Acessibilidade / Reportar erro

Nevo intradérmico cerebriforme como causa de Cutis verticis gyrata

IMAGEM EM MEDICINA

Nevo intradérmico cerebriforme como causa de Cutis verticis gyrata

Aguinaldo Bonalumi FilhoI; Luiz Guilherme Darrigo JrII; João Carlos Regazzi AvelleiraIII; Bernard Kawa KacIV; David Rubem AzulayV

IProfessor da Pós-graduação de Dermatologia do Hospital Naval Marcilio Dias e Professor Correspondente do curso de Pós-graduação de Dermatologia do Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ

IIDoutorando em Medicina pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

IIIProfessor associado de Dermatologia do Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ

IVProfessor do Curso de Pós-graduação de Dermatologia do Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ

VChefe do Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro; Professor Titular do Curso de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica - RJ e Professor de Dermatologia da Fundação Técnico Educacional Souza Marques - FTESM e da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Rio de Janeiro, RJ

Cutis verticis gyrata (CVG) é uma doença rara que se caracteriza por excesso de pele no couro cabeludo, produzindo dobras espessas que levam à formação de sulcos que se assemelham aos giros do córtex cerebral. Foi, inicialmente, descrita na literatura por Robert, no ano de 1.843, tendo o nome cutis vertice gyrata sido proposto por Unna em 1.907, sendo este aceito até hoje1,2. Apresenta uma prevalência estimada de um caso para cada 100.000 homens e de 0.026 casos para cada 100.000 mulheres3. Pode tratar-se de uma manifestação isolada presente ao nascimento ou fazer parte de outras síndromes.

A CVG é classificada em primária (essencial e não essencial) e secundária. A forma primária essencial, não está associada à alteração neurológica e oftalmológica, ocorrendo somente formação de dobras no couro cabeludo, que mimetizam os giros cerebrais. Aparece na puberdade e incide, preferencialmente, em homens. A forma primária não essencial representa 0,5% dos pacientes com retardo mental. Paralisia cerebral, epilepsia, catarata e cegueira também podem estar presentes2,4,5,6.

As formas secundárias de CVG ocorrem, geralmente, em consequência de processos inflamatórios ou neoplásicos que provocam alterações na estrutura do couro cabeludo2,6. Uma das formas mais raras de CVG secundária é a forma nevóide, na qual os nevos melanocíticos intradérmicos são a causa da hipertrofia da pele. Esta condição é conhecida como nevo intradérmico cerebriforme (NIC) e foi, inicialmente, associada à CVG em 1.937 por Hammond e Ransom7. Pacientes afetados com NIC apresentam inteligência normal sem a presença de outras doenças locais ou sistêmicas.

O objetivo deste trabalho é relatar um caso raro de nevo intradérmico cerebriforme, discutindo-se os aspectos clínicos e histopatológicos.

Caso

Paciente feminina, 43 anos, branca, procurou o Instituto de Dermatologia Professor Azulay por apresentar lesão no couro cabeludo de grandes dimensões. Relatou que ao nascer apresentava pequena mácula normocrômica no couro cabeludo, a qual se desenvolveu gradualmente atingindo seu maior tamanho durante a puberdade. Ao exame físico observaram-se múltiplas áreas de alopecia, com massa convoluta normocrômica encobrindo as regiões parietal direita, temporal direita e occipital direita, pequenas áreas de dermatite seborreica que produziam odor fétido (figuras 1A e 1B). Exames neurológicos e oftalmológicos foram normais. A história familiar não apresentava particularidades.


Exame de raio X e tomografia computadorizada de crânio não evidenciaram comprometimento da calota craniana. Hemograma, função renal, hepática e tireoidiana estavam normais. A biópsia cutânea revelou nevo melanocítico intradérmico com maturação progressiva em direção à profundidade do tecido. Ninhos e cordões de nevócitos alcançavam a derme profunda e trechos do subcutâneo, configurando, assim, o subtipo intradérmico cerebriforme (Figuras 2 e 3).



Discussão

A CVG é uma doença rara que se caracteriza pelo crescimento excessivo da pele do couro cabeludo com formação de sulcos que lembram os giros do córtex cerebral2. As diferentes formas de CVG são classificadas como descrito a seguir:2,8,9.

1. Primária

A. Essencial: forma extremamente rara na qual somente observa-se o acometimento cutâneo.

B. Não essencial: está associada à deficiência mental, esquizofrenia, epilepsia, paralisia cerebral, anormalidades cranianas (especialmente microcefalia) e catarata.

2. Secundária

A. Inflamatória aguda ou crônica: dermatoses (eczema, psoríase, impetigo, erisipela, foliculite queloidiana e pênfigos).

B. Proliferativa: nevos intradérmico cerebriforme, lipomatoso, neurofibroma e dermatofibroma.

C. Miscelânea: acromegalia, paquidermoperiostose, acromegalia, sífilis, mixedema, cretinismo, leucemia, síndrome de Ehlers-Danlos, acantose nigricante, tuberose esclerose, amiloidose e diabete mellitus.

D. Trauma.

Assim o NIC é uma forma rara de CVG secundária caracterizada por lesões bem delimitadas que atingem, principalmente, a região parietal da calota craniana acometendo, preferencialmente, o sexo feminino7. Normalmente, as lesões encontram-se presentes já ao nascimento como máculas normocrômicas ou hipercrômicas que aumentam de tamanho e tornam-se elevadas ao longo dos anos. Gradualmente, as lesões vão tomando o aspecto cerebriforme que levam a alopecia e, além disso, podem ocorrer prurido, sangramento, infecções secundárias e odor fétido devido à proliferação bacteriana nas circunvoluções8. A repercussão estética e social do NIC torna-se extremamente importante.

A localização das lesões na região parietal, temporal e occipital da paciente relatada, está em concordância com a maioria dos relatos da literatura10. Além disso, as lesões cerebriformes, embora raras, podem acometer outras regiões, tendo sido descritos casos de lesões no pescoço e escroto, assim como a presença de melanoma maligno periférico associado ao nevo melanocítico cerebriforme gigante11,12,13. Quanto ao tamanho, os NIC podem variar de 2 x 3 cm a 22.5 x 25 cm7,14

O diagnóstico do NIC é baseado nos achados clínicos e confirmado pela histopatológia7. As características do exame histopatológico são: disposição intradérmica dos nevócitos com mínimo componente juncional, podendo acometer focos superficiais da hipoderme; envolvimento de estruturas anexiais pelos nevócitos; perda do arranjo típico de ninhos em trechos; prevalências de células névicas do tipo C com grandes áreas de diferenciação neuroide; arranjo e distribuição irregulares do pigmento melânico intracelular e agregado perivascular dos nevócitos15.

O diagnóstico diferencial é feito com CVG primária, as demais formas de CVG secundárias e outras patologias tais como: o nevo sebáceo cerebriforme e a aplasia cútis congênita7.

O tratamento consiste na excisão cirúrgica adequada, com eventual reconstrução plástica. Pequenas lesões podem ser removidas com excisão e sutura simples. Caso a lesão seja maior, deve ser realizada rotação de retalho ou cirurgias seriadas com ou sem emprego de expansor ou outras técnicas, minimizando as deformidades estéticas10.

Devido à possibilidade do considerável crescimento destas lesões na puberdade, a excisão e sutura precoce devem ser avaliadas, evitando-se assim, uma cirurgia extensa posteriormente. Outro argumento favorável à remoção precoce do NIC é a presença do melanoma, embora seu surgimento seja raro10.

Trabalho realizado no Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ

* Correspondência: Rua Carneiro Lobo, 570 sala 405 - Batel Curitiba - PR CEP: 80240-240 bonalumi@hotmail.com

  • 1. Unna PG. Cutis verticis gyrata. Monatsschr Prakt. 1907;45:227-33.
  • 2. Schenato LK, Gil T, Carvalho LA, Ricachnevsky N, Sanseverino A, Halpern R. Cutis verticis gyrata primária essencial. J. Pediatr (Rio J). 2002;78(1):75-80.
  • 3. Larsen F, Birchall N. Cutis verticis gyrata: three cases with different aetiologies that demonstrate the classification system. Australas J Dermatol. 2007;48(2):91-4.
  • 4. Tan O, Ergen D. Primary essential cutis verticis gyrata in an adult female patient: a case report. J Dermatol. 2006;33(7):492-5.
  • 5. Radwanski HN, Almeida MW, Pitanguy I. Primary essential cutis verticis gyrata-a case report. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2009;62(11):e 430-3.
  • 6. Azulay RD, Azulay DR, Azulay LA. Dermatologia. 5Ş ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008.
  • 7. von Geest AJ, Berretty PJ, Klinkhamer PJ, Neumann HA. Cerebriform intradermal naevus (a rare form of secondary cutis verticis gyrata). J Eur Acad Dermatol Venereol. 2002;16(5):529-31.
  • 8. Orkin M, Frichot BC 3rd, Zelickson AS. Related Articles, Links. Cerebriform intradermal nevus. A cause of cutis verticis gyrata. Arch Dermatol. 1974;110(4):575-82.
  • 9. Prado C, Hernando V, Esperon G, Cardama, Rial C, Cimadevila P. Intradermal cerebriform nevus. Actas Dermosifiliogr. 1980;71(3-4):143-50.
  • 10. Hamm JC, Argenta LC. Related Articles, Links. Giant cerebriform intradermal nevus. Ann Plast Surg. 1987;19(1):84-8.
  • 11. Jeanfils S, Tennstedt D, Lachapelle JM. Related Articles, Links. Cerebriform intradermal nevus. A clinical pattern resembling cutis verticis gyrata. Dermatology. 1993;186(4):294-7.
  • 12. Gross PR, Carter DM. Malignant melanoma arising in a giant cerebriform nevus. Arch Dermatol. 1967;96(5):536-9.
  • 13. Goldstone S, Samitz MH, Carter DM. Giant cerebriform nevus of the scalp with malignant melanoma and metastases. Arch Dermatol. 1967;95(1):137.
  • 14. Tabata H, Yamakage A, Yamazaki S. Related Articles, Links Cerebriform intradermal nevus. Int J Dermatol. 1995;34(9):634.
  • 15. Magnin PH, Schroh RG, Cajas R, Pacheco E, Aguirre L. Particularidades del nevo melanocitico cerebriforme. Rev Argent Dermatol. 1987;68(5):341-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    2010
Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ramb@amb.org.br