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Cenários de prática e a formação médica na assistência em saúde

Sceneries of practice and medical education in health attendance

Resumos

O trabalho apresenta e analisa resultados provenientes da auto-avaliação a que se submeteram 28 escolas médicas brasileiras (EMBs) participantes do Projeto da Comissão de Avaliação das Escolas Médicas (Caem), da Associação Brasileira de Educação Médica (Abem), relativo ao eixo Cenários da Prática, um dos cinco eixos relevantes na formação do médico. Este eixo é composto de três vetores: locais de exercício da prática médica utilizados pela escola; prática proporcionada aos discentes com orientação docente; e oportunidades oferecidas aos estudantes para vivenciar as demandas espontâneas de atendimento em saúde - âmbito da prática. Em relação ao vetor Local de Prática, três quartos das escolas se colocam como predominantemente utilizando unidades do sistema de saúde voltadas à atenção primária, secundária e terciária, outro quarto se percebe utilizando predominantemente o hospital secundário e os serviços ambulatoriais da própria instituição. Quanto à Participação Discente, três quartos afirmam proporcionar ao estudante ampla participação, com orientação e supervisão docente nos diversos cenários de prática; as demais proporcionam aos discentes atividades selecionadas e parcialmente supervisionadas. No vetor que trata o Âmbito da Prática, um quarto das escolas se limita a oferecer práticas ligadas aos departamentos e especialidades/disciplinas; um terço oferece práticas que cobrem vários programas de forma estanque; e quase a metade das escolas (43%) oferece prática ao longo de todo o curso utilizando os serviços em todos os níveis de atenção de forma integral. Nem sempre as justificativas e evidências corresponderam às situações de inovação ou transformação percebidas pelas escolas.

Educação médica; avaliação de programas; educação de graduação em medicina


This paper presents and analyzes the results of the self-assessment performed by 28 Brazilian medical schools (BMES) participating in the project elaborated by the Commission of Evaluation of the Medical Schools of the Brazilian Association of Medical Education, with regard to the axis Sceneries of Practice, one of the five relevant axes in the education of the medical professional. This axis comprises three vectors: the setting for medical practice used by the school; learning, and the chance to live the spontaneous demands of health assistance in practice. As refers to the vector setting used for practice, 75% of the schools use mainly primary, secondary and tertiary care units of the health system, another 25% use predominantly the secondary care hospital and the outpatient unit of the proper institution. With regard to participation of the teaching body, 75% affirm providing extensive participation under the guidance of the professors in different practical settings and the rest provides selected and partially supervised activities. With regard to the vector Sceneries for Practice, 25% of the schools only offer practical training linked to the department and specialties/disciplines, one third offers practical training covering different programs and nearly half of the schools (43%) offer practical training throughout the course utilizing the services in all care levels in an integrated way. Not always the justifications and evidences corresponded to the situation of innovation or transformation of the curricula as perceived by the schools.

Medical education; program evaluation; education; medical undergraduate


SIMPÓSIO: PROJETO DE AVALIAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DAS MUDANÇAS DE GRADUAÇÃO DA ÁREA CAEM/ABEM

PESQUISA

Cenários de prática e a formação médica na assistência em saúde

Sceneries of practice and medical education in health attendance

Regina Celes de Rosa StellaI; Ively Guimarães AbdallaI; Jadete Barbosa LampertII; Gianna Lepre PerimIII; Rinaldo Henrique Aguilar-da-SilvaIV; Nilce Maria da Silva Campos CostaV,* * Os autores compõem a Comissão de Avaliação das Escolas Médicas da Associação Brasileira de Educação Médica – Caem/Abem.

IUniversidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil

IIUniversidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

IIIUniversidade Estadual de Londrina, Paraná, Brasil; Ministério do Esporte, Secretaria Nacional de Esporte Educacional. Distrito Federal, Brasil

IVFaculdade de Medicina de Marília. São Paulo, Brasil

VUniversidade Federal de Goiás, Goiás, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Regina Celes de Rosa Stella Rua Botucatu, 740 – 4º andar CEP. 04021-020 – São Paulo – SP E-mail: rstella.decom@epm.br

RESUMO

O trabalho apresenta e analisa resultados provenientes da auto-avaliação a que se submeteram 28 escolas médicas brasileiras (EMBs) participantes do Projeto da Comissão de Avaliação das Escolas Médicas (Caem), da Associação Brasileira de Educação Médica (Abem), relativo ao eixo Cenários da Prática, um dos cinco eixos relevantes na formação do médico. Este eixo é composto de três vetores: locais de exercício da prática médica utilizados pela escola; prática proporcionada aos discentes com orientação docente; e oportunidades oferecidas aos estudantes para vivenciar as demandas espontâneas de atendimento em saúde – âmbito da prática. Em relação ao vetor Local de Prática, três quartos das escolas se colocam como predominantemente utilizando unidades do sistema de saúde voltadas à atenção primária, secundária e terciária, outro quarto se percebe utilizando predominantemente o hospital secundário e os serviços ambulatoriais da própria instituição. Quanto à Participação Discente, três quartos afirmam proporcionar ao estudante ampla participação, com orientação e supervisão docente nos diversos cenários de prática; as demais proporcionam aos discentes atividades selecionadas e parcialmente supervisionadas. No vetor que trata o Âmbito da Prática, um quarto das escolas se limita a oferecer práticas ligadas aos departamentos e especialidades/disciplinas; um terço oferece práticas que cobrem vários programas de forma estanque; e quase a metade das escolas (43%) oferece prática ao longo de todo o curso utilizando os serviços em todos os níveis de atenção de forma integral. Nem sempre as justificativas e evidências corresponderam às situações de inovação ou transformação percebidas pelas escolas.

Palavras-chave: Educação médica; avaliação de programas; educação de graduação em medicina.

ABSTRACT

This paper presents and analyzes the results of the self-assessment performed by 28 Brazilian medical schools (BMES) participating in the project elaborated by the Commission of Evaluation of the Medical Schools of the Brazilian Association of Medical Education, with regard to the axis Sceneries of Practice, one of the five relevant axes in the education of the medical professional. This axis comprises three vectors: the setting for medical practice used by the school; learning, and the chance to live the spontaneous demands of health assistance in practice. As refers to the vector setting used for practice, 75% of the schools use mainly primary, secondary and tertiary care units of the health system, another 25% use predominantly the secondary care hospital and the outpatient unit of the proper institution. With regard to participation of the teaching body, 75% affirm providing extensive participation under the guidance of the professors in different practical settings and the rest provides selected and partially supervised activities. With regard to the vector Sceneries for Practice, 25% of the schools only offer practical training linked to the department and specialties/disciplines, one third offers practical training covering different programs and nearly half of the schools (43%) offer practical training throughout the course utilizing the services in all care levels in an integrated way. Not always the justifications and evidences corresponded to the situation of innovation or transformation of the curricula as perceived by the schools.

Keywords: Medical education; program evaluation; education; medical undergraduate.

INTRODUÇÃO

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)1 para os cursos da área da saúde lançadas em 2001 indicaram uma concepção mais ampla de saúde e estabeleceram como horizonte desejável para a organização dos cursos os currículos integrados, que possibilitassem superar a organização disciplinar e articular várias disciplinas em torno de temáticas relevantes e estimulantes. Apontaram também como necessidade o papel ativo dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem, propondo uma mudança da ênfase nos conteúdos para o processo de aprendizagem ativa e independente, e a superação da dicotomia entre teoria e prática, valorizando o trabalho articulado com os serviços de saúde e populações2.

Para a organização curricular do curso de graduação em Medicina, as DCN assinalam que esse médico deve ter formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, e, dentro de princípios éticos, ser um profissional promotor da saúde integral do ser humano, capaz de trabalhar em equipe. Deixam clara a necessidade de o processo ensino-aprendizagem se desenvolver nos locais da prática de assistência à saúde.

Alguns autores, como Batista et al3, Feuerwerker4 e Almeida5, discutem algumas áreas críticas para a formação do profissional na área da saúde, entre as quais a desarticulação entre teoria e prática, saúde e doença, decorrentes de um modelo que utiliza o hospital universitário (HU) como centro das atividades práticas, com decorrente ênfase nas especialidades e nos procedimentos de atenção terciária e quaternária.

Para superar essas contradições, é necessário buscar novas atitudes perante o conhecimento, para ultrapassar a divisão disciplinar clássica do conhecimento científico, caminhando para uma concepção de interdisciplinaridade e deslocamento para novos espaços de aprendizagem com privilégio da atenção primária, definida como:

[...] o nível do sistema de saúde acessível a todo problema novo e necessidade, além de cuidar de problemas crônicos e condições próprias da vida, prestando atenção ao longo do tempo, centrado na pessoa mais que na enfermidade, que oferece atenção aos transtornos mais comuns e que coordena e integra o atendimento prestado em outros serviços ou por outros profissionais6.

No mesmo sentido, Feuerwerker4 afirma que:

Há necessidade de redefinir referenciais e relações com diferentes segmentos da sociedade no sentido da universidade construir um novo lugar social, mais relevante e comprometido com a superação das desigualdades. No campo da Saúde, é indispensável que a produção de conhecimento, formação profissional e prestação de serviços sejam tomadas como indissociáveis de uma nova prática. (p. 25)

O Ministério da Saúde (MS), por sua vez, tem incentivado as mudanças por meio dos projetos Promed7 e, mais recentemente, Pró-Saúde8, que enfatizam a importância da integração da escola com os serviços de saúde, chamando a atenção para os locais de prática. Essas iniciativas indicam a necessidade de mudanças na formação dos profissionais para o atendimento das Necessidades de Saúde (NS) e a conseqüente valorização da avaliação como instrumento de gestão.

A proposta de avaliação de tendências de mudanças das escolas médicas com vistas à formação do médico no curso de graduação e ao atendimento das NS é abalizada na percepção dos atores sociais da escola médica a partir de cinco eixos conceptuais de relevância nesta construção, fundamentada nos estudos de Lampert9. Trata-se da percepção dos atores envolvidos no processo de formação a respeito de como está sendo implementado o programa curricular da graduação, diante das necessidades de saúde, com base em abundantes recomendações de fóruns nacionais e internacionais de educação médica. Entre os passos iniciais do método está a obrigatoriedade de reunir um grupo representativo de atores envolvidos no curso médico, referenciado nos cinco eixos formados por 17 vetores10.

É necessário avaliar o curso de graduação quanto a sua adequação às Diretrizes Curriculares de Medicina1 de forma que atenda às exigências da avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes, dentro dos princípios do Sistema Nacional de Avaliação da Educação do Ensino Superior (Sinaes)11. Nesta perspectiva, este artigo destaca os resultados relativos ao eixo Cenários da Prática, que, sendo um dos cinco eixos inter-relacionados, busca identificar a diversidade desejável do campo oferecido ao ensino prático da assistência e as oportunidades que a escola proporciona aos estudantes para, no aprendizado da prática, abordar aspectos da integralidade da atenção.

METODOLOGIA

O instrumento de avaliação de tendências de mudanças das escolas médicas adotado pela Caem foi respondido pelos atores sociais de cada escola: representantes docentes, discentes e técnico-administrativos e da comunidade externa local. Cada vetor apresentou três situações alternativas (tradicional, inovadora e avançada para as transformações). As escolas puderam se classificar predominantemente em uma das três alternativas. A tradicional corresponde a características de um ensino tradicional, flexneriano; a inovadora apresenta inovações buscando adequar-se às mudanças; e a avançada apresenta características predominantemente de mudanças implantadas, que estão de acordo com as DCN. No mesmo exercício, a cada situação predominante são identificadas a(s) justificativa(s) e a(s) evidência(s) da alternativa escolhida. O instrumento, o método e a descrição dos vetores podem ser consultados no artigo Projeto de avaliação de tendências de mudanças no curso de graduação nas escolas médicas brasileiras (Lampert et al., p.5-18), disponível nesta revista.

Este trabalho apresenta os resultados do eixo Cenários da Prática, no conjunto do curso de graduação, composto dos seguintes vetores: Local da Prática, Participação Discente e Âmbito da Prática, também denominado Âmbito Escolar.

RESULTADOS

Os resultados apresentados no Quadro 1 e na Gráfico 1 demonstram a percepção dos atores sociais de um grupo de 28 escolas médicas brasileiras (EMBs) quanto às tendências de mudança em relação ao eixo Cenários da Prática. Ao se situarem predominantemente em uma das três alternativas em cada vetor, as escolas apresentam justificativas e evidências.



No vetor Local de Prática, referente aos locais que a escola utiliza para o ensino da prática médica, nenhuma das escolas se percebe localizada no nível 1, tradicional, que dispõe apenas do hospital para o ensino da prática. Sete escolas (25%) se avaliaram no nível 2, inovador, e justificam a escolha pelo fato de o curso estar estruturado no modelo hospitalocêntrico e com algum nível de Atenção Básica de Saúde no internato; ter dificuldade de articulação com os serviços municipais, o que se reflete na não concretização dos mecanismos de referência e contra-referência; ter como único cenário externo utilizado o centro de saúde; e utilizar o HU com característica de atendimento secundário ambulatorial de especialidades e geral.

Vinte e uma escolas (75%) se percebem no nível 3, avançado, tendo como justificativas: a estrutura do projeto político-pedagógico; diferentes parcerias com o município; estrutura dos serviços; existência de diferentes cenários de prática; reconhecimento da importância da atuação dos estudantes nos três níveis de atenção; inserção dos discentes desde o início do primeiro período em vários cenários; e o entendimento das dificuldades do sistema de referência e contra-referência para o desenvolvimento das atividades. O Quadro 2 apresenta as evidências trazidas pelas 28 escolas neste vetor.


Outro vetor neste eixo é a Participação Discente. Neste, nenhuma das escolas médicas se auto-avaliou como tendo um modelo tradicional, que proporciona ao discente apenas observação de práticas demonstrativas (Quadro 3).


Do grupo analisado, sete escolas (25%) se percebem no nível 2, inovador, por haver ainda necessidade de maior integração entre teoria e prática; porque a supervisão docente não acontece durante todo o tempo, pois os alunos, em alguns momentos, ficam sob a orientação de médicos administrativos, residentes, internos; e por alguns cenários ainda estarem estruturados no modelo tradicional.

As 21 escolas (75%) que afirmaram proporcionar ao discente ampla participação com orientação e supervisão docente nos vários cenários de prática justificam essa percepção por terem essa temática contemplada no projeto político-pedagógico, o que permite estruturar o currículo nessa direção; porque a participação dos estudantes ocorre de maneira crescente, de acordo com a complexidade do nível de atenção; por reconhecerem a importância da supervisão das atividades práticas com supervisão docente nos diversos serviços de atendimento; pela ampla participação na relação docente/discente estar implementada nos diversos espaços de prática e discussões teórico-práticas. Essas escolas referem que o discente participa das atividades assistenciais de acordo com seu nível de competência e orientado por docente.

No vetor Âmbito Escolar, que verifica se a escola oferece práticas ligadas aos departamentos e às disciplinas/especialidades, a maior parte das escolas (57%) se percebeu nos níveis 1 e 2. As que se colocam como tradicionais, nível 1 (25%), trazem como justificativas valores e políticas que se mostram ao reconhecerem: práticas focadas nas especialidades; predomínio de disciplinas com práticas isoladas; centrado no ensino de especialidades; a estrutura da universidade é departamental; o curso é composto por quatro departamentos das áreas básicas e oferece disciplinas de especialidades. Uma justifica ter o projeto pedagógico em processo de implantação. Já o grupo de escolas que se percebem no nível inovador, nível 2 (32,14%), apresenta como justificativas: a estrutura de serviços disponibilizada nos cenários; inexistência de disciplinas específicas com conteúdos dados em blocos; práticas por áreas.

Aproximadamente 43% das escolas médicas se percebem no nível 3, pois afirmam que oferecem práticas durante todo o curso em todos os níveis de atenção e justificam essa escolha por reconhecerem a importância da interação de atividades; porque as práticas acontecem a partir do primeiro ano, com disponibilidade dos três níveis de atenção; por todos os níveis de atenção à saúde serem contemplados no curso; e pela ampla participação do discente a partir da integração do currículo, o que pode ser observado pelas evidências descritas no Quadro 4.


Quando se observa o resultado do eixo Cenários da Prática, revelado pelo conjunto da análise dos três vetores em relação à tipologia de cada escola, verifica-se uma variação entre 8% e 20%, máximo de porcentagem de cada um dos cinco eixos no instrumento de auto-avaliação das escolas (Gráfico 2).

Comparado aos demais eixos, percebe-se que o Cenário da Prática é aquele em que as escolas apresentam mais inovações e avanços (Gráfico 3).


DISCUSSÃO

A análise dos resultados constata que a maioria das escolas está num movimento de saída de seus muros para proporcionar aos estudantes maior experiência nos diferentes níveis de atenção à saúde. Fazem uso de parcerias com os serviços de saúde de prefeituras, unidades dos níveis de atenção primária, secundária e terciária no entendimento da construção da rede do sistema de saúde, o que vai ao encontro do que é preconizado nas DCNs.

Poucas escolas contribuem com os mecanismos de referência e contra-referência entre os serviços de diferentes competências e disponibilidades tecnológicas, até porque o sistema com estes mecanismos está em construção, e o realizado na prestação de assistência à saúde da população ainda é muito limitado.

As justificativas e evidências apresentadas neste eixo mostram que a relação entre a escola médica e os serviços de saúde existentes ainda não atingiu o nível de integração real entre as duas instâncias, pois poucas escolas revelam tal integração, afirmando que se inserem no mecanismo de referência e contra-referência, e o hospital universitário inserido na rede do SUS atende à demanda a partir das necessidades dos serviços.

As dificuldades encontradas para que as escolas desenvolvam suas atividades didático-pedagógicas nos cenários de prática do sistema são identificadas pelo grupo que, ao se perceber inovador, relata existir resistência por parte de docentes e de disciplinas. Essas dificuldades são encontradas também na ocorrência de práticas em hospitais de nível secundário e de serviços ambulatoriais, independentes dos mecanismos de referência e contra-referência da rede do Sistema de Saúde. Outro aspecto observado é que a utilização de outros cenários tem ficado restrita a algumas disciplinas, como Saúde Coletiva, Medicina Preventiva e Medicina Social.

Este perfil mostra que, embora as escolas possibilitem que os estudantes se insiram em práticas nos três níveis de atenção – primária, secundária e terciária – nos serviços existentes, para vivenciar ações de prevenção, promoção, recuperação e reabilitação de saúde, como parte de um sistema em construção, mostram carências que precisam da formulação de novas políticas públicas que, implementadas, sejam capazes de impulsionar e sustentar as mudanças.

Com relação ao vetor Participação Discente, a maioria das escolas analisadas proporciona atividades selecionadas e com supervisão docente, o que aponta uma estratégia pedagógica inovadora que sinaliza para uma aprendizagem ativa por parte do aluno. Mas, em contrapartida, aponta em especial para uma nova função docente, a de orientador e facilitador em metodologias ativas na construção do conhecimento. Esta situação nos reporta ao eixo Desenvolvimento Docente, em que se pode observar, nas evidências apontadas pelas escolas, como estas buscam dar condições para uma atuação docente adequada dentro do perfil didático-pedagógico de facilitador no processo ensino-aprendizagem.

O vetor que analisa o Âmbito Escolar relativiza os avanços do eixo, mostrando que o planejamento das práticas, escola e serviço ainda é bastante conservador. Um aspecto se apresenta fragilizado: as inovações na tendência de mudança quanto aos locais em que proporcionam a prática médica aos discentes, quando se busca perceber como estas práticas são oferecidas e se são desenvolvidas ao longo do curso de forma integralizada.

A perspectiva da integralidade no cuidado em saúde é a que mostra maior dificuldade, conforme a posição da maioria das escolas em relação às abordagens. O vetor Âmbito da Prática evidencia um ensino tradicional, fragmentado em disciplinas, pautado em especialidades. Desta forma, ainda há dificuldade de proporcionar ao futuro profissional a vivência da demanda espontânea das necessidades de saúde durante a formação, com o exercício de identificar situações-problema, fazer diagnóstico diferencial em quadros clínicos e tratar e encaminhar de forma adequada, sabendo trabalhar em equipe.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Talvez somente pelo uso da intencionalidade e não pela realidade de algumas das instituições, que renovam seus projetos pedagógicos, nem sempre as justificativas e evidências apresentadas corresponderam às situações de inovação ou avanços assinalados nos vetores. Algumas destas percepções deixaram a impressão de que a escola tem um currículo tradicional centrado em disciplinas, com modelo hospitalocêntrico e pouca interação com os serviços da rede básica de atenção à saúde. Embora utilize metodologias inovadoras, ainda não tem uma ação integradora de conteúdos, teoria e prática, no processo de ensino-aprendizagem.

No eixo Cenários de Prática, algumas escolas se percebem nos três vetores na situação avançada, mas, quando expõem suas justificativas e evidências, não suportam tal posição, não dão garantia de que as atividades de ensino-aprendizagem realizadas nesses locais sejam desenvolvidas ao longo do curso em todos os níveis de atenção de forma integral. Fica evidenciada a necessidade de construir um processo auto-avaliativo com indicadores de qualidade e quantidade, capazes de, uma vez criados e utilizados, proporcionarem maior aproximação da realidade de cada escola, de forma a subsidiar o planejamento e metas institucionais.

Recebido em: 08/07/2008

Reencaminhado em: 17/12/2008

Aprovado em: 19/12/2008

CONFLITOS DE INTERESSE

Declarou não haver.

  • 1
    Brasil. Ministério da Educação. Parecer CNE/CES n. 1133 de 07 de agosto de 2001. Diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação em enfermagem, medicina e nutrição. Brasília; 2001
  • 2. Hissachi T, Aguilar-da-Silva, RH. Currículo integrado por Competências Profissionais: reflexão sobre o trabalho desenvolvido na Faculdade de Medicina de Marília (Famema). Revista Gestão Universitária. [periódico na internet]. [Acesso em: 22 mar. 2006]. Disponível em: http://www.gestaouniversitaria.com.br
  • 3. Batista N et al. O Enfoque Problematizador na Formação de profissionais de Saúde. Rev Saúde Pública. 2005;39(2):147-61.
  • 4. Feuerwerker L. Educação dos profissionais de saúde hoje: problemas, desafios, perspectivas, e as propostas do Ministério da Saúde. Rev ABENO. 2003;3(1):24-7.
  • 5. Almeida M. Educação Médica e Saúde: Possibilidades de Mudança Rio de Janeiro: Abem; Londrina: EDUEL; 1999.
  • 6. Stein AT. Práticas Clínicas Ressignificadas na Atenção Básica. Texto apresentado no Seminário Internacional: desafios do Ensino da Atenção Básica Nas Escolas de Medicina, Brasília, 18-21 de julho de 2007. No prelo.
  • 7
    Brasil. Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares para as Escolas Médicas – PROMED. [online]. [Acesso em:13 mar. 2008]. Disponível em: http://www.promed.unifesp.br
  • 8
    Brasil. Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde – Pró-Saúde. [site].S. l;ano. [acesso em: 13 mar. 2008]. Disponível em: http://www.prosaude.org
  • 9. Lampert JB. Tendência de Mudanças na Formação Médica no Brasil: tipologia das escolas. Rio de Janeiro: Abem; São Paulo: Hucitec; 2002.
  • 10
    Associação Brasileira de Educação Médica. Comissão de Avaliação das Escolas Médicas. Projeto de avaliação e acompanhamento das mudanças nos cursos de graduação da área da saúde. [online]. [Acesso em: 13 mar. 2008]. Disponível em: http://www.caem.org.br/pdf/projeto_ms.pdf
  • 11. Brasil. Ministério da Educação. Lei n. 10861, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação do Ensino Superior (SINAES) e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 15 abr. 2004. p.3
  • Endereço para correspondência:
    Regina Celes de Rosa Stella
    Rua Botucatu, 740 – 4º andar
    CEP. 04021-020 – São Paulo – SP
    E-mail:
  • *
    Os autores compõem a Comissão de Avaliação das Escolas Médicas da Associação Brasileira de Educação Médica – Caem/Abem.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Recebido
      08 Jul 2008
    • Aceito
      19 Dez 2008
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