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O óbito em crianças com diarréia aguda e choque em UTI

Risk factors of death in children with diarrhea and shock admitted to the intensive care unit

Resumos

OBJETIVOS: Descrever características clínicas e epidemiológicas de crianças com diarréia aguda e choque, admitidas em unidade de terapia intensiva pediátrica, e comparar a evolução clínica entre os grupos óbito e sobrevida, identificando fatores associados ao óbito. MÉTODOS: Estudo descritivo, retrospectivo, não controlado, no período de fevereiro de 1994 a janeiro de 1998. Os dados epidemiológicos e clínico-evolutivos dos pacientes foram analisados e os grupos de pacientes com sobrevida e com óbito foram comparados. O teste Qui-quadrado foi utilizado para variáveis contínuas, e o teste exato de Fisher para as variáveis categóricas (valores menores que cinco). RESULTADOS: Foram admitidas 71 crianças, com idade entre 0,4 e 13,9 meses. Evoluíram para óbito 15. Baixo peso de nascimento foi encontrado em 18,1% dos pacientes, tempo médio de aleitamento materno de 1,1 mês e de internação de 5,6 dias. Receberam antibióticos 93% das crianças. Necessitaram de ventilação pulmonar mecânica 52/71 crianças, uso de drogas vasoativas 23/70 e uso de bicarbonato de sódio 15/71; estas variáveis estiveram associadas com maior risco de óbito, na análise univariada. No modelo multivariado, permaneceram como significantes o parâmetro droga vasoativa (OR=18,56) e idade menor que três meses (OR=0,10). CONCLUSÕES: A diarréia aguda e choque ocorreram principalmente em crianças com menos de três meses de idade, com apresentação clínica e laboratorial de gravidade. Na evolução clínica, a utilização de terapia de suporte em paciente crítico esteve associada ao óbito, com destaque para o uso de droga vasoativa.

Diarréia aguda; Choque; Infância; Fator associado


BACKGROUND: Describe clinical and epidemiological characteristics of pediatric patients diagnosed with acute diarrhea and shock, admitted to the pediatric intensive care unit, in order to compare the evolution of clinical data between the survival and non-survival groups, thereby identifying the risk factors of death. METHODS: In the Pediatric Intensive Care Unit of the Clinical Hospital at the State University of Campinas (UNICAMP), a non-controlled, descriptive and retrospective study was carried out from February 1994 to January 1998 The epidemiological and clinical/evolution data were analyzed and the groups of those who survived (56) and did not survive (15) were compared. For continuous variables, the Chi-Square test was used and for categorical variables, the Fisher's Exact test, for values lower than five. RESULTS: Seventy one children aged from 0.4 to 13.9 months were admitted, 15 of them died (21.2%). Low birth weight was found in 18.1% and the mean breast-feeding time was 1.1 months. The average length of stay was 5.6 days. 52/71 children needed mechanical ventilation, use of vasoactive drugs and sodium bicarbonate was necessary in 23/71 and 15/71, respectively. 93% of children were given antibiotics. The use of sodium bicarbonate, vasoactive drugs and mechanical ventilation showed an association with risk of death, but only vasoactive drugs (OR=18.56) and an age less than 3 months (OR=0.10) showed a statistically significant difference in multivariate analysis. CONCLUSIONS: Acute diarrhea and shock occurred mainly in children under 3 months of age with a severe clinical/laboratorial condition. During clinical evolution, the high risk of death was related to the use of vasoactive drugs, a support therapy used in critical patients.

Acute diarrhea; Shock; Children; Risk factors


ARTIGO ORIGINAL

O óbito em crianças com diarréia aguda e choque em UTI

Risk factors of death in children with diarrhea and shock admitted to the intensive care unit

Marcelo B. Brandão* * Correspondência: Rua Aristides Lobo, 789, Cidade Universitária, Campinas, São Paulo, Cep: 13083-060, Telefone (19) 3287-4560. mbbrandao@globo.com ; Carlos E. Lopes; André M. Morcillo; Emílio C. E. Baracat

RESUMO

OBJETIVOS: Descrever características clínicas e epidemiológicas de crianças com diarréia aguda e choque, admitidas em unidade de terapia intensiva pediátrica, e comparar a evolução clínica entre os grupos óbito e sobrevida, identificando fatores associados ao óbito.

MÉTODOS: Estudo descritivo, retrospectivo, não controlado, no período de fevereiro de 1994 a janeiro de 1998. Os dados epidemiológicos e clínico-evolutivos dos pacientes foram analisados e os grupos de pacientes com sobrevida e com óbito foram comparados. O teste Qui-quadrado foi utilizado para variáveis contínuas, e o teste exato de Fisher para as variáveis categóricas (valores menores que cinco).

RESULTADOS: Foram admitidas 71 crianças, com idade entre 0,4 e 13,9 meses. Evoluíram para óbito 15. Baixo peso de nascimento foi encontrado em 18,1% dos pacientes, tempo médio de aleitamento materno de 1,1 mês e de internação de 5,6 dias. Receberam antibióticos 93% das crianças. Necessitaram de ventilação pulmonar mecânica 52/71 crianças, uso de drogas vasoativas 23/70 e uso de bicarbonato de sódio 15/71; estas variáveis estiveram associadas com maior risco de óbito, na análise univariada. No modelo multivariado, permaneceram como significantes o parâmetro droga vasoativa (OR=18,56) e idade menor que três meses (OR=0,10).

CONCLUSÕES: A diarréia aguda e choque ocorreram principalmente em crianças com menos de três meses de idade, com apresentação clínica e laboratorial de gravidade. Na evolução clínica, a utilização de terapia de suporte em paciente crítico esteve associada ao óbito, com destaque para o uso de droga vasoativa.

Unitermos: Diarréia aguda. Choque. Infância. Fator associado.

SUMMARY

BACKGROUND: Describe clinical and epidemiological characteristics of pediatric patients diagnosed with acute diarrhea and shock, admitted to the pediatric intensive care unit, in order to compare the evolution of clinical data between the survival and non-survival groups, thereby identifying the risk factors of death.

METHODS: In the Pediatric Intensive Care Unit of the Clinical Hospital at the State University of Campinas (UNICAMP), a non-controlled, descriptive and retrospective study was carried out from February 1994 to January 1998 The epidemiological and clinical/evolution data were analyzed and the groups of those who survived (56) and did not survive (15) were compared. For continuous variables, the Chi-Square test was used and for categorical variables, the Fisher's Exact test, for values lower than five.

RESULTS: Seventy one children aged from 0.4 to 13.9 months were admitted, 15 of them died (21.2%). Low birth weight was found in 18.1% and the mean breast-feeding time was 1.1 months. The average length of stay was 5.6 days. 52/71 children needed mechanical ventilation, use of vasoactive drugs and sodium bicarbonate was necessary in 23/71 and 15/71, respectively. 93% of children were given antibiotics. The use of sodium bicarbonate, vasoactive drugs and mechanical ventilation showed an association with risk of death, but only vasoactive drugs (OR=18.56) and an age less than 3 months (OR=0.10) showed a statistically significant difference in multivariate analysis.

CONCLUSIONS: Acute diarrhea and shock occurred mainly in children under 3 months of age with a severe clinical/laboratorial condition. During clinical evolution, the high risk of death was related to the use of vasoactive drugs, a support therapy used in critical patients.

Key words: Acute diarrhea. Shock. Children. Risk factors.

INTRODUÇÃO

As doenças diarréicas ainda permanecem como uma das mais importantes causas de morbidade e mortalidade em lactentes e pré-escolares nos países em desenvolvimento. Dados coletados em 276 levantamentos conduzidos em 60 países em desenvolvimento mostraram que uma criança sofre em média 3,3 episódios de diarréia anualmente e que mais de um terço de todos os óbitos de crianças menores de cinco anos estão associadas com esta doença1. Isto significa que, anualmente, ocorrem aproximadamente 1,5 bilhão de episódios de diarréia e 4 milhões de óbitos em crianças menores de cinco anos nos países em desenvolvimento1.

Na epidemiologia da diarréia aguda na criança, fatores socioeconômicos, como superpopulação, condições sanitárias precárias, contaminação da água e higiene inadequada dos alimentos, além de baixo nível de educação materna e baixo peso ao nascer, estão associados com alta incidência da doença2,3,4.

A diarréia, sendo uma doença intestinal com perda de líquidos e eletrólitos, pode apresentar-se com quadro clínico de desidratação grave e choque que, por suas características fisiopatológicas, é denominado choque hipovolêmico e/ou séptico5.

As dificuldades em reconhecer e distinguir crianças com choque hipovolêmico, séptico ou a associação de ambos leva, em grande parte das vezes, à introdução de terapêutica combinada dirigida para as duas situações clínicas. Na condição clínica de choque por diarréia aguda, é comum a introdução de antibioticoterapia dirigida para enterobactérias, associada à reposição de líquidos e uso de drogas vasoativas6.

Uma das prioridades no tratamento dos pacientes com diarréia aguda e choque é a identificação, através de indicadores clínicos e/ou laboratoriais na admissão do paciente em serviço de emergência ou unidade de terapia intensiva, dos pacientes com risco maior de evolução para óbito. Este diagnóstico de risco serviria como orientação para que a introdução de terapêutica e procedimentos de intervenção neste grupo de pacientes fosse realizada de maneira mais rápida e antecipada, na tentativa de reduzir os índices de mortalidade.

Dentre os fatores prognósticos ligados ao óbito em pacientes com diarréia aguda, a má-nutrição é destacada como um dos principais, ao lado da ausência de aleitamento materno e faixa etária menor de seis meses7,8,9. Outro elemento de pior prognóstico nos pacientes internados por diarréia aguda é a presença de infecção grave ou sepse, particularmente quando associada à doença respiratória7,8. Entretanto, poucos relatos na literatura médica destacam fatores de risco para óbito envolvendo parâmetros clínicos e evolutivos durante a internação da criança com diagnóstico de diarréia aguda e choque.

Este estudo teve como objetivos descrever as características clínicas e epidemiológicas de pacientes pediátricos com diagnóstico de diarréia aguda e choque, internados em unidade de terapia intensiva, e identificar fatores associados a óbito na evolução da internação.

MÉTODOS

Estudo de casos, não controlado, descritivo e retrospectivo. Foram incluídos no estudo todos os pacientes de 0,4 a 13,9 meses com diagnóstico inicial de diarréia aguda e choque, internados na unidade de terapia intensiva pediátrica do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil, no período de fevereiro de 1994 a janeiro de 1998.

Diarréia aguda foi definida como uma alteração do hábito intestinal caracterizada por aumento do número de evacuações ou diminuição da consistência das fezes com início abrupto e duração menor que 15 dias.

Choque foi definido utilizando-se parâmetros de avaliação clínica do volume intravascular, quais sejam, pressão sangüínea sistólica, diminuição da amplitude dos pulsos periféricos distais, diminuição da temperatura nas extremidades do corpo em comparação com a temperatura ambiente, taquicardia e baixo débito urinário.

Não foram incluídos os pacientes que apresentavam patologias crônicas do trato gastrointestinal (doença celíaca, megacólon congênito, fibrose cística, síndrome do intestino curto, pancreatite aguda), presença de outro foco infeccioso associado à diarréia, síndrome da imunodeficiência adquirida, distúrbio eletrolítico associado a patologias endócrinas ou renais, e internação em unidade hospitalar por mais de cinco dias, com alta menos de sete dias antes da admissão à UTI.

Obteve-se informações do prontuário referentes à idade, sexo, peso de nascimento, aleitamento materno, peso no momento da internação, ganho de peso nas primeiras 24 horas, uso de bicarbonato de sódio e drogas vasoativas, necessidade de ventilação pulmonar mecânica assistida e evolução nas primeiras 24 horas (óbito e não-óbito).

O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (processo número 556 de 2002).

Na descrição das variáveis quantitativas foram utilizados os valores extremos, a média e o desvio padrão (média ± desvio padrão). As variáveis qualitativas são apresentadas em tabelas. Para avaliação da associação entre a evolução e as demais variáveis empregou-se os testes do Qui-quadrado e exato de Fisher. Calculou-se o odds ratio (bruto, não ajustado) com o respectivo intervalo de confiança de 95% (IC 95%) para cada variável em relação à evolução.

Na análise multivariada empregou-se a regressão logística, método "forward", adotando-se p< 0,25 para entrada e p>0,05 para eliminação das variáveis independentes do modelo.

Para cálculo dos testes de Qui-quadrado e exato de Fisher, assim como dos odds ratio empregou-se o software Epi-Info 6.04b. Para análise de regressão logística empregou-se o software SPSS for Windows, versão 11.0.

RESULTADOS

Foram incluídos 71 pacientes, com idades entre 0,4 e 13,9 meses (4,2±3,0 meses), 38 do sexo masculino e 33 do feminino, sendo que 15 (21,2%) evoluíram para óbito, quatro deles nas primeiras 24 horas. O peso de nascimento variou de 1500 a 3880 g (2892±524 g). Em 53/61 a duração do aleitamento materno exclusivo foi menor que três meses, e apenas 8/61 estavam em aleitamento no momento da internação. À internação, o peso variou de 1620 g a 11.300 g (4771±1782 g), sendo que o ganho de peso após a expansão foi de 7,1±5,3%; 15/71 necessitaram bicarbonato, 23/70 drogas vasoativas e 52/71 ventilação pulmonar mecânica. A distribuição em relação à evolução é apresentada na Tabela1.

Das 70 hemoculturas realizadas, seis foram positivas e, entre as 71 coproculturas, 17 foram positivas para bactérias enteropatogênicas (Tabela 2).

Não se observou associação entre sexo (p=0,78), idade (p=0,07) e aleitamento (p=0,63) e evolução para óbito. Encontrou-se forte associação entre uso de bicarbonato (p= 0,01 e OR=5,25 [IC95%: 1,26 - 22,47]); uso de drogas vasoativas (p<0,001 e OR=29,25 [IC95%: 4,96 - 225,18]); ventilação pulmonar mecânica (p= 0,005) e óbito (Tabela 1).

Após análise multivariada por regressão logística, na qual foram incluídas a idade, sexo, peso de nascimento, tempo de amamentação, uso de bicarbonato, drogas vasoativas e ventilação pulmonar mecânica, permaneceu no modelo somente a variável drogas vasoativas, sendo que o valor do odds ratio ajustado foi 18,56 [IC95%: 2,56 – 134,56 e p=0,003] e a idade, cujo odds ratio ajustado para o grupo menor que três meses foi 0,10 [IC95%: 0,01 – 0,90 e p=0,04].

DISCUSSÃO

Os estudos sobre diarréia aguda nos últimos anos concentraram-se prioritariamente sobre os mecanismos fisiopatológicos da doença, os agentes etiológicos mais comumente encontrados e novos testes diagnósticos, além da abordagem terapêutica, centrada, sobretudo, no manuseio nutricional. Poucos trabalhos abordam aspectos evolutivos dos casos mais graves, internados em unidades de terapia intensiva pediátrica. Nos últimos 15 anos, apenas um estudo desenvolvido por Mitra7 descreveu as complicações e a evolução de pacientes com doença diarréica aguda internados em uma unidade de terapia intensiva (UTI) de um hospital em Dhaka, Bangladesh.

Os episódios de diarréia aguda concentram-se, principalmente, na faixa etária de zero a cinco anos de idade, com apresentação de maior gravidade nas crianças abaixo de doze meses de idade2,8,10,11,12. No presente estudo, 69 pacientes (97,2%) apresentavam idade abaixo de 12 meses, com maior envolvimento dos menores de três meses (46,5%), não se constituindo, entretanto, esta faixa etária como fator de risco para óbito, e sim, fator protetor.

Entre os pacientes do estudo, a taxa de mortalidade foi 21,1%, semelhante à encontrada por Mitra7 (21%), mostrando que provavelmente a situação clínica das crianças admitidas em terapia intensiva com diagnóstico de diarréia reveste-se de maior gravidade e pior prognóstico. Este fato também pode ser atestado pelos quatro óbitos que ocorreram com menos de 24 horas em nosso estudo.

O baixo peso ao nascer (< 2500 g)13 foi um antecedente encontrado em 15 pacientes (24,6%). Em relação a este dado, dois estudos, ambos realizados na região sudeste do Brasil por Victoria14,15, mostraram a associação entre baixo peso ao nascer e mortalidade por diarréia, dado também apresentado por Post16 em estudo no Rio de Janeiro (Brasil).

Considerando que apenas oito crianças estavam recebendo aleitamento materno no momento da internação, pode-se afirmar que este grupo de pacientes internados por doença diarréica aguda grave tinha como característica a alimentação artificial. A ausência do aleitamento materno exclusivo é considerada como fator de risco para óbito causado por diarréia17. No presente estudo, o fato destes pacientes não amamentados e com diarréia aguda apresentarem quadro clínico de evolução grave já demonstra a influência da falta de leite materno no prognóstico da criança com doença diarréica aguda.

O principal agente isolado nas coproculturas foi a Escherichia coli enteropatogênica clássica (EPEC). Teka9, em Bangladesh, mostrou o isolamento de Shigella flexneri em aproximadamente 60% das crianças menores de cinco anos com diarréia aguda. Andrade8, em São Paulo, refere a EPEC como o principal agente etiológico na diarréia, além de estar envolvida como fator de risco para óbito. Shurky12, em estudo realizado no Egito, avaliando a etiopatogenia na diarréia fatal, mostrou que o rotavírus, a ETEC, a EPEC e a Salmonella ssp foram identificados em 66% dos casos estudados, não se constituindo como um fator de risco para um prognóstico desfavorável. No único trabalho sobre esta temática, Mitra7 não descreve os agentes isolados em coprocultura, mas apresenta dados que mostram que 75% dos pacientes evoluíram com sepse, com identificação etiológica em 23,2% dos casos, através de hemocultura. Nestas, os principais agentes isolados foram S. typhi, Escherichia coli e S. pneumoniae, mostrando que a diarréia pode ter sido a manifestação inicial de um quadro séptico ou que a diarréia aguda teria favorecido a instalação de quadro infeccioso secundário.

Na identificação de fatores evolutivos durante a internação na unidade de terapia intensiva, demonstrou-se associação com óbito nos pacientes que receberam bicarbonato de sódio e drogas vasoativas, além dos submetidos à ventilação pulmonar mecânica. Esta terapêutica é dirigida para pacientes com perfil de gravidade clínica extrema, em que medidas usuais de administração de líquidos e antibioticoterapia não surtem efeito. A administração de bicarbonato de sódio ocorreu em 15 pacientes, justificada por quadro metabólico de acidemia grave (pH sérico inicial menor que 7,2). A taxa maior de óbito neste grupo de pacientes provavelmente esteve relacionada à gravidade da situação clínica, já que quanto mais intensa a acidemia, pior é a condição clínica do paciente. Do mesmo modo, o uso de drogas vasoativas ocorreu nos pacientes refratários às medidas terapêuticas iniciais dirigidas para a condição clínica de choque, e somente este fator esteve associado ao risco maior de óbito, após análise multivariada.

Em se tratando de um trabalho retrospectivo, com as limitações inerentes a este tipo de estudo e a sua metodologia, todos os aspectos abordados e os resultados encontrados neste artigo devem ser respaldados, no futuro, por estudos prospectivos, utilizando protocolos terapêuticos bem definidos, com avaliação nutricional dos pacientes, e um suporte laboratorial que permita a recuperação etiológica dos agentes envolvidos na doença diarréica aguda na faixa etária pediátrica.

CONCLUSÃO

Ao final deste estudo, pode-se concluir que a diarréia aguda com choque atingiu preferencialmente lactentes jovens, em aleitamento artificial, e com alta letalidade. Não foi possível identificar fatores associados a óbito na admissão do paciente, mas os pacientes que, na evolução, necessitaram de ventilação pulmonar mecânica e fizeram uso de bicarbonato de sódio e droga vasoativa apresentaram pior prognóstico, com destaque para este último.

O fato de o presente estudo envolver pacientes admitidos em unidade de terapia intensiva dificulta a comparação com a maior parte dos trabalhos que abordam fatores prognósticos em quadros de diarréia aguda, realizados, em sua grande maioria, em enfermarias gerais e serviços de pronto-atendimento. Assim, procedimentos comuns realizados nos pacientes deste estudo, como ventilação pulmonar mecânica e o manejo hemodinâmico dirigido para o quadro clínico de choque através da expansão/reposição volêmica, a utilização de soluções cristalóides e/ou colóides e o uso de drogas vasoativas (dopamina, dobutamina), não puderam ser comparados com resultados de outros trabalhos. Nestes últimos, não se consegue obter dados de evolução clínica quando o paciente é transferido para unidades de terapia intensiva, ou analisar parâmetros clínicos e laboratoriais potencialmente associados a um prognóstico ruim ou ao óbito.

Sendo assim, para a identificação destes fatores de risco para óbito novos estudos deveriam ser realizados, de preferência prospectivos e com um número maior de pacientes, com coleta de dados clínicos e laboratoriais desde a sua admissão em pronto-socorro até a evolução dentro de uma unidade de cuidados intensivos.

Conflito de interesse: não há.

Artigo recebido: 06/05/04

Aceito para publicação: 13/05/05

Trabalho realizado no Hospital de Clínicas e Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

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  • *
    Correspondência: Rua Aristides Lobo, 789, Cidade Universitária, Campinas, São Paulo, Cep: 13083-060, Telefone (19) 3287-4560.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Ago 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      13 Maio 2004
    • Recebido
      06 Maio 2004
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