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Práticas alimentares de gestantes e mulheres não grávidas: há diferenças?

Eating habits of pregnant and non-pregnant women: are there differences?

Resumos

OBJETIVOS:

Conhecer o comportamento alimentar de gestantes assistidas pela atenção primária à saúde e compará-lo ao de mulheres em idade fértil das capitais brasileiras.

MÉTODOS:

Estudo transversal realizado no segundo trimestre gestacional com 256 gestantes, sorteadas dentre as assistidas pelas unidades de atenção primária à saúde de um município do interior paulista em 2009/2010. As práticas alimentares foram investigadas utilizando questionário adaptado do sistema Vigitel, composto por questões acerca de comportamentos alimentares em geral e frequência e características de consumo de grupos alimentares/alimentos específicos. Para a comparação foram utilizados os indicadores reportados pelo sistema Vigitel para as mulheres em idade fértil das capitais brasileiras no ano de 2010. As análises envolveram a apresentação de distribuição de frequências e estatísticas descritivas (distribuição de frequências ou médias e respectivos intervalos de confiança) com comparações de acordo com faixa etária.

RESULTADOS:

A maioria das gestantes consumia o café da manhã todos os dias (86,7%); a troca da refeição principal por lanche uma ou duas vezes por semana era o hábito de 45,7%. O consumo diário de frutas, salada crua, verduras e legumes não ocorria, respectivamente, em 48,8, 41,8 e 55,1% das gestantes. Peixe foi relatado como nunca ou quase nunca consumido por 64,4% das gestantes. Pelo menos uma vez por semana, 69,9% delas relataram consumo de refrigerante e 86,4% de bolacha/biscoito. Comparando as gestantes e mulheres em idade fértil das capitais brasileiras, a prevalência de excesso de peso foi bastante parecida e não houve diferenças entre o consumo regular de frutas e hortaliças. Carne com excesso de gordura e leite integral foram mais consumidos pelas gestantes, com diferenças em todas as faixas etárias analisadas. Por outro lado, gestantes tiveram menor ingestão regular de refrigerantes.

CONCLUSÕES:

Devem ser variadas e de grande importância as ações a serem praticadas na atenção pré-natal, desde promover o consumo de alimentos específicos até orientações sobre comportamentos alimentares, não deixando de reforçar os hábitos alimentares saudáveis já concretizados.

Nutrição pré-natal; Gestantes; Hábitos alimentares; Saúde da mulher; Gravidez


PURPOSE:

To determine the eating behavior of pregnant women assisted by primary health care and to compare it with women at childbearing age in Brazilian capitals.

METHODS:

A cross-sectional study conducted on 256 pregnant women in the second trimester of gestation, selected by drawing lots from those assisted by primary health care units of a municipality in the state of São Paulo in 2009/2010. Eating habits were investigated via a questionnaire adapted from the VIGITEL system, consisting of questions about eating habits in general and the frequency and consumption characteristics of food groups/specific foods. For tis comparison, we used the indicators reported by the VIGITEL system for women at childbearing age in Brazilian capitals in 2010. The analyses involved the presentation of frequency distribution and descriptive statistics with comparisons according to the age group.

RESULTS:

Most patients had breakfast every day (86.7%) and 45.7% habitually exchanged a main meal for a snack once or twice a week. A daily consumption of fruit, raw salad and vegetables was not reported by 48.8%, 41.8% and 55.1% of the women, respectively. Fish was reported to never or almost never be consumed by 64.4% of the pregnant women. At least once a week, 69.9% of them reported the consumption of soda, and 86.4% of wafers/cookies. The comparison between the pregnant women and women at childbearing age in capitals showed a close similar prevalence of overweight, and no difference in the regular consumption of fruit and vegetables. Meat containing excess of fat and whole milk were more consumed by pregnant women, with differences reported in all the age groups analyzed. On the other hand, the pregnant women reported a less regular intake of soft drinks.

CONCLUSIONS:

The actions that need to be performed in prenatal care are various and very important, promoting the consumption of specific foods and providing guidelines about eating behavior, while reinforcing healthy eating habits already present.

Prenatal nutrition; Pregnant women; Food habits; Women's health; Pregnancy


Introdução

A gestação é uma fase da vida na qual se espera a adoção de práticas alimentares e estilo de vida mais saudável devido o aumento das necessidades nutricionais e ao impacto desses comportamentos sobre os desfechos materno-fetais1Baião MR, Deslandes SF. Gravidez e comportamento alimentar em gestantes de uma comunidade urbana de baixa renda no Município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;24(11):2633-42. , 2Barguer MK. Maternal nutrition and perinatal outcomes. J Midwifery Womens Health. 2010;55(6):502-11.. Mudanças comportamentais como o aumento do consumo de frutas e hortaliças e redução da ingestão de bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados devem ser promovidos pelos profissionais de saúde na atenção pré-natal3Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica [Internet]. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012 [citado 2015 Abr 10]. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_32_prenatal.pdf>
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A literatura tem apontado associações entre aspectos alimentares e desfechos gestacionais. Campos et al.4Campos AB, Pereira RA, Queiroz J, Saunders C. Ingestão de energia e de nutrientes e baixo peso ao nascer: estudo de coorte com gestantes adolescentes. Rev Nutr. 2013;26(5):551-61., em uma coorte de gestantes adolescentes, encontraram maior consumo de proteína, lipídeos, colesterol, cálcio, potássio, fósforo, ácidos graxos saturados e monoinstaurados entre mães de crianças que nasceram com mais de 2500 g, sendo o principal preditor do peso ao nascer o perfil lipídico da dieta materna. Em outra coorte, abarcando 46.262 gestantes dinamarquesas, foi observada forte associação entre açúcar de adição e maiores valores do ganho de peso gestacional5Maslova E, Halldorsson TI, Astrup A, Olsen SF. Dietary protein-to carbohydrate ratio and added sugar as determinants of excessive gestational weight gain: a prospective cohort study. BMJ Open. 2015;5(2):e005839.. Gestantes com ingestão energética acima das recomendações do Institute of Medicine apresentaram aumento médio de mais 1,7 kg por trimestre gestacional, quando comparadas àquelas com ingestão adequada6Castro PS, Castro MB, Kac G. Aderência às recomendações dietéticas do Institute of Medicine (Estados Unidos) e o seu efeito no peso durante a gestação. Cad Saúde Pública. 2013;29(7):1311-21.. No mesmo sentido, Ruchat et al.7Ruchat SM, Davenport MH, Giroux I, Hillier M, Batada A, Sopper MM, et al. Nutrition and exercise reduce excessive weight gain in normal-weight pregnant women. Med Sci Sports Exerc. 2012;44(8):1419-26. mostraram que uma dieta controlando o valor calórico total, o percentual de carboidratos e de gorduras levou à redução do ganho de peso gestacional excessivo entre canadenses. Um estudo de revisão encontrou associação entre dieta mediterrânea (rica em frutas, hortaliças, leguminosas, oleaginosas, azeite, cereais integrais) e redução da chance de prematuridade e diabetes gestacional2Barguer MK. Maternal nutrition and perinatal outcomes. J Midwifery Womens Health. 2010;55(6):502-11.. Assim, gestantes devem ter especial preocupação sobre suas escolhas alimentares em comparação com mulheres não grávidas.

A literatura sobre as diferenças dos comportamentos alimentares entre gestantes e não gestantes ainda é bastante escassa e controversa. Alguns estudos indicam práticas mais saudáveis durante a gestação8Cotta RM, Reis RS, Rodrigues JF, Campos AC, Costa GD, Sant'Ana LF, et al. Aspectos relacionados aos hábitos e práticas alimentares de gestantes e mães de crianças menores de dois anos de idade: o programa saúde da família em pauta. Mundo Saúde. 2009;33(3):294-302.

Barros DC, Pereira RA, Gama SG, Leal MC. O consumo alimentar de gestantes adolescentes no Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública. 2004;20 Supl 1:S121-9.
- 1010 Skreden M, Bere E, Sagedal LR, Vistad I, Øverby NC. Changes in beverage consumption from pre-pregnancy to early pregnancy in the Norwegian Fit for Delivery study. Public Health Nutr. 2015;18(7):1187-96. e outros apontam práticas menos saudáveis entre mulheres no período gestacional quando comparadas às mulheres em idade fértil e/ou no período pré-gestacional1111 Lundqvist A, Johansson I, Wennberg A, Hultdin J, Högberg H, Hamberg K, et al. Reported dietary intake in early pregnant compared to non-pregnant women - a cross-sectional study. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14:373.

12 Jersey SJ, Nicholson JM, Callaway LK, Daniels LA. An observational study of nutrition and physical activity behaviours, knowledge, and advice in pregnancy. BMC Pregnancy Childbirth 2013;13:115.
- 1313 Santos Q, Sichieri R, Marchioni DM, Verly Junior E. Brazilian pregnant and lactating women do not change their food intake to meet nutritional goals. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14:186..

Avaliar e comparar comportamentos alimentares é uma tarefa complexa e difícil, sobretudo durante a gestação, devido às mudanças de comportamento alimentar no decorrer dos trimestres, além das variações dia a dia e sazonais1414 Bertin RL, Parisenti J, Di Pietro PF, Vasconcelos FS. Métodos de avaliação do consumo alimentar de gestantes: uma revisão. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2006;6(4):383-90.. Assim, na investigação da associação entre consumo de nutrientes e desfechos obstétricos e neonatais, preconizam-se longos questionários de frequência alimentar1515 Moran LJ, Sui Z, Cramp CS, Dodd JM. A decrease in diet quality occurs during pregnancy in overweight and obese women which is maintained post-partum. Int J Obes (Lond). 2013;37(5):704-11. ou múltiplos recordatórios de 24h ou registros alimentares1616 Scholl TO, Chen X. Vitamin D intake during pregnancy: association with maternal characteristics and infant birth weight. Early Hum Dev. 2009;85(4):231-4. , com posteriores análises estatísticas complexas, seja para a estimativa do consumo habitual de nutrientes específicos, seja para a identificação de padrões de dieta1717 McGowan CA, McAuliffe FM. Maternal dietary patterns and associated nutrient intakes during each trimester of pregnancy. Public Health Nutr. 2012;16(1):97-107. , 1818 Hoffmann JF, Nunes MAA, Schmidt MI, Olinto MTA, Melere C, Ozcariz SGI, et al. Dietary patterns during pregnancy and the association with sociodemographic characteristics among women attending general practices in southern Brazil: the ECCAGe Study. Cad Saúde Pública. 2013;29(5):970-80..

Uma alternativa mais simples para estudos de monitoramento e avaliação de intervenções dirigidas à promoção de práticas alimentares saudáveis é a coleta de indicadores de consumo, como os adotados pelo Sistema Vigitel - Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas não Transmissíveis por Inquérito Telefônico, aplicado nas capitais brasileiras desde 2006. A validade desses indicadores do consumo de alimentos e bebidas foi testada por Monteiro et al.1919 Monteiro CA, Moura EC, Jaime PC, Claro RM. Validade de indicadores de consumo de alimentos e bebidas obtidos por inquérito telefônico. Rev Saúde Pública. 2008;42(4):582-9., concluindo-se que são reprodutíveis e acurados.

Nesse sentido, o presente estudo objetiva conhecer o comportamento alimentar de gestantes assistidas pela atenção primária à saúde utilizando o questionário alimentar adaptado do sistema VIGITEL e compará-lo ao reportado por esse sistema para mulheres em idade fértil das capitais brasileiras no mesmo ano.

Métodos

Os dados aqui analisados provêm de um estudo transversal, conduzido em 2009/2010 no município de Botucatu, cujo objetivo principal foi avaliar o nível de atividade física de gestantes de baixo risco obstétrico2020 Carvalhaes MA, Martiniano AC, Malta MB, Takito MY, Benício MH. Atividade física em gestantes assistidas na atenção primária à saúde. Rev Saúde Pública. 2013;47(5):958-67. e, secundariamente, descrever os hábitos alimentares dessa população. O tamanho da amostra foi calculado para representar gestantes assistidas pela rede pública de atenção primária à saúde, considerando prevalência de sedentárias/insuficientemente ativas de 50%, poder de estudo de 90% e um erro alfa de 5%, o que resultou em 253 gestantes, distribuídas por unidade de saúde proporcionalmente ao número de gestantes nelas matriculadas no ano anterior. Foram considerados como critérios de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos, estar no segundo trimestre de gestação (14ª a 28ª semana), apresentar gestação única e ser considerada gestante de baixo risco obstétrico3Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica [Internet]. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012 [citado 2015 Abr 10]. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_32_prenatal.pdf>
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De maio de 2009 a dezembro de 2010, duas graduandas em Nutrição, treinadas para as entrevistas, estiveram em todas as 14 unidades básicas de saúde do município nos dias de atendimento pré-natal. Em cada visita, sortearam cinco gestantes dentre aquelas que aguardavam consulta e preenchiam os critérios de inclusão. Quando só havia cinco ou menos gestantes, todas eram convidadas a participar do estudo. Esse procedimento ocorreu até o alcance da amostra calculada para cada unidade de saúde. Foram incluídas no estudo 256 gestantes e os dados foram coletados nas unidades de saúde, antes da consulta de pré-natal, em sala reservada, na qual a gestante e a entrevistadora tinham assegurada sua privacidade e conforto.

Especificamente quanto às práticas alimentares, foi utilizado um questionário adaptado do adotado pelo sistema Vigitel, versão 20082121 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa [Internet]. Vigitel Brasil 2008: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2009 [citado 2015 Abr 2]. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigitel_2008.pdf>
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, composto por 18 questões relativas a comportamentos alimentares em geral (frequência semanal com que a gestante fazia o café da manhã, almoçava ou jantava fora de casa e trocava o almoço ou jantar por lanche; quais alimentos costumava comer quando almoçava ou jantava fora de casa; hábito de acordar à noite para comer) e sobre a frequência e características de consumo de grupos alimentares/alimentos específicos (frequência de consumo semanal de frutas, salada crua, verduras e legumes, carne vermelha, peixe, embutidos, frituras, leite, refrigerantes e bolachas ou biscoito; consumo de carne vermelha e frango com excesso de gordura; tipo de leite e de bolachas ou biscoitos, quando consumidos; quais alimentos consumidos mais frequentemente de sobremesa). A frequência de consumo era sempre com seis alternativas e com referência a uma semana (todos os dias; 5 a 6 dias por semana; 3 a 4 dias por semana; 1 a 2 dias por semana; quase nunca; nunca) e as características de consumo eram compostas com alternativas específicas às mesmas.

Para comparação com mulheres não gestantes, foram utilizados os indicadores reportados pelo Vigitel para o conjunto de mulheres em idade fértil das capitais brasileiras em 2010, mesmo ano da coleta de dados das gestantes2222 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa [Internet]. Vigitel Brasil 2010: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011 [citado 2015 Abr 2]. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigitel_2010.pdf>
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: percentual com excesso de peso; percentual com consumo regular de frutas e hortaliças; percentual com consumo habitual de carne com excesso de gordura e de leite com teor integral de gordura; percentual com consumo regular de refrigerantes.

Excesso de peso foi considerado quando o IMC anterior ao início da gestação era superior a 24,9 kg/m2. O consumo regular de frutas, de hortaliças ou refrigerantes foi considerado quando o consumo desses alimentos ocorria em cinco ou mais vezes na semana.

As análises consistiram na distribuição de frequências ou médias e respectivos intervalos de confiança. As comparações foram feitas segundo três faixas etárias: 18 a 24 anos, 25 a 34 anos e 35 a 44 anos, adotadas pelo sistema Vigitel e no presente estudo. Como referencial para as recomendações utilizamos o atual guia alimentar para a população brasileira2323 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica [Internet]. Guia alimentar para a população brasileira. 2a ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014 [citado 2015 Abr 10]. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira.pdf> e o Caderno nº 32 de Atenção Básica do Ministério da Saúde Brasileiro - Atenção ao pré-natal de baixo risco3Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica [Internet]. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012 [citado 2015 Abr 10]. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_32_prenatal.pdf>
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A codificação e digitação dos dados foram feitas de maneira concomitante à coleta. O banco foi transcrito para o programa SPSS for Windows versão 20.0, para verificação da consistência e amplitude dos dados, com correção de eventuais erros, assim como para execução das análises estatísticas.

Todas as participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido para a participação no estudo. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu, após obtenção da autorização da Secretaria Municipal de Saúde de Botucatu (protocolo CEP 3.117-2009).

Resultados

Foram avaliadas 256 gestantes de 18 a 43 anos, sendo a mediana da idade de 25 anos. Quase metade (49,2%) se encontrava na faixa dos 18 a 24 anos, 41,4% na faixa dos 25 a 34 anos e 9,4% com 35 ou mais anos de idade. A grande maioria (71,5%) havia completado o ensino fundamental, sendo as classes de renda per capita menor que 1/2 salário mínimo e entre 1/2 e 1 salário mínimo as mais predominantes: 43,0 e 40,2%, respectivamente (considerando-se o valor de R$ 510,00, vigente no período). Pouco mais da metade das gestantes (51,4%) estavam em sua segunda, terceira ou quarta gestações, sendo 39,5% primíparas. Eutrofia foi o estado nutricional pré-gestacional predominante (56,9%), seguido de sobrepeso (24,3%) e percentuais iguais de obesidade e baixo peso (9,4%) (Tabela 1).

Tabela 1.
Características socioeconômicas, gestacionais e estado nutricional pré-gestacional das gestantes

Na Tabela 2 estão apresentados resultados referentes aos comportamentos alimentares das gestantes. A maioria das gestantes tomava café da manhã todos os dias (86,7%), a maioria (78,9%) negou acordar durante a noite para comer, mas 12,5% apresentavam este comportamento. Sobre refeições fora de casa, 56,3% delas tinham esse hábito pelo menos uma vez na semana, sendo que nestas ocasiões 33,6% optavam por lanches e 50,7% por comida. Pode-se notar também que uma grande parcela apresentava o hábito de trocar uma refeição principal por um lanche uma ou duas vezes na semana (45,7%).

Tabela 2.
Comportamentos alimentares das gestantes

No que diz respeito ao consumo de frutas verduras e legumes: 48,8% não consumiam frutas todos os dias, sendo que 9,0% quase nunca ou nunca as ingeria; 41,8% não ingeriam salada crua diariamente e 7,4% nunca ou quase nunca; 55,1% negaram consumir verduras e legumes todos os dias e 16,4% quase nunca ou nunca comiam tais alimentos.

A ingestão de carne vermelha cinco ou mais dias na semana foi relatada por 30,1% das gestantes. A ingestão de peixe foi rara: 35,5% das gestantes quase nunca consumiam este alimento e 28,9% nunca o faziam, portanto, 64,4% praticamente não consumiram peixe na gestação. Consumir leite mais do que cinco dias na semana foi relatado por 75% das gestantes, sendo a grande maioria delas (70,3% com consumo diário), entretanto, 12,9% das entrevistadas quase nunca ou nunca consumiam este alimento.

Em referência a embutidos, 34,7% das entrevistadas quase nunca ou nunca os ingeria. Analisando a ingestão de alimentos fritos em óleo, 16,4% das entrevistadas a fazia cinco ou mais vezes por semana contra 21,9% que quase nunca ou nunca tinha este comportamento. A ingestão de refrigerante e bolacha/ biscoito foi comum: respectivamente, 69,9 e 86,4% das gestantes os consumiam pelo menos uma vez por semana.

Já sobre as características de alguns alimentos, o consumo de carne vermelha com gordura e frango com pele esteve presente em parcela considerável das gestantes que consumiam tais alimentos: 24,2 e 37,5%, respectivamente. O tipo preferido de leite foi o integral, consumido por 92,7% das gestantes que tomavam leite habitualmente (dados não mostrados em tabelas).

A prevalência de excesso de peso no período pré-gestacional nas gestantes foi bastante parecida com os dados reportados pelo Vigitel para mulheres em idade fértil (Tabela 3). A maior, na faixa etária dos 35 a 44 anos (45,8% nas gestantes e 46,9% nas mulheres não grávidas) e a menor na faixa etária dos 18 a 24 anos (26,2% nas gestantes e 27,6 nas mulheres não grávidas).

Tabela 3.
Indicadores de práticas alimentares de gestantes de Botucatu-SP e mulheres não grávidas das capitais brasileiras

O percentual de gestantes com consumo de frutas e hortaliças em cinco ou mais dias na semana ficou ligeiramente acima do apontado pelo Vigitel para mulheres não grávidas em todas as faixas etárias consideradas, porém com intervalos de confiança sobrepostos, indicando ausência de diferença, além de seguir a tendência de maior percentual entre as mais velhas.

Carne com excesso de gordura foi consumida por 48,4% dentre as gestantes com 18 a 24 anos, por 42,5% das de 25 a 34 anos e por 45,8% das com 35 a 44 anos, percentuais bastante superiores aos reportados para as mulheres não grávidas (28,0, 29,1 e 26,7%, respectivamente).

O percentual de gestantes com consumo de leite integral também ficou acima dos dados do Vigitel para mulheres não grávidas nas três faixas etárias. No caso do consumo de refrigerantes, os indicadores foram mais favoráveis às gestantes. O percentual de gestantes que ingerem refrigerantes em cinco ou mais dias na semana foi inferior em todas as faixas etárias na comparação com mulheres das capitais brasileiras. A prevalência mais baixa deste consumo ocorreu nas gestantes de 35 a 44 anos (8,3%), contra 26,0% nas mulheres não grávidas.

Discussão

Na avaliação das práticas alimentares das gestantes, foram identificadas prevalências altas de comportamentos tidos como saudáveis e como não saudáveis; na comparação, por faixa etária com as mulheres das capitais brasileiras, foram encontrados nas gestantes comportamentos melhores, semelhantes e piores.

O fato de não terem sido observadas diferenças nos percentuais de gestantes e mulheres não grávidas com excesso de peso fala a favor da comparabilidade das duas populações, pois em um importante aspecto (consumo de energia) a alimentação dessas mulheres parece não diferir muito. Vale destacar que o alto percentual de gestantes com sobrepeso/obesidade pré-gestacional representa um fator de risco para desfechos negativos para a mãe e o concepto2424 Carneiro JR, Braga FO, Cabizuca CA, Abi-Abib RC, Cobas RA, Gomes MB. Gestação e obesidade: um problema emergente. Rev HUPE. 2014;13(3):18-25., estando associado com aumento do uso de serviços de saúde2525 Chu SY, Bachman DJ, Callaghan WM, Whitlock EP, Dietz PM, Berg CJ, et al. Association between obesity during pregnancy and increased use of health care. N Engl J Med. 2008;358(14):1444-53. e complicações, como maior risco de hipertensão, diabetes gestacional, trabalho de parto induzido, cesariana, macrossomia, baixos índices de Ápgar e obesidade infantil2626 Kaiser LL, Allen L; American Dietetic Association. Position of the American Dietetic Association: nutrition and lifestyle for a healthy pregnancy outcome. J Am Diet Assoc. 2002;102(10):1479-90.

27 Villamor E, Cnattingius S. Interpregnancy weight change and risk of adverse pregnancy outcomes: a population-based study. Lancet. 2006;368(9542):1164-70.
- 2828 Ahmed SR, Ellah MA, Mohamed AO, Eid HM. Prepregnancy obesity and pregnancy outcome. Int J Health Sci (Qassim). 2009;3(2):203-8. .

As gestantes apresentaram importante comportamento mais saudável do que as mulheres não grávidas: consumo menos frequente de refrigerantes. Em congruência a este achado, um estudo norueguês que investigou ingestão de diferentes bebidas entre gestantes e mulheres no período pré-gestacional encontrou comportamentos mais saudáveis entre as gestantes: menores frequências de gestantes relataram ingerir bebidas com adição de açúcar e açucaradas artificialmente1010 Skreden M, Bere E, Sagedal LR, Vistad I, Øverby NC. Changes in beverage consumption from pre-pregnancy to early pregnancy in the Norwegian Fit for Delivery study. Public Health Nutr. 2015;18(7):1187-96.. Cabe ressaltar que a recomendação do atual guia alimentar para a população brasileira é evitar o consumo de alimentos ultraprocessados, como os refrigerantes. Ainda segundo esse guia, alimentos ultraprocessados são nutricionalmente desbalanceados e induzem ao consumo excessivo, com destaque para os refrigerantes. Sabe-se que o organismo tem dificuldade de "registrar" as calorias de bebidas açucaradas, aumentando o risco de obesidade2323 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica [Internet]. Guia alimentar para a população brasileira. 2a ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014 [citado 2015 Abr 10]. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira.pdf>. Além disso, composto essencialmente de açúcar ou edulcorantes, o consumo de refrigerantes, está associado à diminuição da ingestão de suco de frutas naturais e leite2929 Kaur H, Hyder ML, Poston WS. Childhood overweight: an expanding problem. Treat Endocrinol. 2003;2(6):375-88..

Ainda que de forma não consensual, a literatura tem apontado aumento de práticas alimentares saudáveis na gestação8Cotta RM, Reis RS, Rodrigues JF, Campos AC, Costa GD, Sant'Ana LF, et al. Aspectos relacionados aos hábitos e práticas alimentares de gestantes e mães de crianças menores de dois anos de idade: o programa saúde da família em pauta. Mundo Saúde. 2009;33(3):294-302. , 9Barros DC, Pereira RA, Gama SG, Leal MC. O consumo alimentar de gestantes adolescentes no Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública. 2004;20 Supl 1:S121-9. , 3030 Mennella JA, Turnbull B, Ziegler PJ, Martinez H. Infant feeding practices and early flavor experiences in Mexican infants: an intra-cultural study. J Am Diet Assoc. 2005;105(6):908-15.. Uma possível explicação é que na gestação há maior preocupação da mulher com a alimentação, e consequentemente melhora desta. Um estudo holandês com primigestas mostrou que essas mulheres tiveram um aumento da consciência da importância da nutrição durante a gestação e que buscaram informações a este respeito, principalmente para a proteção e bem-estar do bebê3131 Szwajcer EM, Hiddink GJ, Koelen MA, van Woerkum CM. Nutrition-related information seeking behaviours before and throughout the course of pregnancy: consequences for nutrition communication. Eur J Clin Nutr. 2005;59 Suppl 1:S57-65.. Estudo qualitativo recente que entrevistou grávidas assistidas na atenção primária à saúde do mesmo município deste estudo revelou que, para elas, disciplina e força de vontade são imprescindíveis para o alcance dos objetivos de uma nutrição saudável nessa fase da vida, sendo a boa alimentação reconhecida como importante especialmente por seu impacto na saúde da criança3232 Palombarini AF, Malta MB, Parada CM, Carvalhaes MA, Benicio MH, Tonete VL. Nutritional practices of expectant mothers supported by a Family Health Unit: an exploratory study. Online Braz J Nurs. 2014;13(2):186-97..

De acordo com Helman3333 Helman CG. Cultura, saúde e doença. 5a ed. Porto Alegre: Artmed; 2009. p. 203-19., com objetivo de proteção da gestação, muitas mulheres vivenciam nesse período um momento de modificação da dieta. É possível que os refrigerantes sejam vistos como alimentos de baixo valor nutritivo e prejudiciais à saúde e o consumo se reduza no período gestacional, contudo ainda é grande a parcela de gestantes que o consome pelo menos uma vez por semana. Bolachas e biscoitos talvez não tenham a representação que os refrigerantes parecem ter, já que o consumo pelo menos uma vez por semana ocorre em quase 90% da população gestante. Sugerem-se estudos qualitativos para auxiliar no entendimento desta questão.

Quanto ao consumo de leite e derivados, especificamente para a população gestante, as recomendações do Ministério da Saúde brasileiro são para o consumo de três porções diárias destes e nas versões integrais, salvo orientações de nutricionistas ou outros profissionais da saúde3Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica [Internet]. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012 [citado 2015 Abr 10]. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_32_prenatal.pdf>
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. Deste modo, também deve ser visto como um possível movimento em direção a comportamentos mais saudáveis o maior percentual das gestantes com consumo regular de leite integral, sendo o leite uma importante fonte de cálcio, micronutriente relacionado à proteção de hipertensão na gestação3434 Gillon TE, Pels A, von Dadelszen P, MacDonell K, Magee LA. Hypertensive disorders of pregnancy: a systematic review of international clinical practice guidelines. PLoS One. 2014;9(12):e113715. . A orientação para o consumo da versão integral justifica-se já que as vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) presentes no leite estão associadas aos glóbulos de gordura presentes nestes alimentos3535 Silva PH. Leite: aspectos de composição e propriedades. Quím Nova Esc [Internet]. 1997 [citado 2015 Mar 25].6:3-5. Disponível em: <http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc06/quimsoc.pdf.>
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. Vale destacar que para a população geral a recomendação é para o consumo destes alimentos na forma desnatada2323 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica [Internet]. Guia alimentar para a população brasileira. 2a ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014 [citado 2015 Abr 10]. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira.pdf> o que limita um pouco nossa comparação direta com os dados das mulheres em idade fértil da população brasileira.

Entre gestantes australianas, Jersey et al.1212 Jersey SJ, Nicholson JM, Callaway LK, Daniels LA. An observational study of nutrition and physical activity behaviours, knowledge, and advice in pregnancy. BMC Pregnancy Childbirth 2013;13:115. encontraram, com questionário específico para avaliar consumo de gorduras e fibras, que apenas 4% das gestantes consumiam a recomendação de cinco porções diárias de vegetais. Com questões referentes à ingestão, porções e frequência de consumo de alimentos habituais na gestação, estudo caso-controle mexicano investigou a ingestão de frutas e vegetais durante a gravidez com o desenvolvimento de doença ocular na criança, encontrou consumo de 1,59 e 1,75 porções diárias de frutas e vegetais, respectivamente, na população caso; o consumo foi maior na população controle, contudo ainda abaixo das recomendações: 2,13 e 2,28 porções, respectivamente3636 Orjuela MA, Titievsky L, Liu X, Ramirez-Ortiz M, Ponce-Castaneda V, Lecona E, et al. Fruit and vegetable intake during pregnancy and risk for development of sporadic retinoblastoma. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2005;14(6):1433-40..

Em nosso estudo não encontramos diferenças no consumo de frutas e hortaliças entre as gestantes e mulheres brasileiras. Para a população no geral, a Organização Mundial da Saúde3737 World Health Organization [Internet]. Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases: report of a joint WHO/FAO expert consultation. Geneva: WHO; 2003. (WHO Technical Report Series 916) [cited 2015 Mar 25]. Available from: <http://whqlibdoc.who.int/trs/who_trs_916.pdf>
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recomenda ingestão diária mínima de 400 gramas, visando, juntamente com outras orientações de consumo alimentar, prevenir doenças crônicas relacionadas à dieta. Especificamente para o período gestacional, as recomendações do Ministério da Saúde brasileiro são para o consumo mínimo de três porções diárias de frutas e a mesma quantidade de porções de verduras e legumes. Esta recomendação é justificada pelo fato destes alimentos serem excelentes fontes minerais, fibras e vitaminas, auxiliando na saúde materna e na formação saudável do feto3Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica [Internet]. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012 [citado 2015 Abr 10]. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_32_prenatal.pdf>
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. Os dados obtidos indicam que grande parte das gestantes não atinge tais recomendações.

Para o consumo de carne, peixe e ovos na gestação, o Ministério da Saúde brasileiro recomenda que os profissionais da saúde orientem para o consumo de uma porção diária de tal grupo alimentar, estimulando mais o consumo de frango e peixe (este último duas vezes na semana), com preferência às carnes magras e para que sejam retiradas peles e gordura aparente3Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica [Internet]. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012 [citado 2015 Abr 10]. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_32_prenatal.pdf>
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. Estudo com gestantes de município do Rio Grande do Sul encontrou consumo de carne de gado mais do que 5 vezes na semana em metade da população deste estudo, mesma proporção de gestantes que nunca consumiam peixe3838 Rosa RL, Molz P, Pereira CS. Perfil nutricional de gestantes atendidas em uma unidade básica de saúde. Cinergis. 2014;15(2):98-102.. Nossa categorização sobre a frequência de consumo foi diferente do estudo anteriormente citado, contudo 64,4% de nossas gestantes praticamente não consumiam peixe na gestação, com maior consumo de carne vermelha de três a quatro vezes na semana. Ainda sobre o consumo de alimentos fonte de proteína, resultado que merece bastante atenção foi encontrar consumo de carne vermelha com excesso de gordura significativamente maior em nossas gestantes de 18 a 34 anos na comparação com as mulheres brasileiras da mesma faixa etária.

É importante lembrar que as gestantes incluídas neste estudo são de um município específico do estado de São Paulo e as mulheres não grávidas representativas do conjunto de mulheres das capitais brasileiras. Acreditamos que talvez o consumo de carnes com excesso de gordura possa ser um traço cultural do município, já que estudo na mesma localidade, com o sistema anterior ao Vigitel (SIMTEL) aplicado em 2004, mostrou consumo de carnes com excesso de gordura em torno de 35% das mulheres não grávidas3939 Carvalhaes MA, Moura EC, Monteiro CA. Prevalência de fatores de risco para doenças crônicas: inquérito populacional mediante entrevistas telefônicas em Botucatu, São Paulo, 2004. Rev Bras Epidemiol. 2008;11(1):14-23.. Outra hipótese é que, equivocadamente, as gestantes possam considerar desejável ou seguro esse comportamento ou que não cabe se preocupar com excesso de gordura animal e consequentemente de calorias ou com colesterol nesta fase do ciclo da vida. Mais uma vez, estudos qualitativos podem auxiliar no entendimento deste comportamento alimentar, todavia já se destaca a importância das orientações para o consumo regular de peixes, carne sem gordura e frango sem pele que devem ser prestadas às gestantes pelos profissionais de saúde que atuam na atenção pré-natal.

Em estudo já citado anteriormente, Cotta et al.8Cotta RM, Reis RS, Rodrigues JF, Campos AC, Costa GD, Sant'Ana LF, et al. Aspectos relacionados aos hábitos e práticas alimentares de gestantes e mães de crianças menores de dois anos de idade: o programa saúde da família em pauta. Mundo Saúde. 2009;33(3):294-302. referiram que 90,5% das gestantes mineiras consumiam o café da manhã, valor próximo ao encontrado em nosso estudo. O café da manhã é considerado uma refeição principal que deve ser feita diariamente pela população gestante ou não3Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica [Internet]. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012 [citado 2015 Abr 10]. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_32_prenatal.pdf>
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, 2323 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica [Internet]. Guia alimentar para a população brasileira. 2a ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014 [citado 2015 Abr 10]. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira.pdf>. De acordo com Cho et al. 4040 Cho S, Dietrich M, Brown CJ, Clark CA, Block G. The effect of breakfast type on total daily energy intake and body mass index: results from the Third National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III). J Am Coll Nutr. 2003;22(4):296-302., o hábito de não consumir o café da manhã não é uma maneira efetiva de controlar o peso e há correlação entre este hábito e obesidade4141 Watanabe Y, Saito I, Henmi I, Yoshimura K, Maruyama K, Yamauchi K, et al. Skipping breakfast is correlated with obesity. J Rural Med. 2014;9(2):51-8..

Ainda sobre comportamentos alimentares, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, substituir o almoço e/ou jantar por lanches pode ocasionar problemas de saúde no futuro, pois os alimentos tradicionais dessas refeições são importantes fontes de fibras, minerais e vitaminas e acabam sendo substituídos por alimentos de alta densidade energética e com pior qualidade nutricional4242 World Health Organization [Internet]. The world health report 2002: reducing risks, promoting healthy life. Geneva: WHO; 2002 [cited 2015 Mar 25]. Available from: <http://www.who.int/whr/2002/en/whr02_en.pdf?ua=1>
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. Este comportamento ocorreu uma ou duas vezes por semana por quase metade de nossas gestantes, merecendo, portanto, também destaque nos aspectos a serem abordados na promoção da alimentação saudável durante o pré-natal.

Discutindo sobre a importância dos bons hábitos alimentares na gestação, cabe ainda destacar que essas gestantes serão, possivelmente, as principais responsáveis pela formação dos hábitos alimentares da criança que está sendo gerada, aumentando ainda mais a importância da promoção da alimentação nutricionalmente adequada neste período. Além disso, a literatura mostra que a maioria das mulheres faz modificações de estilo de vida que sejam ou acreditem ser benéficas ao seu filho1Baião MR, Deslandes SF. Gravidez e comportamento alimentar em gestantes de uma comunidade urbana de baixa renda no Município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;24(11):2633-42.. Desse modo, o conhecimento de uma alimentação saudável deve chegar às mulheres que planejam engravidar e às gestantes logo no início da gravidez, visando melhorar as práticas não saudáveis notadas nessa população.

Uma limitação pertinente aos nossos dados é que nossas comparações com a população brasileira foram restritas a cinco indicadores, pois, apesar de todas nossas perguntas sobre comportamento e hábitos de consumo alimentar serem advindas do questionário do Vigitel, os demais resultados da população brasileira não estão pulicados por sexo e idade. É também importante ressaltar que não foram encontrados estudos com gestantes que utilizaram o mesmo instrumento de avaliação das práticas alimentares, o que impossibilitou comparações diretas com os resultados encontrados.

Sendo simples e de fácil obtenção e análise, os indicadores propostos e utilizados pelo Vigitel para monitoramento das práticas alimentares da população brasileira se mostraram pertinentes à avaliação de gestantes, apontando claramente prioridades para o cuidado nutricional de mulheres nessa fase do ciclo de vida.

Conclui-se que são de grande importância as intervenções e variadas as ações que necessitam ser praticadas na atenção pré-natal, desde a promoção do consumo de alimentos específicos como frutas, hortaliças e peixe, até comportamentos como a troca de refeições principais por lanches, não deixando de reforçar os hábitos saudáveis já concretizados, como o consumo do café da manhã.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP/Processo nº09/51470-1) por Bolsa de Iniciação Científica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2015

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2015
  • Aceito
    16 Jun 2015
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