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Intervenções benéficas durante o parto para a prevenção da mortalidade materna

Beneficial interventions during delivery for the prevention of maternal mortality

Resumos

O caráter multifatorial das complicações e da mortalidade materna torna difícil e demorada a tarefa de seu controle a longo prazo. A atenção profissional à mulher gestante e/ou parturiente representa seguramente elemento chave para a obtenção de bons resultados, tanto maternos quanto perinatais. Partindo-se do pressuposto de que atenção médica profissional ao parto de maneira adequada tem a capacidade de diminuir a ocorrência de complicações associadas à morbidade e mortalidade materna, são apresentadas resumidamente as evidências sobre algumas intervenções incluídas nesta atenção. São enfocadas as evidências derivadas de estudos realizados com extremo rigor metodológico e científico, os ensaios controlados randomizados, sobre intervenções capazes de reduzir as complicações e a mortalidade materna. Estas principais intervenções referem-se basicamente a: atenção institucional ao parto, atendimento profissional capacitado, utilização de parteiras tradicionais em determinados contextos, uso de tecnologias apropriadas incluindo o partograma, local do parto, posição para o parto, uso de episiotomia, tipo de parto, uso de ocitócicos na fase ativa do parto, realização de esforços de puxo no período expulsivo, manejo da dequitação e profilaxia da hemorragia puerperal. Ainda que o efeito de prevenir mortes seja difícil de ser avaliado pela baixa freqüência, sua utilização de forma racional e padronizada, por meio de manuais e normatizações de condutas de serviços, tem um efeito positivo sobre a qualidade da atenção ao nascimento. Isso faz parte do contexto técnico e humano do direito que toda mulher tem ao melhor atendimento possível nesse momento tão especial de sua vida.

Mortalidade materna; Prevenção; Parto; Saúde da mulher; Evidências


The multiple factors involved in maternal complications and maternal mortality make the task of their long-term control difficult and time-consuming. Professional care for pregnant women and/or those in labor certainly represents a key point for obtaining good outcomes, either maternal or perinatal. From the starting point that an adequate professional medical care for delivery has the capacity of decreasing the occurrence of complications associated with maternal morbidity and mortality, the evidence regarding some interventions included in this care is summarily presented. The evidence derived from studies performed with a strong methodological and scientific approach, mainly randomized controlled trials, on interventions to reduce complications and maternal mortality. These main interventions basically refer to: institutional care to is focused delivery, skilled professional care, use of traditional birth attendants in some contexts, use of appropriate technologies including partograph, place of birth, position for delivery, use of episiotomy, type of delivery, use of oxytocin during the active phase of labor, performance of push efforts during the second stage, active management of the third stage, and prophylaxis for post-partum hemorrhage. Although the effect of avoiding maternal death is difficult to be evaluated due to its low frequency, its rational and standardized use, through manuals and guidelines for intervention care, has a positive effect on the quality of care for childbirth. This is part of the human and technical context of the right that every woman has to the best possible care in this so special moment of her life.

Maternal mortality; Prevention; Parturition; Women's health; Evidence


REVISÂO

Intervenções benéficas durante o parto para a prevenção da mortalidade materna

Beneficial interventions during delivery for the prevention of maternal mortality

José Guilherme CecattiI; Iracema de Matos Paranhos CalderónII

IDepartamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP) - Brasil

IIDepartamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista - UNESP - Botucatu (SP) - Brasil

RESUMO

O caráter multifatorial das complicações e da mortalidade materna torna difícil e demorada a tarefa de seu controle a longo prazo. A atenção profissional à mulher gestante e/ou parturiente representa seguramente elemento chave para a obtenção de bons resultados, tanto maternos quanto perinatais. Partindo-se do pressuposto de que atenção médica profissional ao parto de maneira adequada tem a capacidade de diminuir a ocorrência de complicações associadas à morbidade e mortalidade materna, são apresentadas resumidamente as evidências sobre algumas intervenções incluídas nesta atenção. São enfocadas as evidências derivadas de estudos realizados com extremo rigor metodológico e científico, os ensaios controlados randomizados, sobre intervenções capazes de reduzir as complicações e a mortalidade materna. Estas principais intervenções referem-se basicamente a: atenção institucional ao parto, atendimento profissional capacitado, utilização de parteiras tradicionais em determinados contextos, uso de tecnologias apropriadas incluindo o partograma, local do parto, posição para o parto, uso de episiotomia, tipo de parto, uso de ocitócicos na fase ativa do parto, realização de esforços de puxo no período expulsivo, manejo da dequitação e profilaxia da hemorragia puerperal. Ainda que o efeito de prevenir mortes seja difícil de ser avaliado pela baixa freqüência, sua utilização de forma racional e padronizada, por meio de manuais e normatizações de condutas de serviços, tem um efeito positivo sobre a qualidade da atenção ao nascimento. Isso faz parte do contexto técnico e humano do direito que toda mulher tem ao melhor atendimento possível nesse momento tão especial de sua vida.

Palavras-chave: Mortalidade materna; Prevenção; Parto; Saúde da mulher; Evidências

ABSTRACT

The multiple factors involved in maternal complications and maternal mortality make the task of their long-term control difficult and time-consuming. Professional care for pregnant women and/or those in labor certainly represents a key point for obtaining good outcomes, either maternal or perinatal. From the starting point that an adequate professional medical care for delivery has the capacity of decreasing the occurrence of complications associated with maternal morbidity and mortality, the evidence regarding some interventions included in this care is summarily presented. The evidence derived from studies performed with a strong methodological and scientific approach, mainly randomized controlled trials, on interventions to reduce complications and maternal mortality. These main interventions basically refer to: institutional care to is focused delivery, skilled professional care, use of traditional birth attendants in some contexts, use of appropriate technologies including partograph, place of birth, position for delivery, use of episiotomy, type of delivery, use of oxytocin during the active phase of labor, performance of push efforts during the second stage, active management of the third stage, and prophylaxis for post-partum hemorrhage. Although the effect of avoiding maternal death is difficult to be evaluated due to its low frequency, its rational and standardized use, through manuals and guidelines for intervention care, has a positive effect on the quality of care for childbirth. This is part of the human and technical context of the right that every woman has to the best possible care in this so special moment of her life.

Keywords: Maternal mortality; Prevention; Parturition; Women's health; Evidence

Introdução

O caráter multifatorial das complicações e da mortalidade materna torna difícil e demorada a tarefa de seu controle a longo prazo. A atenção profissional à mulher gestante e/ou parturiente representa seguramente elemento chave para a obtenção de bons resultados, tanto maternos quanto perinatais. Assim, as melhores condições da atenção profissional e institucional ao parto, independentemente de outras características das mulheres, são capazes de diminuir a ocorrência de morbidade materna grave e de mortes maternas.

As evidências científicas disponíveis sobre intervenções que possam ser classificadas como benéficas durante a atenção ao parto deveriam ser mais bem conhecidas e adotadas universalmente nos manuais e guias de conduta obstétrica para diferentes realidades e populações. Estas evidências são derivadas de estudos realizados com extremo rigor metodológico e científico, os ensaios controlados randomizados, sobre intervenções capazes de reduzir as complicações e a mortalidade materna1. Considerando que a morbidade materna está intimamente associada à mortalidade materna e que a antecede, pode-se assumir que qualquer intervenção que consiga reduzir significativamente a morbidade materna deva teórica e indiretamente também ser capaz de reduzir a mortalidade materna.

Na atualidade tem sido cada vez mais freqüente a utilização do conceito de evidência científica disponível para recomendar ou não práticas específicas em saúde. As revisões sistemáticas têm a capacidade de resumir os resultados dos efeitos de diversos estudos sobre uma prática, disponibilizando um efeito comum. A força da evidência científica varia em função do desenho de estudo, sendo maior nos estudos de revisões sistemáticas e nos ensaios controlados aleatorizados (ECA). Dessa maneira, dependendo da força da evidência científica existente sobre uma prática, as recomendações sobre sua utilização podem ser classificadas em três tipos, A, B e C, em ordem decrescente, que deveriam orientar sobre práticas médicas2,3. O Quadro 1 resume esta classificação.


Para conseguir a redução da morbidade e mortalidade materna com a utilização de intervenções benéficas para o parto, algumas publicações têm propiciado uma avaliação crítica sobre o assunto, fornecendo as recomendações mais atualizadas e cientificamente balizadas sobre práticas no parto, em documentos científicos ou institucionais de cidades ou países1,3,4. Entre as principais intervenções, destacam-se a atenção institucional ao parto, o atendimento profissional capacitado, a utilização de parteiras tradicionais em determinados contextos, o uso de tecnologias apropriadas incluindo o partograma, o local do parto, a posição para o parto, o uso de episiotomia, o tipo de parto, o uso de ocitócicos na fase ativa do parto, a realização de esforços de puxo no período expulsivo, o manejo da dequitação e a profilaxia da hemorragia puerperal, entre outras.

Parto institucional e atenção profissional capacitada

Tanto o parto institucional (atendido dentro das instalações de uma unidade de saúde) como a atenção profissional para ele capacitada (realizada por profissional treinado e capacitado para este tipo de atenção) envolvem considerável tempo, custos relativamente elevados e a obtenção de resultados apenas a médio ou longo prazo. Entretanto, há fortes evidências de que a associação destas duas intervenções é, isoladamente, a maior responsável pela diminuição da morbidade e mortalidade materna dos países desenvolvidos em seu processo histórico de controle destas condições. A utilização de profissionais capacitados e treinados para a atenção a partos normais e complicados demonstrou correlação inversa com a ocorrência de morbidade e mortalidade materna5. A Figura 1 mostra a associação entre a proporção de partos atendidos por profissionais de saúde capacitados (médicos, enfermeiras e parteiras) e a razão de mortalidade materna para 50 países em desenvolvimento. Um modelo construído para fornecer capacitação profissional para a atenção ao parto, mas pressupondo também a existência de instalações adequadas com equipamentos, suprimentos, drogas, atenção obstétrica de emergência, transportes, etc., demonstrou ser capaz de reduzir de 16 a 33% das mortes maternas, sobretudo aquelas que ocorrem por parto obstruído, eclâmpsia, sepse puerperal e hemorragia obstétrica5.


Treinamento e utilização de parteiras tradicionais

Existe há décadas, em todo o mundo, boa-vontade em relação ao papel das parteiras tradicionais (TBA traditional birth attendants) para a atenção materno-infantil, em especial para as áreas rurais com poucos recursos em saúde dos países em desenvolvimento. Várias experiências em todo o mundo, incluindo a famosa experiência de Galba Araújo no estado do Ceará, chamaram a atenção para a possibilidade de, respeitando a cultura e tradições locais, prover algum grau de treinamento às parteiras tradicionais, sobretudo na área de reconhecimento das situações de risco para a referência oportuna a centros mais capacitados. A idéia era de que, na impossibilidade de recomendar e construir todo um sistema integrado e adequado de atenção à gestação e nascimento nestas localidades, as parteiras tradicionais poderiam ser auxiliares importantes na identificação de riscos durante a gravidez e o parto, transferindo as mulheres para maternidades de referência. Estas deveriam estar em sintonia com estas profissionais para receber, orientar e tratar do caso, respeitando também o julgamento e o atendimento prestado pela parteira tradicional. Essa idéia era simpática para as organizações internacionais, profissionais e governos dos países com limitados recursos para investimento na atenção à saúde, e foi estimulada e implementada durante décadas, mas sem uma avaliação criteriosa e metodologicamente bem realizada sobre sua efetividade.

Infelizmente, o conhecimento mais recente disponível sobre os programas de treinamento e integração das parteiras tradicionais ao sistema de atenção à gestação e parto, apesar dos benefícios potenciais para a saúde materna e perinatal, não tem demonstrado impacto na redução da mortalidade materna. A provável necessidade de serviços obstétricos essenciais integrados, além de sistemas de referência eficientes, incluindo a necessidade de disponibilidade constante de transportes, freqüentemente não plenamente disponíveis na realidade das regiões rurais e mais pobres dos países em desenvolvimento, devem ser os principais responsáveis por este baixo impacto na redução da mortalidade materna. Assim, como resultado destas avaliações, a recomendação mais freqüente é de que os governos e as instituições públicas de saúde deveriam dar preferência, na utilização de recursos destinados ao treinamento de profissionais para a atenção à gestação e ao parto, a profissionais mais qualificados e com maior grau de instrução formal, visto que assim o impacto sobre a redução da mortalidade materna é maior4 6,7.

Evidentemente isso não significa a eliminação ou interrupção da atividade destas profissionais em locais onde outros recursos não são fácil e economicamente acessíveis a curto prazo, visto que seu papel de suporte humano e social ao parto das mulheres destas regiões é ainda compreendido e enaltecido. Significa, mais concretamente, a recomendação de não priorizar essa atividade no investimento de recursos limitados, por falta de evidências concretas sobre sua efetividade na redução da mortalidade materna.

Tecnologias apropriadas

Em todo o século XX, e em especial em sua segunda metade, observou-se uma tendência acentuada em todo o mundo, e também nos países em desenvolvimento, da medicalização e instrumentalização da atenção obstétrica. Paralelamente ao conhecimento sobre a institucionalização do nascimento e suas evidentes conseqüências sobre a melhoria da morbidade e mortalidade tanto materna quanto perinatal, houve uma tendência, ainda em ascenção em muitos lugares, de aumento exagerado da utilização de alguns procedimentos como o parto por cesárea, o uso rotineiro da episiotomia, a monitorização fetal eletrônica e o uso rotineiro de ocitocina. Embora admitindo a utilidade destes procedimentos em muitas situações associadas à gravidez e ao parto, de maneira alguma é válida ou foi comprovada a associação automática da utilização destes recursos de forma alargada para gestações de baixo risco com bons resultados. Ao contrário, existem múltiplas evidências mostrando que sua utilização em situações e proporções além do necessário associa-se com aumento da morbidade materna, mortalidade materna e morbidade perinatal8.

Com relação às tecnologias obstétricas apropriadas para o manejo de complicações maternas durante o trabalho de parto, sobretudo para aquelas mais freqüentes em locais de parcos recursos para o setor saúde, existem muitas evidências sobre a efetividade de um conjunto de procedimentos, condutas e terapêuticas para seu controle. O manejo do parto obstruído, ainda responsável por importante parcela da mortalidade materna no mundo em desenvolvimento, provavelmente constitui bom exemplo desta situação. O parto obstruído ainda ocorre apesar da existência de procedimentos para sua prevenção ou controle, como o uso rotineiro do partograma, a disponibilidade de salas para a realização de procedimentos cirúrgicos, como cesárea ou vácuo-extração, contando com adequação técnica de equipamentos e de recursos humanos. Outras condições têm efetividade confirmada neste contexto, como a prevenção da convulsão na eclâmpsia pela utilização do sulfato de magnésio, a prevenção da sepse puerperal pelo uso de antibioticoterapia profilática sistemática nos casos de cesárea, e também a prevenção da hemorragia puerperal pela utilização dos procedimentos do manejo ativo do terceiro período, o uso de ocitocina ou misoprostol como drogas uterotônicas, a tração controlada do cordão umbilical e a massagem uterina abdominal suave até a dequitação9,10.

Já as auditorias sobre procedimentos em atenção à saúde perinatal, como os inquéritos confidenciais e retrospectivos sobre a ocorrência de mortes maternas, de morbidade materna grave (near miss) e sobre determinados procedimentos como cesárea ou episiotomia, mostram ter pequena efetividade para a diminuição da mortalidade materna. Ao contrário, políticas públicas especificamente dirigidas à redução das mortes maternas, projetos para reduzir na população as barreiras financeiras para assistência materna de qualidade, a disponibilidade de serviços maternos acessíveis e sem custo, o aumento do número de obstetrizes qualificadas para a adequada atenção ao parto, além do desenvolvimento de sistemas de vigilância epidemiológica no futuro para a prevenção do óbito materno, mostram melhor capacidade em diminuir a ocorrência dos óbitos maternos11.

Assim, nova abordagem com relação à morte materna se encontra no conceito de near miss materna, ou seja, a morbidade materna grave que representa o estágio imediatamente anterior à ocorrência do óbito. A auditoria sobre a ocorrência desta morbidade materna grave, ou seja, dos casos de near miss, sobretudo se realizada de maneira rotineira, prospectiva e com o objetivo de funcionar como verdadeiro sistema de vigilância epidemiológica, provavelmente poderia estar associada à obtenção de um melhor resultado, se medidas adequadas e em tempo adequado fossem instituídas com o propósito de alterar a seqüência da cadeia de eventos mórbidos que culminariam com o óbito12-15.

Local do parto

Devido ao processo de institucionalização e instrumentalização do nascimento, os partos passaram a ser gradualmente atendidos inicialmente em salas de parto, até culminar com salas cirúrgicas com todos os cuidados de anti-sepsia recomendados para procedimentos cirúrgicos abertos. Evidentemente que isso acabou acontecendo com uma justificativa bem intencionada de que a disponibilidade de serviços obstétricos de emergência são capazes de, de fato, reduzir a mortalidade materna16. Essa é tendência que persiste até os dias de hoje nos países em desenvolvimento, embora nos países desenvolvidos esteja ocorrendo movimento contrário, por força da corrente de humanização em todas as áreas da sociedade, que inclui o parto atendido domiciliarmente, o apoio psico-social e o parto hospitalar nas chamadas LDR (labor and delivery room). No Brasil existe também um processo de mudança, ainda que incipiente, firme no sentido de resgatar valores humanísticos e de qualidade de atenção ao nascimento, respeitando a determinação e o direito das mulheres e dos casais. No Brasil, estas salas especiais, onde a mulher tem, em ambiente agradável, preferentemente sem a "cara" de hospital, seu trabalho de parto, parto e puerpério imediato, atendidos por profissionais capacitados mas também sensibilizados com as necessidades individuais e humanas das mulheres, receberam o nome de salas PPP (de pré-parto, parto e puerpério). O Ministério da Saúde refere que as salas tradicionais de parto podem ser boas para a comodidade do médico, mas representam um incômodo para a mulher, ao passo que as salas PPP conseguem reduzir a ocorrência de cesáreas e aumentar a de partos vaginais3.

Posição para o parto

Até bem recentemente, a posição de litotomia, também chamada de ginecológica, com o dorso materno na horizontal, com as coxas fletidas, abduzidas e sustentadas por perneiras, era a posição clássica ainda adotada para o nascimento da imensa maioria dos brasileiros. Entretanto, já há algumas décadas tem surgido a preocupação com a melhor posição para o parto, com várias indicações de que quaisquer alternativas à posição tradicional seriam mais efetivas e mais seguras. De fato, uma grande revisão sistemática da Biblioteca Cochrane demonstra que qualquer posição materna elevada ou lateral, comparativamente com a posição supina ou de litotomia (Tabela 1), está associada à redução do tempo do segundo período do parto (expulsivo), redução da necessidade de partos assistidos, de episiotomias, da sensação dolorosa no expulsivo e das alterações da freqüência cardíaca fetal. Por outro lado, parece haver aumento de roturas perineais de segundo grau e da perda sanguínea superior a 500 ml17.

Entre as vantagens da posição verticalizada ou lateral sobre a dorsal/horizontal, estão a diminuição da sensação de desconforto durante os esforços de puxos no período expulsivo, a diminuição da posterior ocorrência de infecção na incisão e também a redução na proporção de recém-nascidos com índices de Apgar inferior a 7. Desta maneira, a recomendação genérica, praticamente consensual entre os autores, é de evitar a posição horizontal durante o período expulsivo4,17. Assim, com relação a este tópico, recomenda o Ministério da Saúde que "a mulher deve ser permitida e encorajada a adotar a posição que preferir para seu parto e os profissionais devem respeitá-la, saber dos benefícios potenciais da posição elevada para o parto e estarem treinados a utilizá-la"3.

Ainda em relação à posição, o aspecto relativo à movimentação da parturiente durante o período de dilatação tem sido discutido. Tradicionalmente as gestantes são internadas nas maternidades e mantidas deitadas em camas de pré-parto, geralmente sem direito a deambulação, em jejum e desacompanhadas. O conhecimento atual sobre estes pontos tem evoluído muito ultimamente e hoje já se sabe que a mobilidade durante o trabalho de parto tem várias vantagens, incluindo o aumento das contrações que ajudam a dilatação cervical, maior conforto materno e diminuição da necessidade de uso de analgésicos4,18. Além disso, a adequada utilização de alimentos e bebidas durante o trabalho de parto é recomendada para melhorar os resultados fetais e o bem-estar materno4,19.

Episiotomia

Embora não existam dados precisos sobre a utilização da episiotomia na atenção aos partos vaginais no Brasil, sabe-se que pode ser considerada como um dos procedimentos cirúrgicos mais freqüentemente utilizados no sistema público no país. Tal fato provavelmente se deva à clássica orientação da Obstetrícia brasileira de realizar rotineiramente este procedimento em todos os partos vaginais assistidos, orientação bastante comum em toda América Latina. No contexto atual de investigação da efetividade de todos os procedimentos associados ao nascimento e dos princípios de humanização da atenção em contrabalanço com as técnicas medicamente justificadas, chama a atenção a prevalência exageradamente elevada de episiotomias entre os partos na América Latina e a prevalência reduzida em alguns países da Europa, considerados como tendo uma atenção ao nascimento de qualidade20.

Nesse contexto surgiram propostas de avaliação científica da real efetividade do procedimento em várias situações de partos vaginais. Uma revisão sistemática dos resultados destes estudos demonstrou que quando se compara uma política de uso restrito de episiotomia (apenas em alguns poucos casos selecionados considerados, sob julgamento clínico, com maior probabilidade de roturas perineais maiores) com seu uso rotineiro, observa-se que ocorre diminuição de traumas perineais posteriores, de necessidade de sutura e de complicações relacionadas com a cicatrização. Em contrapartida, ocorre pequeno aumento da ocorrência de traumas perineais anteriores e nenhuma modificação com relação à ocorrência de traumas vaginais, dispareunia e dores. Assim, recomenda-se uma política de uso restrito da episiotomia20. Em contextos de elevada freqüência de uso, como é o caso brasileiro, demonstrou-se também que uma política de uso restrito está também associada à diminuição de custos para o sistema público de saúde21.

Apoio psico-social

Historicamente durante o parto as mulheres eram atendidas por outras mulheres, no ambiente familiar. Com o processo de institucionalização do parto, as mulheres foram levadas para os hospitais e lá deixadas isoladas da família. Atualmente há preocupação mundial com o retorno para um apoio contínuo à mulher durante todo o trabalho de parto, fornecido ou por profissionais de saúde ou por leigos. Uma revisão sistemática envolvendo 15 ensaios clínicos com 12.791 mulheres, no qual se comparou o apoio contínuo (presença de acompanhante durante todo o trabalho de parto para apoiar, ouvir, estimular, massagear e confortar a gestante) com o cuidado rotineiro sem esse apoio, mostrou que o apoio contínuo esteve associado com menor necessidade de analgesia, parto operatório e proporção de experiências não satisfatórias com o nascimento (Tabela 2). Estes benefícios foram ainda mais notáveis quando o apoio foi fornecido por alguém que não fosse da equipe do hospital, quando iniciado precocemente no trabalho de parto e em locais onde a analgesia de parto não estava rotineiramente disponível22. Existem ainda evidências de que os benefícios desta intervenção podem-se manifestar ainda mais tardiamente com relação ao momento do nascimento, incluindo um melhor e mais freqüente processo de aleitamento materno e menor ocorrência de depressão puerperal23.

Tipo de parto

É bastante conhecido que a América Latina apresenta as mais elevadas taxas de cesárea entre todos os países do mundo24. Especificamente para o Brasil estas taxas eram as maiores do planeta até 1997, quando foram suplantadas pelas do Chile, que apresentam tendência de crescimento. Com as medidas governamentais implantadas no Brasil a partir de 1998, foi possível deter e até mesmo reduzir um pouco as taxas de cesárea no país. Embora, evidentemente por motivos éticos, não existam ensaios clínicos controlados comparando o parto vaginal com a cesárea, com relação a uma série de resultados maternos e perinatais como seria desejado, todas as evidências indiretas ou provenientes de estudos observacionais têm demonstrado genericamente vantagem do parto vaginal comparativamente à cesárea.

Além de uma série de complicações mais relacionadas ao parto por cesárea do que ao parto vaginal, vários estudos têm também demonstrado um risco relativo de morte materna maior para o parto por cesárea em relação ao vaginal, principalmente associado à ocorrência de complicações hemorrágicas, infecciosas, embolia pulmonar e acidentes anestésicos3. É bem verdade que, em vários contextos, a falta de acesso à cesárea, como de resto a todos os procedimentos de atenção obstétrica de emergência, pode representar o risco maior de morte materna25.

De fato, as taxas elevadas de cesáreas constituem um problema do sistema de saúde dos países em desenvolvimento. Mesmo não considerando os riscos médicos associados a este procedimento, outras vantagens econômicas para o sistema são observadas com a redução destas taxas, tanto no serviço público quanto no privado. Várias iniciativas para implementar programas ou políticas de contenção dos níveis alarmantemente elevados de cesárea têm sido feitas. Entre elas, destacam-se a elaboração de guias de condutas baseadas em evidências científicas, estímulo à realização de prova de trabalho de parto em mulheres com cicatriz de cesárea anterior, além da política de solicitar uma segunda opinião antes de realizar uma cesárea não emergencial3,26,27.

Uso de ocitócicos na fase ativa

No contexto da utilização de tecnologias e procedimentos para instrumentalização do parto, ocorreu uma tendência de utilização rotineira de ocitócicos durante a fase ativa do período de dilatação, de maneira isolada ou associadamente a outros procedimentos, como a rotura artificial de membranas, caracterizando o chamado manejo ativo do trabalho de parto (AMOL active management of labor). O estudo da utilização de tais procedimentos mostra, além de real encurtamento do período total do trabalho de parto, que não houve nenhum benefício adicional. Por esse motivo, o uso rotineiro de ocitócicos deve ser evitado durante a fase ativa do trabalho de parto, a menos que haja necessidade clara para corrigir hipossistolia, incoordenação da contratilidade miometrial ou distocia funcional. Quando não há uma dessas indicações, sua utilização implica dificuldade para a deambulação da mulher, além da possibilidade de efeitos colaterais, como a taquissistolia, hipertonia, hiperestimulação uterina, rotura uterina e até sofrimento fetal agudo3.

Puxos maternos no período expulsivo

Após completado o primeiro período do parto, o período de dilatação, com a dilatação completa, inicia-se o período expulsivo no qual, além das contrações uterinas, existe o sinergismo dos esforços maternos de puxos, com a contração da musculatura abdominal que provoca um aumento da pressão intra-abdominal. Esses esforços acontecem de forma involuntária no final do período expulsivo, sendo curtos e espontâneos. Existe prática bastante comum no país de se tentar abreviar o período expulsivo, orientando a parturiente a proceder esforços de puxos voluntários, longos e dirigidos, geralmente acompanhados de apnéia forçada pela manobra de Valsalva. Embora essa prática esteja, de fato, associada a uma diminuição da duração do período expulsivo, por outro lado associa-se à diminuição do pH umbilical fetal e do índice de Apgar ao nascimento. Por esse motivo, em partos eutócicos de gestações de baixo risco, a recomendação genérica é permitir que a mulher faça os esforços de puxo mais curtos e espontaneamente3.

Dequitação e profilaxia da hemorragia puerperal

A recomendação tradicional obstétrica para a dequitação é aguardar o tempo necessário para que o descolamento da placenta ocorra de forma espontânea. Existe ainda hoje muita controvérsia sobre qual o período, após o nascimento, que caracterizaria dequitação prolongada ou retenção de placenta que justificasse procedimentos mais invasivos, incluindo o uso de drogas, retirada manual da placenta, curagem e curetagem. A preocupação é, evidentemente, com as complicações associadas à dequitação, sobretudo as complicações hemorrágicas. Se, por um lado, a atitude mais conservadora de aguardar espontaneamente a dequitação e de só intervir se complicações de fato acontecerem representa boa opção para contextos em que haja disponibilidade imediata de recursos de atenção obstétrica de emergência, o mesmo não é válido para outros, nos quais espera maior pode representar o risco de hemorragia, sem os recursos adequados para seu manejo. Assim, após vários estudos internacionais multicêntricos, a recomendação final da Organização Mundial da Saúde, principalmente para países em desenvolvimento, é de se proceder ao chamado "manejo ativo do terceiro período", que inclui a utilização profilática de 10 UI de ocitocina por via intramuscular na mulher logo após a liberação do ombro anterior do feto (existem preparações comerciais específicas para essa situação, incluindo a seringa, para utilização em locais de menores recursos), seguida da tração controlada do cordão e de leve massagem uterina suprapúbica. Os resultados demonstram que essa conduta é capaz de reduzir significativamente a ocorrência de hemorragia do período puerperal e a morbidade e mortalidade a ela associada3,28.

Considerações Finais

Estes foram apenas alguns dos exemplos julgados mais relevantes das intervenções cujo uso recomendado no momento do parto está associado, por meio de evidências científicas, com redução do risco de morbidade e mortalidade materna29. Ainda que o resultado final de maior relevância, o de prevenir mortes, seja difícil de ser avaliado pela baixa freqüência, sua utilização de forma racional e padronizada, por meio de manuais e normatizações de condutas de serviços ou ainda de municípios ou países, tem efeito positivo sobre a qualidade de atenção ao nascimento, inserido no contexto técnico e humano do direito que toda mulher tem ao melhor atendimento possível nesse momento tão especial de sua vida.

Correspondência: José Guilherme Cecatti

Caixa Postal 6181 - 13084-970 Campinas SP - Fone: 019-37889482 - e-mail: cecatti@unicamp.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2005
  • Data do Fascículo
    Jun 2005
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