidas e inespecíficas de óbito (códigos garbage), e correção de erros de classificação de HIV/Aids segundo metodologia do estudo GBD1010. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388(10053): 1459-544.. Essa metodologia recomenda que certos códigos da Classificação Internacional de Doenças (CID) não sejam considerados como causa básica do óbito por não a caracterizarem de forma adequada para as ações de saúde pública. Esses códigos são denominados códigos garbage e, dado que as estimativas da carga de doença são realizadas segundo causas específicas, esses códigos são redistribuídos1414. Naghavi M, Makela S, Foreman K, O'Brien J, Pourmalek F, Lozano R. Algorithms for enhancing public health utility of national causes-of-death data Popul Health Metr 2010; 8: 9.. Entre os mais de 4.000 códigos da CID-10 considerados garbage no estudo GBD 2015, os seguintes foram registrados em maior proporção no SIM, em 2015, para menores de 5 anos: J18.0-J18.9-Pneumonias não especificadas (n = 1.452), R00-R99-Causas mal definidas (n = 1.120) e A40.0-A41.9-Septicemias (n = 779).

No presente trabalho, foi usado como denominador das taxas o número de NV, representando a probabilidade de morte até cinco anos de idade, conforme estudos do GBD publicados1212. Wang H, Liddell CA, Coates MM, Mooney MD, Levitz CE, Schumacher AE, et al. Global, regional, and national levels of neonatal, infant, and under-5 mortality during 1990-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. The Lancet 2014; 384: 957-79., mas diferente das estimativas disponibilizadas no endereço http://www.healthdata.org/results/data-visualizations pelo IHME, que consideram no denominador a população estimada de menores de cinco anos. De toda forma, ambas taxas são altamente concordantes, segundo Laurenti & Santos (1996)1515. Laurenti R, Santos JLF. Taxa de mortalidade de menores de 5 anos proposta pela UNICEF: análise crítica de sua validade como indicador de saúde. Rev Saúde Pública 1996; 30(2): 148-52..

RESULTADOS

O número de óbitos para menores de 5 anos no Brasil apresentou uma importante redução: de 191.505, em 1990, para 51.226, em 2015, representada na Figura 1, segundo distribuição por idade. É possível notar que houve mudança na proporção de óbitos por idade entre os períodos: em 1990, a faixa etária com o maior número de óbitos era de 28-364 dias - óbitos pós-neonatais -, que representava aproximadamente 44% dos óbitos, seguido das faixas etárias de 0-6 dias - óbitos neonatais precoces -, 1-4 anos e 7-27 dias - óbitos neonatais tardios. Em 2015, a mortalidade neonatal precoce despontou como o principal componente na ocorrência dos óbitos na infância, correspondendo a 41% dos casos, seguido das faixas de 28-364 dias, 7-27 dias e 1-4 anos. Portanto, as mortes infantis representaram cerca de 90% do total de óbitos ocorridos em menores de 5 anos em 2015.

Figura 1:
Distribuição porporcional e número de óbitos segundo idade para menores de cinco anos. Brasil, 1990 e 2015.

O número de óbitos e as taxas de mortalidade estimadas para menores de 5 anos para os estados e o país, em 1990 e 2015, encontram-se relacionadas na Tabela 1. A taxa encontrada, no Brasil, foi de 52,5/1.000 NV, em 1990, e 17,0/1.000 NV, em 2015, o que representa uma diminuição de 67,6%. Em 1990, entre os 11 estados com maiores taxas de mortalidade em menores de 5 anos, nove encontravam-se no Nordeste, todos apresentando taxas acima de 60/1.000 NV. A taxa de mortalidade em Alagoas (114,1/1.000 NV) foi 4,9 vezes maior que a do estado com a menor taxa, o Rio Grande do Sul (23,2/1.000 NV), com uma diferença de 91 óbitos por 1.000 NV. Por outro lado, em 2015, a razão entre a maior (Acre, 27,0/1.000 NV) e a menor taxa (Rio Grande do Sul, 12,0/1.000 NV) foi reduzida para 2,3, com diferença bem menor: 15 óbitos por 1.000 NV. Nesse ano, entre os dez estados com taxas mais elevadas, quatro eram da região Norte do país.

Tabela 1:
Taxa de mortalidade para menores de 5 anos por 1.000 nascidos vivos. Brasil e estados, 1990 e 2015.

O ritmo de declínio médio das taxas de mortalidade entre 1990 e 2015 foi de 4,41% ao ano. A redução total nos níveis da mortalidade na infância foi em geral acima de 60%, muito maior na região Nordeste do que nas demais regiões do país (Tabela 1).

No Quadro 1, apresentam-se as principais causas de mortalidade por 1.000 NV em menores de 5 anos, em 1990 e 2015. Destaca-se a redução de 94,7% dos óbitos por doenças diarreicas durante o período analisado, que em 1990 representava a 2ª maior causa de mortalidade em menores de cinco anos, passando para a 7ª posição em 2015. Os óbitos por infecções respiratórias e por desnutrição, que antes figuravam na 3ª e 7ª posições, sofreram também importante redução, caindo para as 5ª e 9ª posições, respectivamente. Apesar da importante diminuição, oito entre as dez principais causas de morte no país, em 2015, ainda correspondem ao Grupo I. Por outro lado, algumas causas não acompanharam essa tendência de redução acentuada, com decréscimo mais discreto, como a asfixia intraparto (taxa = 1,93) e a sepse neonatal (taxa = 1,69), o que resultou em sua ascensão no ranking da 4ª para a 3ª e da 6ª para a 4ª posição, respectivamente.

Quadro 1:
Ordenação segundo taxas das principais causas de mortalidade em menores de 5 anos por 1.000 nascidos vivos (NV). Brasil, 1990 e 2015.

Prematuridade foi a principal causa de óbito em ambos os anos analisados, apesar da queda notável de 72,0% nas taxas: 11,35/1.000 NV, em 1990, e 3,18/1.000 NV, em 2015. As anomalias congênitas, que ocupavam a 5ª posição em 1990, passaram a figurar como 2ª principal causa em 2015, embora tenha ocorrido discreta diminuição das taxas nos anos analisados - de 3,31 para 3,06/1.000 NV. Também figuram entre as 20 primeiras posições em 2015 algumas causas externas, apesar do declínio das taxas: a aspiração de corpos estranhos ocupou a 10ª posição; os acidentes de trânsito, a 11ª; o afogamento, a 12ª; e a violência interpessoal, a 13ª. Ressalta-se ainda o declínio das taxas por sífilis e por doenças imunopreveníveis, como a coqueluche e o sarampo.

A Tabela 2 e Figura 2 apresentam as principais causas de morte na infância nos estados brasileiros em 2015. As duas principais causas foram a prematuridade e as anomalias congênitas. As anomalias congênitas correspondem à principal causa de morte nos estados das regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste - com exceção de Minas Gerais e Goiás. Na maioria dos estados do Norte e do Nordeste, por sua vez, a principal causa foi a prematuridade. A asfixia aparece como terceira ou quarta causa na maioria dos estados, porém no Maranhão desponta como segunda causa.

Tabela 2:
Taxas de mortalidade por 1.000 nascidos vivos e número de óbitos (entre parênteses), segundo as principais causas nos estados. Brasil, 2015.

Figura 2:
Ordenação dos estados por taxas específicas de mortalidade por causas em menores de cinco anos. Brasil, 2015.

É importante ressaltar que, em todos os estados das regiões Norte e Nordeste, além dos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo, a desnutrição ainda aparece entre as dez principais causas de mortalidade em menores de cinco anos em 2015, porém com taxas de mortalidade baixas. Em todo o país, a amplitude total de variação das taxas foi de 0,1/1.000 NV (São Paulo) a 0,9/1.000 NV (Roraima).

Figura 2. Ordenação dos estados por taxas específicas de mortalidade por causas em menores de cinco anos. Brasil, 2015.

DISCUSSÃO

Os resultados mostram que houve declínio acentuado da mortalidade de menores de cinco anos em todas as unidades federativas entre 1990 e 2015. A tendência de declínio indica que se encontra em curso uma maior homogeneização das taxas de mortalidade na infância no país, com expressiva redução da amplitude dos diferenciais de mortalidade entre os estados ao longo do tempo. A redução da mortalidade foi mais expressiva nos estados da região Nordeste, que apresentavam os níveis mais elevados em 1990.

Com relação às causas de morte, os óbitos por doenças transmissíveis, afecções maternas, neonatais e nutricionais ainda se constituem as principais causas em 2015, e em geral podem ser consideradas como preveníveis1616. Malta DC, Sardinha L, Moura L, Lansky S, Leal MC, Szwartwald CL, et al. Atualização da lista de causas evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde. Epidemiol Serv Saúde 2010; 19(2): 173-6.. Mudança positiva ocorreu para as doenças diarreicas que, em 1990, ocupavam a 2ª posição entre as principais causas de morte, passando, em 2015, para a 7ª posição, com expressiva redução nas taxas. Essa mudança indica melhora das condições sanitárias e nutricionais do país1717. Heller L, Colosimo EA, Antunes CMF. Environmental sanitation conditions and health impact: a case-control study. Rev Soc Bras Med Tropical 2003; 36(1): 41-50.,1818. Barreto ML, Genser B, Strina A, Assis AMO, Rego RF, Teles CA, et al. Effect of city-wide sanitation programme on reduction in rate of childhood diarrhoea in northeast Brazil: assessment by two cohort studies. Lancet 2007; 370: 1622-8.,1919. Rasella D, Aquino R, Barreto ML. Reducing childhood mortality from diarrhea and lower respiratory tract infections in Brazil. Pediatrics 2010; 126(3):e-534-40. e do acesso à atenção de saúde, além de possível impacto de ações específicas como a introdução da vacina contra rotavírus em 20062020. Carmo EH. Doença diarréica por rotavírus: magnitude, introdução da vacina e desafios para a vigilância epidemiológica. Cad Saúde Pública 2006; 22(11): 2266-7. e a terapia de reidratação oral na atenção básica2121. Victora CG, Bryce J, Fontaine O, Monasch R. Reducing deaths from diarrhoea through oral rehydration therapy. Bull World Health Organ 2000; 78: 1246-55.. As afecções respiratórias e, em especial, a coqueluche, apresentaram comportamento semelhante. O impacto na redução das taxas de mortalidade por doenças do Grupo I também pode ser atribuído ao Programa Nacional de Imunização (PNI), com aumento da cobertura vacinal e introdução de vacina tríplice viral e pneumocócica2222. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Imunizações: 30 anos. Brasília: Ministério da Saúde; 2003. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/livro_30_anos_pni.pdf (Acessado em: 18 de janeiro de 2017).
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.

Por outro lado, as anomalias congênitas, com taxas relativamente estáveis no Brasil no período observado, já ocupam o primeiro posto entre as causas de morte em quase metade dos estados, principalmente entre aqueles que apresentavam menores taxas de mortalidade, aproximando-se do perfil encontrado em países de alta renda1010. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388(10053): 1459-544..

Destacamos a expressiva participação das causas externas - acidentes e violência - entre as 15 principais causas de morte em menores de 5 anos, em particular entre crianças de 1 a 4 anos de idade, tornando-se um importante problema de saúde pública para as famílias e a sociedade. Apesar do importante decréscimo das taxas em 2015, foram constatados 2.358 óbitos de crianças por aspiração de corpo estranho, acidentes de trânsito, afogamentos e homicídios, ou seja, uma em cada 20 crianças com menos de 5 anos morreu por essas causas no país. É importante ressaltar os casos de violência contra crianças, muitas vezes violência familiar, indicando que a violência social atinge também a infância2323. Malta DC, Mascarenhas MDM, das Neves ACM, da Silva MA. Atendimentos por acidentes e violências na infância em serviços de emergências públicas. Cad Saúde Pública 2015; 31(5): 1095-105..

Em relação ao percentual de declínio anual das taxas de mortalidade por todas as causas, o estudo GBD 2015 compara o desempenho dos estados do país em relação a países com nível socioeconômico semelhante, medido pelo SDI (Socio-demographic index)2424. GBD Child Mortality Collaborators. Global, regional, national, and selected subnational levels of stillbirths, neonatal, infant, and under-5 mortality, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388(10053): 1725-74.. Os declínios mais acentuados se encontram nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, enquanto os mais discretos localizam-se nas regiões Sul e Sudeste. Como resultado, as taxas de mortalidade em alguns estados, como Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Sergipe, encontram-se menos elevadas que o esperado, considerando o grupo de países com condições socioeconômicas semelhantes, possivelmente relacionadas à efetividade de intervenções específicas nessas áreas2525. Brasil. Ministério da Saúde. Pacto pela redução da mortalidade infantil no Nordeste e Amazônia Legal: 2009-2010. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pacto_reducao_mortalidade_infantil_nordeste.pdf (Acessado em: 25 de agosto de 2016).
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
,2626. Szwarcwald CL, Morais Neto OL, Frias PG, Souza Junior PRB, Escalante JJC, Lima RB, et al. Busca ativa de óbitos e nascimentos no Nordeste e na Amazônia Legal: Estimação das coberturas do SIM e do SINASC nos municípios brasileiros. In: Brasil. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2010: uma análise da situação de saúde e de evidências selecionadas de impacto de ações de vigilância em saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. p. 79-98. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_brasil_2010.pdf (Acessado em: 25 de agosto de 2016).
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, com redução das disparidades geográficas, as quais refletem uma queda nas iniquidades socioeconômicas2727. Victora CG. Mortalidade por diarreia: o que o mundo pode aprender com o Brasil? J Pediatr 2009; 85(1): 3-5..

O Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2013 destacou o papel de uma combinação de estratégias nacionais que foram fundamentais para o declínio da mortalidade infantil no Brasil, em particular o Sistema Único de Saúde (SUS), com diversas ações aprimoradas na última década, como a melhoria no atendimento materno e ao recém-nascido, e políticas de assistência social, como o programa de transferência de renda Bolsa Família2828. United Nations Children's Fund. Levels & trends in child mortality: report 2015 estimates developed by the UN Inter-agency Group for Child Mortality Estimation. 2015. Disponível em: http://www.childmortality.org/files_v20/download/igme%20report%202015%20child%20mortality%20final.pdf (Acessado em: 25 de agosto de 2016).
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, além de uma série de melhorias nas condições de vida e na atenção à saúde da criança. A criação do Programa de Saúde da Família ampliou o acesso à assistência básica à saúde nos municípios mais carentes e teve impacto positivo na redução da mortalidade infantil2929. Macinko J, Marinho de Souza MF, Guanais FC, Simões CCS. Going to scale with community-based primary care: An analysis of the family health program and infant mortality in Brazil, 1999-2004. Soc Science Med 2007; 65: 2070-80.. Tanto a redução da prevalência da desnutrição quanto o aumento do aleitamento materno contribuíram para a redução das taxas de mortalidade na infância no período44. Barros FC, Matijasevich A, Requejo JH, Giugliani E, Maranhao AG, Monteiro CA, et al. Recent trends in maternal, newborn, and child health in Brazil: progress toward Millennium Development Goals 4 and 5. Am J Public Health 2010; 100(10): p1877-89..

O fato de a maior parte dos óbitos se concentrar no primeiro mês de vida evidencia a importância dos fatores ligados à gestação, ao parto e ao pós-parto para a redução da mortalidade na infância ao nível compatível com o desenvolvimento econômico do país. O fortalecimento da rede de atenção perinatal, com a continuidade do cuidado integral desde o pré-natal da gestante à assistência neonatal é uma estratégia que vem sendo progressivamente reorganizada no país3030. Victora CG, Aquino EM, do Carmo Leal M, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. The Lancet 2011; 377(9780): 1863-76.,3131. Brasil. Ministério da Saúde. Rede Cegonha. 2014. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/419-sas-raiz/dapes/saude-da-mulher/l1-saude-da-mulher/9659-link-rede-cegonha (Acessado em: janeiro de 2014).,3232. Almeida MFB, Moreira LMO, Santos RM Vaz, Kawakami MD, Anchieta LM, Guinsburg R. Early neonatal deaths with perinatal asphyxia in very low birth weight Brazilian infants. J Perinatol 2015; 35(11): 954-7..

O Brasil avançou na cobertura de atenção pré-natal e o desafio atual é a qualificação do cuidado de forma a promover a saúde da gestante e do feto e assegurar o diagnóstico e a intervenção oportunos para prevenção da prematuridade e das infecções durante a gestação3030. Victora CG, Aquino EM, do Carmo Leal M, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. The Lancet 2011; 377(9780): 1863-76.,3333. Lawn JE, Bahl R, Bergstrom S, Bhutta ZA, Darmstadt GL, Ellis M, et al. Setting Research Priorities to Reduce Almost One Million Deaths from Birth Asphyxia by 2015. PLoS Med 2011; 8(1): e1000389.,3434. Bhutta Zulfi qar A, Das Jai K, Bahl Rajiv, Lawn Joy E, Salam Rehana A, Vinod K Paul, et al. Can available interventions end preventable deaths in mothers, newborn babies, and stillbirths, and at what cost? Lancet 2014; 384(9940): 347-70.. Um fato preocupante é o aumento da taxa de incidência de sífilis congênita - de 2,0/1.000 NV, em 2006, para 6,5/1.000 NV, em 20153535. Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico: Sífilis. 2016; 47(35). -, que remete à qualidade do cuidado na atenção pré-natal, além do advento da infecção por Zika3636. Krauer F, Riesen M, Reveiz L, Oladapo OT, Martinez-Vega R, Porgo TV, et al. Zika Virus Infection as a Cause of Congenital Brain Abnormalities and Guillain-Barré Syndrome: Systematic Review. PLOS Med 2017; 14(1): e1002203..

A qualificação da atenção ao parto e ao nascimento, momento em que se concentra a maior parte dos óbitos3737. França E, Lansky S. Mortalidade infantil neonatal no Brasil: situação, tendências e perspectivas. In: Rede Interagencial para Saúde, editor. Demografia e saúde: contribuição para análise de situação e tendências. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2009., representa uma estratégia fundamental. Em especial, destaca-se o desafio da redução da prematuridade iatrogênica e da asfixia no parto, como resultado da interrupção indevida da gravidez e de intervenções durante o trabalho de parto e o nascimento, ainda frequentes na realidade brasileira, fatores associados à mortalidade neonatal55. Lansky S, de Lima Friche AA, da Silva AAM, Campos D, de Azevedo Bittencourt SD, de Carvalho ML, et al. Pesquisa Nascer no Brasil: perfil da mortalidade neonatal e avaliação da assistência à gestante e ao recém-nascido. Cad Saúde Pública 2014; 30: S192-207.,3838. Leal MC, Pereira APE, Domingues RMSM, Theme Filha MM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, et al. Obstetric interventions during labor and childbirth in Brazilian low-risk women. Cad Saúde Pública 2014; 30 (Suppl.): S17-47.,3939. Leal MC, Esteves-Pereira AP, Nakamura-Pereira M, Torres JA, Theme-Filha M, Domingues RMSM, et al. Prevalence and risk factors related to preterm birth in Brazil. Reprod Health 2016; 13(Suppl. 3): 127.. Estudos destacam o aumento da prematuridade associada a elevadas taxas de cesarianas no país3030. Victora CG, Aquino EM, do Carmo Leal M, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. The Lancet 2011; 377(9780): 1863-76.. Políticas incentivando o parto normal são essenciais na redução da prematuridade, buscando melhorias na sobrevivência e também da qualidade de vida na infância4040. Organización Panamericana de la Salud. Más allá de la supervivencia: prácticas integrales durante la atención del parto, beneficiosas para la nutrición y la salud de madres y niños. Washington, D.C.: OPS; 2007.. As mortes por asfixia intraparto, por sua vez, poderiam ser reduzidas em 36% em países com acesso à assistência de saúde ao parto e nascimento, como no Brasil4141. Lawn JE, Kinney N, Lee ACC, Chopra M, Donnay F, Paul WK, et al. Reducing intrapartum-related deaths and disability: Can the health system deliver? Intrapartum-related deaths: evidence for action. Int J Gynecol Obstetrics 2009; 107: S123-42..

O avanço no acesso e na qualidade da atenção ao recém-nascido de risco que demanda cuidado intensivo e especializado, em especial o prematuro, também deve ser foco das políticas públicas. A capacitação dos profissionais da assistência hospitalar ao neonato em reanimação neonatal é uma estratégia efetiva para reduzir a mortalidade neonatal3333. Lawn JE, Bahl R, Bergstrom S, Bhutta ZA, Darmstadt GL, Ellis M, et al. Setting Research Priorities to Reduce Almost One Million Deaths from Birth Asphyxia by 2015. PLoS Med 2011; 8(1): e1000389.. A qualidade da assistência hospitalar perinatal precisa ser monitorada por indicadores de processos, além dos resultados perinatais. As redes de monitoramento do cuidado neonatal têm mostrado resultados discrepantes entre os serviços perinatais, nos quais a tecnologia disponível é a mesma, principalmente em relação ao prematuro4242. Spitzer AR, Ellsbury DL, editors. Quality Improvement in Neonatal and Perinatal Medicine. Clin Perinatol 2010 Mar; 37(1)..

Neste estudo, algumas limitações em relação aos resultados obtidos devem ser consideradas. Além da ocorrência de códigos garbage mesmo em 2015, indicando que ainda há necessidade de aprimoramento na declaração pelos médicos das causas de morte na infância, o importante sub-registro de óbitos no SIM, principalmente nos estados das regiões Norte e Nordeste, em 1990, implicou na maior utilização de modelagem para correção, com várias limitações amplamente discutidas previamente1010. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388(10053): 1459-544.. Além disso, a não disponibilidade dos dados do SIM de 2014 e 2015 para utilização como fonte de dados de referência na modelagem do GBD 2015 aumenta a incerteza das estimativas para esses anos. Dados empíricos recentes indicam coberturas estimadas pelo estudo GBD para alguns estados menores que as de outros estudos brasileiros publicados4343. Frias PG, Szwarcwald CL, Souza Junior PRB, Almeida WD, Lira PI. Correcting vital information: estimating infant mortality in Brazil, 2000-2009. Rev Saúde Pública 2013; 47(6): 1048-58..

Essas imprecisões, no entanto, não afetam os principais resultados e a grande contribuição da abordagem GBD para o maior conhecimento dos riscos de mortalidade. A principal força desta análise é demonstrar a redução consistente de mortalidade na infância, a presença de causas de morte evitáveis que ainda são relevantes no país e a possibilidade de comparações interestaduais e com outros países por meio de notáveis ferramentas de visualização dos resultados do estudo GBD.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo baseados nas estimativas do estudo GBD 2015 confirmam a redução consistente da mortalidade na infância no país. As taxas no período, apesar de decrescentes, ainda são elevadas em 2015, com causas evitáveis relacionadas ao cuidado em saúde na gestação, parto e nascimento entre as principais causas de morte. Políticas públicas intersetoriais e de saúde específicas devem ser continuadas e aprimoradas para a maior redução da mortalidade na infância no Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2017

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2017
  • Aceito
    08 Mar 2017
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