Acessibilidade / Reportar erro

Plastia mitral cirúrgica em crianças com febre reumática

Resumos

FUNDAMENTO: A reconstrução mitral é bem aceita em crianças com febre reumática. OBJETIVO: Analisar os resultados da reconstrução cirúrgica mitral, em crianças com lesões reumáticas, após quatro anos de evolução. MÉTODOS: Estudo retrospectivo de 40 pacientes menores de 18 anos, operados no Instituto Nacional de Cardiologia (RJ), entre janeiro de 1998 e janeiro de 2003. Foram analisados o grau da regurgitação mitral pelo ecocardiograma, a técnica cirúrgica, a classe funcional pré e pós-operatória, a evolução dos casos, a necessidade de troca valvar e óbitos. RESULTADOS: Vinte e um pacientes (52,5%) eram do sexo feminino. A insuficiência mitral era grave em 32 pacientes (80%) e moderada em oito (20%). Ocorreram três óbitos imediatos (7,5%). Após três meses da cirurgia, o ecocardiograma demonstrou que em 35 de 37 casos (94,6%) não havia regurgitação valvar ou essa era leve, e em dois pacientes (5,2%) era grave. A classe funcional no pré-operatório era III e IV em 33 casos (82,5%) e, três meses após a cirurgia, todos os 37 casos (100%) estavam em classe funcional I e II. A diferença entre os dados do grau de regurgitação mitral e classe funcional no pré e no pós-operatório foram estatisticamente significativos (p<0,01). A troca valvar antes de quatro anos de evolução ocorreu em sete (19%) dos casos. CONCLUSÃO: A reconstrução da valva mitral mostrou resultado favorável na maioria dos casos, ao considerarmos o grau de regurgitação mitral e a classe funcional pré e pós-cirúrgica e, somente 19% dos pacientes vieram a necessitar da cirurgia para troca valvar antes de quatro anos de evolução.

Valva mitral; insuficiência da valva mitral; febre reumática


FUNDAMENTO: La reconstrucción mitral tiene buena aceptación en niños con fiebre reumática. OBJETIVO: Analizar los resultados de la reconstrucción quirúrgica mitral en niños con lesiones reumáticas después de cuatro años de evolución. MÉTODOS: Estudio retrospectivo de 40 pacientes menores de 18 años, operados en el Instituto Nacional de Cardiología (RJ), entre enero de 1998 y enero de 2003. Se analizó el grado de regurgitación mitral por ecocardiograma, la técnica quirúrgica, la clase funcional pre y post operatoria, la evolución de los casos, la necesidad de cambio valvular y óbitos. RESULTADOS: Veintiún pacientes (52,5%) eran del sexo femenino. La insuficiencia mitral era grave en 32 pacientes (80%) y moderada en ocho (20%). Ocurrieron tres óbitos inmediatos (7,5%). Después de tres meses de cirugía, el ecocardiograma mostró que en 35/37 (94,6%) no había regurgitación valvular o era leve, y en dos pacientes (5,2%) era grave. La clase funcional en el preoperatorio era III y IV en 33 casos (82,5%), y tres meses después de la cirugía los 37 casos (100%) estaban en clase funcional I y II. La diferencia entre los datos del grados de regurgitación mitral y clase funcional en el pre y post operatorio fueron estadísticamente significativos (p<0,01). El cambio valvular antes de cuatro de evolución ocurrió en siete (19%) de los casos. CONCLUSIÓN: La reconstrucción de la válvula mitral mostró resultado favorable en la mayoría de los casos al considerar el grado de regurgitación mitral y la clase funcional pre y post quirúrgica, y sólo el 19% de los pacientes necesitaron cirugía para cambio valvular antes de cuatro años de evolución.

Válvula mitral; insuficiencia de la válvula mitral; fiebre reumática


BACKGROUND: Mitral repair is well accepted in children with rheumatic fever. OBJECTIVE: To analyze the outcomes of surgical mitral repair in children with rheumatic lesions after four years of follow-up. METHODS: Retrospective study of 40 patients younger than 18 years, who underwent surgery in the National Institute of Cardiology (Rio de Janeiro) between January 1998 and January 2003. The echocardiographic degree of mitral regurgitation; surgical technique used; pre and postoperative functional class; patient outcome; need for valve replacement; and deaths were analyzed. RESULTS: Twenty one patients (52.5%) were females. Severe mitral regurgitation was observed in 32 patients (80%) and moderate in eight (20%). Three immediate deaths occurred (7.5%). Three months after surgery, echocardiography showed no valve regurgitation or mild regurgitation in 35 of 37 cases (94.6%) patients, and severe regurgitation in two (5.2%). Thirty three cases (82.5%) were in functional class III or IV in the preoperative period, and three months after surgery all the 37 cases (100%) were in functional class I or II. The differences between the degree of mitral regurgitation and functional class in pre and postoperative periods were statistically significant (p<0.01). Seven (19%) patients underwent heart valve replacement before four years of follow-up. CONCLUSION: Mitral valve repair showed favorable results in most of the cases as regards the degree of mitral regurgitation and the pre and postoperative functional class. Only 19% of the patients required surgical valve replacement before four years of follow-up.

Mitral valve; mitral valve insufficiency; rheumatic fever


ARTIGO ORIGINAL

CIRURGIA CARDÍACA - CRIANÇAS

Plastia mitral cirúrgica em crianças com febre reumática

Andréa Rocha e SilvaI; Gesmar Volga Haddad HerdyI; Alan Araujo VieiraI; Luiz Carlos SimõesII

IUniversidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, Rio de Janeiro - Brasil

IIInstituto Nacional de Cardiologia (INC), Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Correspondência Correspondência: Gesmar Volga Haddad Herdy Travessa Antonio Pedro, 10/301 24.230-030, Niteroi, RJ - Brasil E-mail: gesmarhaddad@uol.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A reconstrução mitral é bem aceita em crianças com febre reumática.

OBJETIVO: Analisar os resultados da reconstrução cirúrgica mitral, em crianças com lesões reumáticas, após quatro anos de evolução.

MÉTODOS: Estudo retrospectivo de 40 pacientes menores de 18 anos, operados no Instituto Nacional de Cardiologia (RJ), entre janeiro de 1998 e janeiro de 2003. Foram analisados o grau da regurgitação mitral pelo ecocardiograma, a técnica cirúrgica, a classe funcional pré e pós-operatória, a evolução dos casos, a necessidade de troca valvar e óbitos.

RESULTADOS: Vinte e um pacientes (52,5%) eram do sexo feminino. A insuficiência mitral era grave em 32 pacientes (80%) e moderada em oito (20%). Ocorreram três óbitos imediatos (7,5%). Após três meses da cirurgia, o ecocardiograma demonstrou que em 35 de 37 casos (94,6%) não havia regurgitação valvar ou essa era leve, e em dois pacientes (5,2%) era grave. A classe funcional no pré-operatório era III e IV em 33 casos (82,5%) e, três meses após a cirurgia, todos os 37 casos (100%) estavam em classe funcional I e II. A diferença entre os dados do grau de regurgitação mitral e classe funcional no pré e no pós-operatório foram estatisticamente significativos (p<0,01). A troca valvar antes de quatro anos de evolução ocorreu em sete (19%) dos casos.

CONCLUSÃO: A reconstrução da valva mitral mostrou resultado favorável na maioria dos casos, ao considerarmos o grau de regurgitação mitral e a classe funcional pré e pós-cirúrgica e, somente 19% dos pacientes vieram a necessitar da cirurgia para troca valvar antes de quatro anos de evolução.

Palavras-chave: Valva mitral/cirurgia, insuficiência da valva mitral, febre reumática.

Introdução

A incidência da doença reumática em crianças, adolescentes e adultos jovens corresponde a 0,3% a 3% dos indivíduos1. Poucos são os trabalhos brasileiros sobre prevalência dessa doença. Em crianças das escolas públicas de Belo Horizonte foi de 3,6/1.0002. A febre reumática no Brasil é responsável por 30% das cirurgias cardíacas em geral, especialmente por insuficiência valvar mitral3.

A regurgitação mitral ocorre por dilatação do anel, alterações nos músculos papilares, cordas tendineas e folhetos4-7. As próteses existentes levam a complicações difíceis de serem controladas, especialmente a calcificação e a ruptura nas próteses biológicas, o tromboembolismo nas valvas mecânicas, assim como a necessidade do uso contínuo de anticoagulação e sua monitorização com exames laboratoriais periódicos8. Nas faixas etárias menores, trocas de próteses são necessárias em razão do crescimento estatural e ponderal. Por esses fatos, os autores cada vez mais utilizam técnicas restauradoras no tratamento da regurgitação valvar mitral9,10.

Os objetivos do presente trabalho foram analisar os resultados da plastia da mitral em pacientes com febre reumática, avaliar a evolução dos pacientes e determinar os fatores que poderiam influenciar na necessidade da troca da valva antes de quatro anos de evolução.

Métodos

Foi realizado um estudo retrospectivo com 40 pacientes de idade inferior a 18 anos, submetidos a cirurgia reconstrutora mitral (plastia de mitral), acompanhados no Serviço de Cardiologia da Criança e do Adolescente e operados pelo Serviço de Cirurgia Cardiovascular Pediátrico, ambos do Instituto Nacional de Cardiologia (INC), órgão do Ministério da Saúde, localizado na cidade do Rio de Janeiro (RJ), no período entre janeiro de 1988 e janeiro de 2003. As variáveis estudadas foram: gênero, idade do paciente no surto e na cirurgia, medicamentos utilizados, tipo de lesão valvar, técnica cirúrgica, classe funcional pré e pós-operatória pela New York Heart Association (NYHA), necessidade do uso de aminas vasoativas ou hemoderivados, duração da circulação extracorpórea, da anóxia, evolução dos casos e necessidade de troca valvar.

Todos os pacientes foram operados pela mesma equipe cirúrgica, com esternotomia mediana. Após heparinização com 4 ml/kg de peso, foram canuladas a aorta ascendente e as veias cavas, com a instalação de circulação extracorpórea (CEC). Todos foram submetidos a hipotermia moderada (28ºC), pinçamento total contínuo da aorta e proteção miocárdica com cardioplegia sanguínea a 4ºC. A valva mitral foi acessada através de atriotomia esquerda e em todos se preservaram ambas as cúspides da valva mitral.

Os exames ecocardiográficos para análise da insuficiência mitral foram realizados com aparelho SONOS da empresa HP, e a insuficiência quantificada em leve, moderada e grave, de acordo com as características do jato regurgitante. As principais técnicas cirúrgicas utilizadas para a reconstrução valvar foram: colocação de anel mitral, ressecção quadrangular do folheto posterior, encurtamento da corda tendinea, transposição da cordoalha e comissurotomia. O tempo mínimo de seguimento dos pacientes foi de quatro anos após a cirurgia.

Os dados foram descritos em frequências relativas (porcentual), média, mediana, valor mínimo e máximo, e os grupos foram comparados com o uso do teste Qui-quadrado. Utilizou-se a correção de Fisher quando indicada. Os possíveis fatores de risco para troca da valva antes de quatro anos de evolução clínica foram analisados por regressão logística simples. A significância estatística foi considerada 95%.

Os casos estudados estão arquivados no banco de dados do INC para acompanhamento a longo prazo e posterior descrição da sua evolução.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do INC sob o número 0181/26.11.07.

Resultados

Vinte e um pacientes (52,5%) eram do sexo feminino. A idade no surto da febre reumática variou de três a 14 anos (mediana = oito anos), e no ato cirúrgico de quatro a 17 anos (mediana = 12 anos). A diferença entre a idade no primeiro surto e a idade na cirurgia variou de zero a 10 anos (mediana = três anos) (tab. 1).

Na primeira consulta antes da cirurgia, 12 pacientes (30%) não utilizavam medicamentos, 16 (40%) faziam uso de quatro ou mais, e os outros doze casos faziam uso contínuo de um a três agentes. As mais utilizadas foram: furosemida, espironolactona, captopril, hidralazina e penicilina benzatina.

O grau de insuficiência mitral foi analisado mediante exame ecocardiográfico no pré-operatório e classificado como leve, moderado ou grave, de acordo com a regurgitação. A insuficiência mitral foi grave em 32 pacientes (80,0%) e moderada em oito (20,0%). Houve análise ecocardiográfica imediata em todos os pacientes, exceto em dois em razão do óbito. Nessa análise, 20 dos 38 pacientes (52,6%) apresentavam regurgitação valvar leve ou não apresentavam lesão regurgitante e 18 (47,4%) apresentavam regurgitação moderada. Houve outro óbito três dias após a cirurgia.

Na avaliação ecocardiográfica realizada após três meses de pós-operatório dos 37 pacientes sobreviventes, 19 (51,3%) apresentavam regurgitação valvar leve ou não apresentavam regurgitação, 16 (43,3%) regurgitação moderada e dois (5,4%) com regurgitação grave (esses apresentaram novo surto de febre reumática). Portanto, 35 pacientes (94,6%) apresentaram no pós-operatório regurgitação mitral leve ou moderada. Houve diferença estatisticamente significativa (p<0,001) (tab. 2).

O tempo de internação variou de quatro a 103 dias (mediana de 12). O tempo de circulação extracorpórea (CEC) variou de 50 a 220 minutos, com média de 120±36 minutos e anóxia de 35 a 170 minutos, com média de 93±32 minutos. O tempo médio no setor de pós-operatório infantil variou de um a 60 dias (mediana de 4) (tab. 3).

As principais técnicas cirúrgicas utilizadas foram: colocação de anel mitral (n=28), ressecção quadrangular do folheto posterior (n=17), encurtamento da corda tendinea (n=23), transposição da cordoalha (n=5) e comissurotomia (n=11). Onze pacientes (27,5%) realizaram a cirurgia necessitando de apenas uma técnica cirúrgica, e 29 pacientes (72,5%) necessitaram de duas ou mais técnicas (tab. 4).

A classe funcional pré-operatória variou de acordo com NYHA (New York Heart Association) de II a IV: CF II (n=7) 17,5%, CF III (n=17) 42,5% e CF IV (n=16) 40,0%, ou seja, no pré-operatório 33 pacientes (80,5%) estavam na classe funcional III e IV. No acompanhamento ambulatorial após três meses de pós-operatório, todos os 37 pacientes (100%) passaram para CF I (n=28) e II (n=9). Houve diferença estatisticamente significativa (n<0,001) (tab. 5; fig.1).


Em vinte e oito pacientes (70,0%) foi realizado ecocardiograma transesofágico durante a cirurgia. Os hemoderivados foram utilizados em 21 casos (52,5%). As aminas vasoativas foram necessárias em 26 (65,0%) no pós-operatório. Houve três óbitos imediatos (7,5%): um no centro cirúrgico, um com 24 horas de pós-cirurgia e um após três dias (dois pacientes por choque cardiogênico e um por distúrbio da coagulação).

A troca valvar foi necessária em oito pacientes (20,0%), sendo sete pacientes com menos de quatro anos da plastia mitral (tab. 6).

Os fatores de risco de interferir na evolução dos pacientes em relação à troca valvar mitral antes de quatro anos, analisados conforme demonstrados na tabela 6, não foram estatisticamente significantes e incluíram: classe funcional e grau de regurgitação mitral no pré e no pós-operatório, quantidade de fármacos utilizados por paciente no momento da cirurgia, tempo de perfusão e anóxia, número de técnicas cirúrgicas utilizadas e a necessidade de aminas vasoativas no pós-operatório imediato.

Discussão

A plástica da valva mitral é universalmente aceita como técnica superior à troca valvar, especialmente em crianças, nas quais podem ser necessárias outras substituições com o crescimento6,7,11. A idade dos pacientes foi de quatro a 17 anos quando da cirurgia de plastia da mitral. Os problemas no longo prazo com anticoagulação, tromboembolismo, sangramento, rápida degeneração da prótese na população jovem, o maior risco de endocardite e a menor preservação da função ventricular fazem com que a plastia valvar mitral se mostre superior à troca da valva mitral12. Uma importante vantagem da técnica de reconstrução cirúrgica é a baixa trombogenicidade da valva reparada, que elimina a necessidade de terapia anticoagulante. O relato de ausência de tromboembolismo depois de plástica mitral é de 87% a 99% após cinco anos. As manifestações embólicas são, em sua maioria, eventos cerebrovasculares10-12.

As técnicas reparadoras utilizadas foram: colocação de anel mitral, ressecção quadrangular, encurtamento da cordoalha, comissurotomia e transposição da cordoalha, com a prioridade de preservar o aparelho mitral e a função ventricular. Na febre reumática, a reconstrução valvar é tecnicamente mais difícil e os resultados em médio e longo prazo podem sofrer interferência de novos surtos da doença6,9. Os trabalhos iniciais apresentavam técnicas que tiveram como objetivo apenas o tratamento do anel valvar13. Uma das maiores experiências pessoais em procedimentos conservadores na valva mitral é de Carpentier14, com 1.421 pacientes portadores de insuficiência mitral. As técnicas utilizadas nessa série foram ressecções parciais, encurtamento ou transposição de cordoalha, reinserção de músculos papilares e anuloplastia com anel rígido.

No presente estudo, 39% dos pacientes foram operados com importante comprometimento de toda estrutura valvar e disfunção miocárdica. Esses dados que não são incomuns em muitos de nosso meio (tratamento cirúrgico já com algum grau de disfunção ventricular e ou de sintomas clínicos significativos) são decorrentes especialmente de fatores sociais e dificuldades encontradas em nosso sistema de Saúde. Entretanto, a plastia mitral deve ser indicada precocemente com base na gravidade da regurgitação e no grau de comprometimento valvar, o que possibilita bons resultados com o tratamento conservador, mesmo na escassez ou ausência de sintomas15. A reconstrução valvar exige da equipe cirúrgica um perfeito conhecimento da anatomia e da multiplicidade de técnicas existentes. Além disso, é importante a excelente visibilização da valva, especialmente do plano subvalvar, para se conseguir uma boa avaliação das cordas tendineas e da musculatura papilar. Caso necessário, procede-se ao encurtamento dessas estruturas, na tentativa de uma boa coaptação das cúspides. No Serviço de Cirurgia Cardiovascular Pediátrico do INC os cirurgiões realizam o encurtamento do músculo papilar mediante a ressecção em cunha transversal, pois acreditam que essa técnica vem a permitir um encurtamento mais homogêneo das cordas tendineas. Além dessa técnica, utilizam a colocação do anel mitral, a ressecção quadrangular, a comissurotomia e a transposição da cordoalha.

Somente em oito dos pacientes estudados (20%) a anuloplastia foi um procedimento único, demonstrando que na maioria dos casos (80%) foi necessária a associação de mais de uma técnica e, em muitas ocasiões com variações do planejamento inicial, situação essa descrita também por outros autores6,10,16. A dilatação do anel mitral está presente em quase todos os pacientes com insuficiência mitral. O implante do anel oferece, desse modo, maior estabilidade na reconstrução valvar, impedindo futuras dilatações da cúspide posterior como sugerido por Carpentier14, segundo o qual é sempre importante remodelar a valva com a plastia para resultados de longo prazo. Deloche e cols. demonstraram excelente durabilidade da plastia mitral usando a técnica de Carpentier e, somente 6,2% de sua série vieram a necessitar de troca valvar mitral9. Em nosso trabalho, 19% realizaram a troca valvar mitral precoce.

A regurgitação mitral pode ser secundária a múltiplas lesões nas comissuras, nos folhetos e no aparelho subvalvar, se observando em todos os pacientes, como anteriormente dito, dilatação do anel mitral. Isso se deve ao afastamento da sua porção posterior, já que a porção anterior está limitada pelos trígonos fibrosos direito e esquerdo do coração. Segundo mostra a literatura, a plastia é considerada uma boa opção, pois permite preservar as cúspides nativas da valva e o aparelho subvalvar, mantendo a geometria ventricular esquerda e a função ventricular10.

A mortalidade hospitalar no presente trabalho foi de 7,5%. Os três pacientes que faleceram se encontravam em Classe Funcional IV e dois desses se encontravam em fase aguda da doença. Essa mortalidade pode ser considerada elevada se comparada com a da maioria dos autores, que varia entre 0 e 4,8%17-20. Carpentier relatou experiência com plastia após 10 anos, com mortalidade hospitalar de 4,2% em adultos e crianças14. A mortalidade cirúrgica é maior na fase aguda da febre reumática se a operação é indicada nos pacientes com grave disfunção valvar e com o tratamento clínico ineficaz. Mesmo neste grupo, a plástica pode apresentar melhores resultados do que a substituição valvar, ao preservar todo o aparelho subvalvar, o que resulta em melhor função ventricular no pós-operatório12,19.

Em nossos casos, a necessidade de reoperação com indicação para troca valvar antes dos quatro anos ocorreu em sete (19%) dos 37 casos; muito elevada se comparada com os outros autores. Pomerantzeff e cols.21 relataram sobrevida livre de reoperações em 70% após 17 anos21. Pacientes com doença valvar reumática têm tido alta incidência de reoperação, como demonstram Deloche e cols.9. A necessidade de nova cirurgia ocorre entre 8% e 10%7,18. Além disso, os resultados também dependem do estado da valva no momento da reconstrução, ou seja, quanto maior for o seu acometimento, pior será o resultado16. Gillinov e cols. relataram sobrevida livre de reoperação em 93%, após 10 anos22, e a maioria dos que necessitaram nova cirurgia foi em consequência de novos surtos de febre reumática. Na casuística de Machado e cols.18, 72.6% dos casos estavam livres de reoperação após 188 meses. As maiores causas de falência da plastia mitral reumática são indicações errôneas, emprego de técnica inadequada e progressão da doença valvar reumática7,16.

O uso do ecocardiograma transesofágico está estabelecido como método mais adequado para avaliar os resultados imediatos, orientando a necessidade de troca valvar nos casos de falha da plastia mitral ou de insuficiência residual importante10. Murad e cols.6 relataram o uso de ecocardiograma transesofágico em apenas 4% de suas cirurgias. No presente estudo se utilizou a ecocardiografia transesofágica na maioria dos pacientes (68,3%) durante o procedimento cirúrgico. No trabalho ora apresentado, houve melhora da regurgitação em 94,6%, resultado semelhante aos de outros trabalhos brasileiros16,18.

Concluiu-se que houve melhora acentuada da regurgitação mitral e da classe funcional, na avaliação após três meses de pós-operatório, mas foi elevada a necessidade de reoperação antes de quatro anos de evolução.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Mestrado de Andréa Rocha e Silva pela Universidade Federal Fluminense e Instituto de Cardiologia de Laranjeiras.

Artigo recebido em 29/07/08; revisado recebido em 16/10/08; aceito em 24/10/08.

  • 1
    World Health Organization. Rheumatic fever and rheumatic heart disease.Report of a WHO Expert Consultation. Geneve, 29 October-1 November.Geneve:WHO, 2004.
  • 2. Meira ZM, Castilho SR, Barros MV. Prevalência de febre reumática em crianças de escola da rede pública de Belo Horizonte. Arq Bras Cardiol. 1995; 65: 331-4.
  • 3
    Ministério da Saúde (Homepage na Internet). Secretaria Executiva. DATASUS. Informes hospitalares (SIH–Sus) Consulta eletrônica. [Acesso em 2006 jan 09]. Disponível em http://www.datasus.gov.br
  • 4. Herdy GVH, Pinto CAM, Carrinho M, Olivaes MC, Medeiros CC, Souza D. Estudo clínico e ecocardiográfico das alterações do aparelho mitral em crianças com cardite reumática grave: aspecto de prolapso ou ruptura. Arq Bras Cardiol.1996; 66 (3): 125-8.
  • 5. Herdy GVH, Pinto CAM, Olivaes MC, Carvalho EA, Tchou Y, Herdy AH. Rheumatic carditis treated with high dosis of methylprednisolone (pulsetherapy): results in 70 children over 12 years. Arq Bras Cardiol. 1999; 72 ( 5): 604-6.
  • 6. Murad H, Goes Ec, Pinheiro AA, Azevedo JA, Noronha AP. Surgical treatment of mitral valve insufficiency by valve repair. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2002; 17 (4): 299-306.
  • 7. Talwar S, Rajesh MR, Subramanian A, Saxena A, Kumar AS. Mitral valve repair in children with rheumatic heart disease. J Thorac Cardiovasc Surg. 2005; 129 (4): 875-9.
  • 8. Ren JF, Aksut S, Lighty GW. Mitral valve repair is superior to valve replacement for the early preservation of cardiac function. Am Heart J. 1996; 131 (5): 974-81.
  • 9. Deloche A, Carpentier A, Jebara VA, Chavaud S, Fabiani JN, Dreyfus G. Mitral valve repair with Carpentiers techniques :a third decade. In 81st Annual meeting of the American Association for Thoracic Surgery. 2001; San Diego.
  • 10. Wood AE, Healy DG, Nolke L, Duff D, Walsh K. Mitral valve reconstruction in a pediatric population: late clinical results and predictors of long-term outcome. J Thorac Cardiovasc Surg. 2005; 130 (1): 66-73.
  • 11. Hillman ND, Tani LY, Veasy G, Lambert LL, Russo GB, Doty DB. Current status of surgery for rheumatic carditis in children. Ann Thorac Surg. 2004; 78 (4): 1403-8.
  • 12. Skoularigis J, Sinovich V, Joubert G, Sareli P. Evaluation of the long-term results of mitral valve repair in 254 young patients with rheumatic mitral regurgitation. Circulation. 1994; 90 (5): 167-74.
  • 13. Lillehei CW, Levy MJ. Mitral valve replacement with preservation of the papillary muscles and the chordae tendinea. J Thorac Cardiovasc Surg. 1964; 47 (3): 532-43.
  • 14. Carpentier A. Cardiac valve surgery: the "French correction". J Thorac Cardiovasc Surg. 1983; 86 (2): 323-37.
  • 15. Sousa Uva M, Dreyfus G, Rescigno G, al Aile N, Mascagni R, La Marra M, et al. Surgical treatment of asymptomatic and mildly symptomatic mitral regurgitation. J Thorac Cardiovasc Surg. 1996; 112 (5): 1240-9.
  • 16. Volpe MA, Braile DM, Vieira RW, Rossi D, Souza DRS. Mitral valve repair with a malleable bovine pericardium ring. Arq Bras Cardiol. 2000; 75 (5): 389-96.
  • 17. Provenzano Jr SC, Sá MPL, Bastos ES, Murad H, Gomes EC. Plastia valvar mitral na doença cardíaca reumática e degeneração mixomatosa: estudo comparativo. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2002; 17 (1): 24-34.
  • 18. Machado VHS, Gregori Jr F. Avaliação cardiológica tardia de crianças com insuficiência mitral reumática submetidas a cirurgia reconstrutora com anel de Gregori. Arq Bras Cardiol. 2005; 85 (6): 403-11.
  • 19. Kumar AS, Rao PN, Saxena A. Results of mitral valve reconstruction in children with rheumatic heart disease. Ann Thorac Surg. 1995; 60 (4): 1044-7.
  • 20. Gunther T, Mazzitelli D, Schreiber C. Mitral valve replacement in children under 6 years of age. Eur J Cardio-Thorac Surg. 2000; 17 ( 4): 426-30.
  • 21. Pomerantzeff PMA, Brandão CMA, Faber CM, Fonseca MH, Puig LB, Grinberg M, et al. Plástica da valva mitral: resultado aos 17 anos de experiência. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1999; 14 (3): 185-90.
  • 22. Gillinov AM, Cosgrove DM, Lytle BW, Taylor PC, Stewart R, McCarthy PM, et al. Reoperation for failure of mitral valve repair. J Thorac Cardiovasc Surg. 1997; 113 (3): 467-75.
  • Correspondência:

    Gesmar Volga Haddad Herdy
    Travessa Antonio Pedro, 10/301
    24.230-030, Niteroi, RJ - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Recebido
      29 Jul 2008
    • Revisado
      16 Out 2008
    • Aceito
      24 Out 2008
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br