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Ansiedade no puerpério: prevalência e fatores de risco

Postpartum anxiety: prevalence and risk factors

Resumos

OBJETIVOS: estimar a prevalência de ansiedade puerperal (AP) e fatores de risco associados, em amostra de mulheres de clínica privada. MÉTODOS: foi realizado estudo de corte transversal com 299 mulheres, atendidas em consulta ginecológica de rotina, durante o período de agosto de 2000 a maio de 2003. Foram utilizados o STAIT (Spielberger State-Trait Anxiety Inventory), para avaliação de ansiedade puerperal, e um questionário com dados sociodemográficos e obstétricos. Os critérios de inclusão foram: puérperas sem história atual ou passada de depressão ou tratamento psiquiátrico, alcoolismo ou abuso de drogas e cujos filhos estavam vivos. As prevalências de AP-traço e AP-estado que avaliam, respectivamente, características de personalidade e ansiedade transitória, segundo o STAIT, foram estimadas, conjuntamente com o intervalo de confiança (IC) 95%. Estimaram-se os odds ratios (OR) e os intervalos de confiança de 95%, na avaliação da associação entre AP e as variáveis explicativas. Utilizou-se o teste do chi2 ou chi2 de tendência, quando as categorias foram ordenadas para análise estatística. Valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo. RESULTADOS: a prevalência de AP foi de 44,8 (IC 95%: 39,1 - 50,7), para AP-estado, e 46,1% (IC 95%: 40,4 - 52,0), para AP-traço. A concordância formal entre as escalas foi moderada (kappa = 0,55, p<0,001). Na análise multivariada, AP-traço e AP-estado se associaram com maior renda da mulher (OR:0,39; IC 95%: 0,21 - 0,74, p=0,005); (OR: 0,46; IC 95%: 0,24 - 0,87, p=0,02) e com presença de intercorrências com o recém-nascido (OR:2,15; IC 95%: 1,02 - 4,54, p=0,04; OR:2,47; IC 95%: 1,16 - 5,25, p=0,02), respectivamente. AP-traço se associou com maior faixa etária (OR: 0,34; IC 95%: 0,13 - 0,88, p=0,008), ao passo que AP-estado se associou com maior número de filhos vivos (OR:1,82; IC 95: 1,01 - 3,29, p=0,04). CONCLUSÕES: AP foi muito prevalente nesta amostra de mulheres atendidas em clínica privada. Maior renda e maior faixa etária da mulher diminuem o risco, ao passo que a presença de intercorrências com o recém-nascido e maior número de filhos vivos aumentam o risco de AP.

Ansiedade; Transtornos puerperais; Fatores de risco; Prevalência


PURPOSE: postpartum anxiety (PPA) is highly prevalent and has important consequences on mother and newborn. The aim of the present study was to estimate the prevalence of PPA and its risk factors, in a sample of women attending a private setting. METHODS: a cross-sectional study was performed with 299 women, at a routine gynecological visit, from August 2000 to May 2003. The Spielberger State-Trait Anxiety Inventory (STAIT) and a questionnaire with sociodemographic data and obstetric data were used. Inclusion criteria were: women with no past or present history of depression, psychiatric treatment, alcohol or drug abuse and whose children were alive. The prevalences of PPA-trace and PPA-state, that evaluate characteristics of personality and transitory anxiety, respectively, were estimated with 95% confiance intervals (CI). Odds ratios and 95% CI were used to examine the association between PPA and exposure variables. Hypothesis testing was done by the chi2 test or chi2 test for linear trend, when categories were ordered. A p value < 0.05 was considered to be statistically significant. RESULTS: the prevalences of PPA-state and PPA-trace were 44.8% (CI 95%: 39.1 - 50.7) and 46.1% (CI 95%: 40.4 - 52.0, respectively). Formal agreement between scales was moderate (kappa = 0.55; p<0.001). By univariate analysis, lower mother income and presence of newborn complications were associated with PPA-state and PPA-trace. Lower maternal age and greater number of alive children were associated with PPA-trace and PPA-state, respectively. By multivariate analysis, PPA-trace and PPA-state were associated with higher mother income (OR:0.39; IC 95%: 0.21 - 0.74, p=0,005; OR:0.46; IC 95%: 0.24 - 0.87, p=0.02) and presence of complications in newborns (OR:2.15; IC 95%: 1.02 - 4.54, p=0.04) (OR:2.47; IC 95%: 1.16 - 5.25, p=0.02), respectively. PPA-trace was associated with greater maternal age (OR:0.34; IC 95%: 0.13 - 0.88, p=0.008), while PPA-state was associated with greater number of alive children (OR:1.82; IC 95%: 1.01 - 3.29, p=0.04). CONCLUSIONS: PPA was highly prevalent in this sample of women attending a private setting. Higher mother income and greater maternal age decrease the risk of AP, while presence of complications in newborns and greater number of alive children increase the risk.

Anxiety; Puerperal disorders; Risk factors; Prevalence


ARTIGOS ORIGINAIS

Ansiedade no puerpério: prevalência e fatores de risco

Postpartum anxiety: prevalence and risk factors

Alexandre Faisal-CuryI; Paulo Rossi MenezesII

IPós-Doutorando pelo Núcleo de Epidemiologia do Hospital Universitário - HU - São Paulo (SP), Brasil

IIChefe do Núcleo de Epidemiologia do Hospital Universitário de São Paulo; Professor Associado do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Alexandre Faisal-Cury Rua Dr Mário Ferraz 135/32 – Jd Paulistano 01453-010 – São Paulo – SP Tel/Fax: (11) 3683-8196 e-mail: faisal@hu.usp.br

RESUMO

OBJETIVOS: estimar a prevalência de ansiedade puerperal (AP) e fatores de risco associados, em amostra de mulheres de clínica privada.

MÉTODOS: foi realizado estudo de corte transversal com 299 mulheres, atendidas em consulta ginecológica de rotina, durante o período de agosto de 2000 a maio de 2003. Foram utilizados o STAIT (Spielberger State-Trait Anxiety Inventory), para avaliação de ansiedade puerperal, e um questionário com dados sociodemográficos e obstétricos. Os critérios de inclusão foram: puérperas sem história atual ou passada de depressão ou tratamento psiquiátrico, alcoolismo ou abuso de drogas e cujos filhos estavam vivos. As prevalências de AP-traço e AP-estado que avaliam, respectivamente, características de personalidade e ansiedade transitória, segundo o STAIT, foram estimadas, conjuntamente com o intervalo de confiança (IC) 95%. Estimaram-se os odds ratios (OR) e os intervalos de confiança de 95%, na avaliação da associação entre AP e as variáveis explicativas. Utilizou-se o teste do c2 ou c2 de tendência, quando as categorias foram ordenadas para análise estatística. Valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

RESULTADOS: a prevalência de AP foi de 44,8 (IC 95%: 39,1 - 50,7), para AP-estado, e 46,1% (IC 95%: 40,4 - 52,0), para AP-traço. A concordância formal entre as escalas foi moderada (kappa = 0,55, p<0,001). Na análise multivariada, AP-traço e AP-estado se associaram com maior renda da mulher (OR:0,39; IC 95%: 0,21 - 0,74, p=0,005); (OR: 0,46; IC 95%: 0,24 - 0,87, p=0,02) e com presença de intercorrências com o recém-nascido (OR:2,15; IC 95%: 1,02 - 4,54, p=0,04; OR:2,47; IC 95%: 1,16 - 5,25, p=0,02), respectivamente. AP-traço se associou com maior faixa etária (OR: 0,34; IC 95%: 0,13 - 0,88, p=0,008), ao passo que AP-estado se associou com maior número de filhos vivos (OR:1,82; IC 95: 1,01 - 3,29, p=0,04).

CONCLUSÕES: AP foi muito prevalente nesta amostra de mulheres atendidas em clínica privada. Maior renda e maior faixa etária da mulher diminuem o risco, ao passo que a presença de intercorrências com o recém-nascido e maior número de filhos vivos aumentam o risco de AP.

Palavras-chave: Ansiedade; Transtornos puerperais; Fatores de risco; Prevalência

ABSTRACT

PURPOSE: postpartum anxiety (PPA) is highly prevalent and has important consequences on mother and newborn. The aim of the present study was to estimate the prevalence of PPA and its risk factors, in a sample of women attending a private setting.

METHODS: a cross-sectional study was performed with 299 women, at a routine gynecological visit, from August 2000 to May 2003. The Spielberger State-Trait Anxiety Inventory (STAIT) and a questionnaire with sociodemographic data and obstetric data were used. Inclusion criteria were: women with no past or present history of depression, psychiatric treatment, alcohol or drug abuse and whose children were alive. The prevalences of PPA-trace and PPA-state, that evaluate characteristics of personality and transitory anxiety, respectively, were estimated with 95% confiance intervals (CI). Odds ratios and 95% CI were used to examine the association between PPA and exposure variables. Hypothesis testing was done by the c2 test or c2 test for linear trend, when categories were ordered. A p value < 0.05 was considered to be statistically significant.

RESULTS: the prevalences of PPA-state and PPA-trace were 44.8% (CI 95%: 39.1 - 50.7) and 46.1% (CI 95%: 40.4 - 52.0, respectively). Formal agreement between scales was moderate (kappa = 0.55; p<0.001). By univariate analysis, lower mother income and presence of newborn complications were associated with PPA-state and PPA-trace. Lower maternal age and greater number of alive children were associated with PPA-trace and PPA-state, respectively. By multivariate analysis, PPA-trace and PPA-state were associated with higher mother income (OR:0.39; IC 95%: 0.21 - 0.74, p=0,005; OR:0.46; IC 95%: 0.24 - 0.87, p=0.02) and presence of complications in newborns (OR:2.15; IC 95%: 1.02 - 4.54, p=0.04) (OR:2.47; IC 95%: 1.16 - 5.25, p=0.02), respectively. PPA-trace was associated with greater maternal age (OR:0.34; IC 95%: 0.13 - 0.88, p=0.008), while PPA-state was associated with greater number of alive children (OR:1.82; IC 95%: 1.01 - 3.29, p=0.04).

CONCLUSIONS: PPA was highly prevalent in this sample of women attending a private setting. Higher mother income and greater maternal age decrease the risk of AP, while presence of complications in newborns and greater number of alive children increase the risk.

Keywords: Anxiety; Puerperal disorders; Risk factors; Prevalence

Introdução

Nos últimos 20 anos, houve grande desenvolvimento na pesquisa da depressão puerperal, avaliando sua etiologia, prevalência e evolução1. No entanto, apesar das evidências de que ansiedade puerperal (AP) é fenômeno comum, ela não tem sido tão estudada quanto a depressão. De fato, o puerpério parece ser período de maior risco para o surgimento ou piora de distúrbios ansiosos, que nesta fase apresentam características particulares e causam problemas específicos2. Admite-se que os distúrbios ansiosos sejam mais freqüentes que os quadros depressivos e que, apesar de a associação entre ansiedade e depressão ser comum, nem todos pacientes ansiosos são deprimidos3. No puerpério, as prevalências de ansiedade, segundo diferentes instrumentos de auto-avaliação, varia de 4,9 a 16,8%4-7. Admite-se a existência de bases biológicas na ocorrência dos transtornos ansiosos do puerpério, o que inclui alterações na concentração de alguns mediadores da resposta imune, como interleucina 6, 1 e prolilendopeptidade, em primíparas8.

Existem evidências de que a ansiedade materna tem efeito negativo sobre a galactopoese9 e sobre a qualidade do vínculo mãe-bebê10,11, justificando a adoção de medidas terapêuticas e preventivas. Como o assunto é recente e controverso, diversos autores defendem também a necessidade de estudos sobre o uso de tratamentos farmacológicos e não farmacológicos, nos casos indicados12-14. Não foram encontrados trabalhos, na literatura nacional, abordando esta questão.

O objetivo deste trabalho é estimar a prevalência da AP e sua associação com variáveis sociodemográficas e obstétricas.

Métodos

Este estudo faz parte de projeto de pesquisa sobre ansiedade e depressão no ciclo gravídico-puerperal. São apresentados aqui os dados relativos à prevalência de ansiedade. Foi realizado estudo transversal com 299 mulheres, após o primeiro mês do puerpério, atendidas em clínica privada, na cidade de Osasco, durante o período de agosto de 2000 a maio de 2003. Foram incluídas puérperas sem história atual ou passada de depressão ou tratamento psiquiátrico, alcoolismo ou abuso de drogas e cujo filho estava vivo. As participantes foram atendidas sempre pelo mesmo profissional, por ocasião de consultas de rotina ginecológica, visando, na maior parte dos casos, orientação contraceptiva e prevenção de câncer ginecológico, após o parto.

O Inventário de Ansiedade Traço e Estado de Spielberger (STAIT)15, uma das escalas mais utilizadas em pesquisas sobre ansiedade, foi empregado para avaliação de AP, nesta população. No Brasil, o STAIT foi validado na década de 7016,17. Trata-se de instrumento de auto-avaliação, composto de duas subescalas com 20 itens. A subescala ansiedade-estado avalia ansiedade transitória ou momentânea. Ansiedade-estado é conceituada como condição emocional transitória, caracterizada por estado subjetivo de tensão, associado ao aumento da atividade do sistema nervoso autônomo. A subescala ansiedade-estado inclui questões como: "Estou relaxada", "Sinto-me nervosa", "Sinto-me ansiosa". A subescala ansiedade-traço avalia tendência para ansiedade ou ansiedade em geral. Reflete característica estável da pessoa que reage com ansiedade diante de situações consideradas ameaçadoras ou estressantes. A subescala ansiedade-traço inclui questões como: "Sou uma pessoa estável", "Deixo-me afetar muito pelas coisas", "Preocupo-me demais com coisas sem importância". A puérpera pode atribuir valores que variam de 0 a 4, correspondentes à freqüência do sintoma avaliado. As mulheres cujos escores somam mais de 40 em cada uma das subescalas do STAIT são classificadas como casos de AP, estado ou traço. A consistência interna varia de 0,86-0,95, para subescala estado, e de 0,89-0,91, para a subescala traço15.

Empregou-se também questionário para obtenção de informações sobre características das puérperas que poderiam estar associadas à AP. Os dados demográficos incluíram informações do casal sobre idade, religião, renda pessoal e familiar, raça, tempo de casamento e grau de instrução. As informações referentes à mãe incluíram: antecedentes obstétricos, número de abortos prévios e número de crianças vivas em casa. Foram investigados os dados obstétricos recentes, como tipo e tempo decorrido após o parto, sexo e peso do recém-nascido, presença e tipo de aleitamento, além de eventuais intercorrências com a mãe ou recém-nascido no pós-parto. União consensual foi definida quando pai e mãe habitavam o mesmo lar no momento do parto, independente do estado civil ou religioso. Considerou-se aleitamento materno exclusivo quando o lactente recebeu somente leite materno, diretamente da mama ou extraído, e nenhum outro líquido ou sólido, com exceção de gotas ou xaropes de vitaminas, minerais e/ou medicamentos.

A prevalência de AP, estado ou traço, segundo o STAIT foi estimada, conjuntamente com o intervalo de confiança (IC). Estimaram-se OR (odds ratios) e os IC 95%, na avaliação da associação entre AP e demais variáveis. Utilizou-se o teste do c2 e c2 de tendência, quando as categorias fossem ordenadas, e o teste exato de Fisher quando indicado para análise estatística. Foi avaliada a concordância formal entre as subescalas, por meio do cálculo do coeficiente kappa. Valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo. A análise estatística foi realizada utilizando-se o programa de computação Stata 8. O Comitê de Ética Médica da Maternidade Dr. Cury aprovou o projeto de pesquisa.

Resultados

As mulheres eram predominantemente brancas (78,5%), católicas (68,3%) e viviam consensualmente com seus parceiros (95,2%). A média de idade foi de 26,2 anos (dp = 5,5), variando de 14 a 40 anos. Pouco menos da metade das mulheres (46,8%) tinham tido o primeiro filho. Cerca de 81% das mulheres não tinham história de aborto prévio. O tempo médio de casamento foi de 4,4 anos (dp = 3,5), com variação de menos de 1 a 20 anos. Apenas 20,3% das mulheres tinham somente primeiro grau completo ou incompleto e 14,3% tinham superior completo ou incompleto. A renda média do casal foi de R$ 1482,00 (dp = R$ 1352,00). Apenas 28 mulheres (9,4%) tinham tido seus partos há mais de 12 meses. Quanto às demais, 117 (39,6%) estavam nos primeiros três meses e 150 (50,8%) estavam entre o quarto e o décimo segundo mês do puerpério.

A prevalência de AP, de acordo com o STAIT, foi de 44,8% (IC 95%: 39,1 a 50,7) para ansiedade-estado e 46,1% (IC 95%: 40,4 a 52,0), para ansiedade-traço. Na análise univariada, menor renda da mulher e presença de intercorrências no puerpério se associaram com AP-estado e AP-traço. Menor faixa etária e maior número de filhos vivos se associaram com AP-traço e AP-estado, respectivamente (Tabelas 1 e 2). Na análise multivariada, AP-traço e AP-estado se associaram com maior renda da mulher (OR: 0,39; IC 95%: 0,21 - 0,74, p=0,005: OR: 0,46; IC 95%: 0,24 - 0,87, p=0,02) e com presença de intercorrências com o recém-nascido (OR: 2,15; IC 95%: 1,02 - 4,54, p=0,04; (OR: 2,47; IC 95%: 1,16 - 5,25, p=0,02), respectivamente. AP-traço se associou com maior faixa etária (OR: 0,34; IC 95%: 0,13 - 0,88, p=0,008), enquanto AP-estado se associou com maior número de filhos vivos (OR: 1,82; IC 95%: 1,01 - 3,29, p=0,04) (Tabela 3). A concordância formal entre as escalas foi moderada (k = 0,55; p<0,001).

Discussão

Algumas limitações do estudo devem ser mencionadas antes de discutirmos os dados encontrados. O desenho do estudo, transversal, não permite estabelecer inferências causais entre AP e as variáveis sociodemográficas e obstétricas estudadas. Não se pode afirmar se o nível de ansiedade era causa ou conseqüência das variáveis explicativas estudadas, relacionadas à gravidez/parto. Também não participaram desta amostra puérperas com histórico de tratamento psiquiátrico, uso de drogas e alcoolismo, o que deve levar a uma subestimativa da prevalência de ansiedade. Quanto ao número de dados perdidos ou não classificados, ele variou conforme as variáveis explicativas. Variáveis como renda do casal, da mulher e tempo de casamento apresentaram o maior número de dados faltantes (17,8, 16,4 e 13,8%). Outro aspecto é que este estudo baseia-se no uso de escala de auto-avaliação e não em critérios psiquiátricos para a classificação dos casos de AP. A prevalência de transtornos de ansiedade baseada em critérios clínicos psiquiátricos provavelmente seria menor que a observada no presente estudo. De fato, o emprego do STAIT na gravidez é bastante controverso. A escala foi validada em estudo nacional que comparou estudantes universitários, pacientes com síndrome do pânico e depressão. A média do STAIT para pacientes ansiosos foi de 52,8 (dp = 11,4), enquanto a média para o grupo de estudantes foi de 40,7 (dp = 8,6)18. Se utilizássemos o mesmo critério do referido trabalho para classificação de pacientes muito ansiosos (ponto de corte acima de 49), obteríamos prevalência muito mais baixa, no nosso estudo: 29,8% para AP-estado e 24,1% para AP-traço. No presente estudo, observamos média de 41,0 para as duas subescalas. Outros autores calcularam as médias para o STAIT, em gestantes. Estudo francês com 634 gestantes, após a segunda metade da gestação, observou as seguintes médias: ansiedade-traço (36,4) e ansiedade-estado (38,8)19. Outro trabalho com menor número de mulheres encontrou média de 34,9, entre a 23 e a 31 semanas de gravidez20. Deste modo, o fato de termos classificado os casos baseados no escore acima de 40 pode ter superestimado a prevalência do problema. Para contornar este distúrbio, alguns autores optaram por comparar apenas gestantes com escores mais altos e mais baixos, encontrando 20% de mulheres com alta ansiedade21. Ainda em relação ao STAIT, autores consideram que se trata de instrumento que mede genericamente ansiedade, questionando sua validade para grávidas e o tipo de ansiedade que ele avalia22. Por exemplo, autores exploraram a estabilidade da escala com instrumento de mensuração de ansiedade em gestantes e concluíram que, próximo do parto, a confiabilidade do teste-reteste para a subescala traço era baixa23. O uso de instrumentos não específicos para avaliação de ansiedade na gravidez e puerpério é um dos aspectos mais destacados nos estudos nesta área. Apesar de o STAIT ser um dos instrumentos mais usados por diversos pesquisadores em grávidas, o desenvolvimento de instrumentos mais específicos para este período estaria indicado. O adequado conhecimento dos motivos que levam a mulher a estar ansiosa (por exemplo, a saúde do bebê, medo do parto, etc.) pode ser útil para diferenciar os sintomas que estariam dentro de limites normais para o período daqueles que ensejam acompanhamento clínico12.

Por outro lado, considera-se que apesar do risco de sobreposição de sintomas ansiosos e depressivos, com o uso do STAIT, o instrumento fornece adequada medida dos níveis basais de ansiedade na gestante24.

A existência de importante comorbidade entre depressão e ansiedade é realmente problema a ser considerado, justificando o maior número de trabalhos que abordaram concomitantemente os dois grupos de sintomas. Neste grupo de grávidas é possível que a alta prevalência de ansiedade (cerca de 45%) seja explicada, parcialmente, pela associação com depressão. No entanto, existem autores que consideram que ansiedade é mais prevalente do que depressão. Estudo transversal25 nos Estados Unidos, com 147 mulheres na oitava semana do puerpério, avaliadas por meio de entrevistas clínicas psiquiátricas e instrumentos de auto-avaliação, mostrou que as taxas de ansiedade generalizada neste grupo eram comparáveis às da população. Os autores observaram que 8,2% tinham critérios clínicos de ansiedade generalizada e 19,7% apresentavam quadro subsindrômico. Dependendo, porém, do tipo de ansiedade avaliada, entre 10 e 50% das mulheres que apresentavam ansiedade também apresentavam sintomas depressivos. Constatou-se também que diferentes fatores predizem sintomas de depressão e ansiedade, que foi mais prevalente. Outro estudo australiano avaliou prospectivamente dois grupos de mulheres, num total de 408 primigestas até a 6ª semana do puerpério, observando que enquanto a incidência de depressão maior/menor variou de 2,6 a 5,6%, a incidência de distúrbios ansiosos puros variou de 10,4 a 16,2%3. A avaliação foi realizada por meio de entrevista e instrumento baseado em critérios diagnósticos do DSM-IV, o que possivelmente justifica taxas menores que as do presente estudo. Do mesmo modo, outro estudo que empregou instrumento de auto-avaliação observou prevalência de ansiedade de 8,7 e 16,8% com 14 e 30 semanas do puerpério, respectivamente, maior do que a prevalência de depressão6 .

Por outro lado, outros autores discordam desta afirmação. Um estudo comparou a prevalência de sintomas ansiosos e depressivos entre 416 puérperas e 2314 mulheres de um grupo controle. Os autores observaram que, após controle de variáveis confundidoras, as OR, no puerpério, para ansiedade e depressão, foram 1,2 e 1,8, respectivamente4. Estudo de coorte prospectivo, na Inglaterra, avaliou ansiedade e depressão em 8323 gestantes desde a gravidez (18 e 32 semanas) até 8 meses pós-parto. A exemplo de depressão puerperal, a maioria dos casos de AP foi precedida de ansiedade na gravidez, que foi também indicadora de depressão. Apesar da estabilidade dos níveis de AP e depressão, ao longo deste período, observou-se decréscimo dos escores médios de ansiedade e depressão. As explicações plausíveis para esta diminuição da ansiedade seriam de âmbito psicossocial e fisiológico. Do ponto de vista psicossocial, o nascimento do bebê resolveria, na maior parte das vezes, as preocupações maternas. Do ponto de vista fisiológico, o retorno à normalidade dos mecanismos envolvidos no desencadeamento do estresse, notavelmente a regularização do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, favoreceria a estabilização do humor da mulher5.

Outro aspecto estudado é a questão do tipo de sintoma apresentado pela puérpera. De fato, é fundamental a distinção das diversas preocupações da gestante/puérpera dos transtornos ansiosos. Preocupação com imagem corporal e saúde do recém-nascido são freqüentes no puerpério, o que não significa que estas mães apresentem quadros psiquiátricos típicos11. A própria diferenciação entre ansiedade sintoma e síndrome é muito difícil, sendo que os transtornos ansiosos incluem diversas categorias: ansiedade generalizada, síndrome do pânico, fobias, transtorno obsessivo-compulsivo, entre outros26. No estudo australiano citado anteriormente, foram observadas incidências de fobia, entre 5,7 e 10,6% e de síndrome do pânico, entre 0,5 e 2,7%3. Por sua vez, a exata incidência ou prevalência de transtorno obsessivo-compulsivo de início no puerpério não é conhecida, mas aceita-se que a gravidez e o pós-parto sejam fatores importantes desencadeadores do problema27,28. Por sua vez, os quadros denominados de transtorno do estresse pós-traumático, desencadeados pelo parto, têm sido mais estudados. Estudo americano recente com 103 puérperas encontrou 1,9% de prevalência do problema29.

Sobre a alta prevalência de sintomas ansiosos, vale mencionar estudo nacional com 845 mulheres e 235 homens, estudantes colegiais, que avaliou as propriedades psicométricas do STAIT. Os maiores escores foram observados em mulheres, com menos de 30 anos de idade, solteiras e que trabalhavam30. Fatores socioculturais e questões de gênero podem estar envolvidos na manifestação de sintomas ansiosos pela mulher. Eventualmente, a gravidez pode ser facilitador da expressão destes sintomas, considerados como socialmente aceitáveis.

No presente estudo, observamos que na análise univariada, as AP-traço e estado não mostraram associação com a maioria das variáveis estudadas, incluindo aquelas relacionadas ao tipo/tempo do parto, tipo/duração do aleitamento e peso/sexo do recém-nascido. De fato, a ausência de associação entre AP e tempo de parto, ou seja, até 3 meses, 4 a 12 meses e mais de um ano, bem como entre AP e tipo de parto, vaginal ou cesariana, merece destaque. Em relação ao período do puerpério, pode-se imaginar que a alta prevalência de AP não decorra do parto em si, já que não houve diferenças significativas nos diferentes extratos. Em relação ao parto, a cesariana não representa risco adicional para a ocorrência de AP. Isto pode decorrer dos altos índices de cesariana vigentes nos serviços privados nacionais e da maior aceitação das mulheres a este tipo de procedimento. Apenas a menor idade da mulher se associou com AP-estado, o que pode ser explicado pela menor maturidade da jovem mãe no enfrentamento das dificuldades do puerpério. Do mesmo modo, após a análise multivariada, AP-traço e estado se associaram com menor renda da mulher e intercorrências com o recém-nascido, sendo que AP-traço manteve a associação com menor idade materna, ao passo que AP-estado mostrou associação com maior número de filhos vivos.

Quanto às possíveis explicações para estes resultados, vale destacar que é muito provável que mães cujos filhos apresentaram problemas ao nascer estejam ansiosas por conta desta situação. Maior número de filhos pode, por sua vez, representar ônus emocional adicional para algumas mulheres. Estudo nacional mostrou que depressão puerperal se associava com maior número de filhos vivos31. Quanto à variável renda da mulher, pode-se aventar que menor renda da mulher, mais do que a própria renda do casal, reflita a influência negativa da situação socioeconômica, prévia ou atual, sobre o grau de ansiedade. Assim, quanto piores as condições socioeconômicas e menor o nível de experiência, avaliado pela idade, maiores as chances da puérpera de apresentar sintomas ansiosos. Em que pese às dificuldades de encontrar trabalhos comparáveis aos do presente estudo, algumas semelhanças foram observadas com a pesquisa de Eberhard-Gran et al.4, que avaliou prevalência de AP. Neste trabalho, AP estava associada com maior número de filhos, mas não com aleitamento, tipo de parto, estado civil e nível educacional da mulher. No entanto, ao contrário dos nossos resultados, os autores não observaram associação entre AP e idade materna, mas sim com história de abortamento natural.

O fato é que ansiedade tem sido mais investigada no período antenatal22,32, sendo considerada importante fator de risco para depressão pueperal33. Finalmente, cabe destacar que existe na literatura reconhecimento da necessidade de ensaios clínicos controlados com uso de medicações ou psicoterapia para o tratamento dos transtornos ansiosos da gravidez e puerpério13, bem como da discriminação dos sintomas ansiosos e depressivos nas puérperas vulneráveis que apresentem transtornos mentais3.

Recebido em: 20/10/2005

Aceito com modificações em: 15/3/2006

Trabalho realizado na Pró-Mulher Clínica de Ginecologia e Obstetrícia, Osasco, São Paulo (SP), Brasil.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Mar 2006

    Histórico

    • Aceito
      15 Mar 2006
    • Recebido
      20 Out 2005
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