Acessibilidade / Reportar erro

A influência de variáveis sociodemográficas, clínicas e funcionais sobre a qualidade de vida de idosos com artroplastia total do quadril

Resumos

OBJETIVOS: Avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) de idosos com Artroplastia Total de Quadril (ATQ) e investigar a relação e a influência de variáveis sociodemográficas, clínicas e funcionais nesses sujeitos. MÉTODOS: A QVRS foi avaliada por meio das versões brasileiras dos instrumentos genérico The Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36) e específico Western Ontario and McMaster Universities Osteoarthritis Index (WOMAC) em 88 idosos com ATQ primária e unilateral de ambos os gêneros. Os dados foram submetidos às análises estatísiticas: descritiva; análise de variância univariada (ANOVA) e multivariada (MANOVA) para verificar a influência das variáveis estudadas nas dimensões do SF-36 e do WOMAC e testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis para comparação dos escores dos instrumentos entre as variáveis. RESULTADOS: A amostra estudada teve predomínio das mulheres, e a média de idade foi de 68,8(±7,4) anos. A função do quadril, avaliada pelo Harris Hip Score, foi a variável que apresentou influência significativa na QVRS sob a perspectiva do instrumento genérico e do específico. O uso de acessórios para a locomoção, a função do quadril e a satisfação com a cirurgia foram as principais variáveis que apresentaram diferenças significativas nas dimensões do SF-36 e do WOMAC. CONCLUSÕES: Investimentos no âmbito funcional e programas de reabilitação direcionados às peculiaridades dos idosos com ATQ podem beneficiar essa população.

qualidade de vida; artroplastia de quadril; idosos


OBJECTIVES: To evaluate the health-related quality of life (HRQOL) of elderly people with total hip arthroplasty (THA) and to investigate the relationships and influences of the sociodemographic, clinical and functional variables of these subjects. METHODS: The HRQOL was evaluated by means of the Brazilian versions of the Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36), a general instrument, and the Western Ontario and McMaster Universities Osteoarthritis Index (WOMAC), a specific instrument. Eighty-eight elderly people of both genders with primary unilateral THA were recruited. The data were subjected to descriptive analysss, univariate analysis of variance (ANOVA) and multivariate analysis of variance (MANOVA) to investigate the influences of the variables studied in the dimensions of the SF-36 and WOMAC; and the Mann-Whitney and Kruskal-Wallis tests to compare instrument scores between the variables. RESULTS: There was a predominance of women in the study sample, and their mean age was 68.8 (± 7.4) years. Hip function, as assessed by the Harris Hip Score, had a significant influence on HRQOL from the perspective of both the general and the specific instruments. The use of accessories for locomotion, hip functions and satisfaction with the surgery were the main variables that demonstrated significant differences in the dimensions of the SF-36 and the WOMAC. CONCLUSIONS: Investments in functional and rehabilitation programs aimed towards the peculiarities of elderly people with THA can benefit this population.

quality of life; hip arthroplasty; elderly people


ARTIGO ORIGINAL

A influência de variáveis sociodemográficas, clínicas e funcionais sobre a qualidade de vida de idosos com artroplastia total do quadril

Mariana K. Rampazo; Maria José D'Elboux

Departamento de Gerontologia, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas (SP), Brasil

Correspondência para Correspondência para: Mariana Kátia Rampazo Rua General Osório, 516, Centro CEP 15900-000, Taquaritinga (SP), Brasil e-mail: marianarampazo@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) de idosos com Artroplastia Total de Quadril (ATQ) e investigar a relação e a influência de variáveis sociodemográficas, clínicas e funcionais nesses sujeitos.

MÉTODOS: A QVRS foi avaliada por meio das versões brasileiras dos instrumentos genérico The Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36) e específico Western Ontario and McMaster Universities Osteoarthritis Index (WOMAC) em 88 idosos com ATQ primária e unilateral de ambos os gêneros. Os dados foram submetidos às análises estatísiticas: descritiva; análise de variância univariada (ANOVA) e multivariada (MANOVA) para verificar a influência das variáveis estudadas nas dimensões do SF-36 e do WOMAC e testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis para comparação dos escores dos instrumentos entre as variáveis.

RESULTADOS: A amostra estudada teve predomínio das mulheres, e a média de idade foi de 68,8(±7,4) anos. A função do quadril, avaliada pelo Harris Hip Score, foi a variável que apresentou influência significativa na QVRS sob a perspectiva do instrumento genérico e do específico. O uso de acessórios para a locomoção, a função do quadril e a satisfação com a cirurgia foram as principais variáveis que apresentaram diferenças significativas nas dimensões do SF-36 e do WOMAC.

CONCLUSÕES: Investimentos no âmbito funcional e programas de reabilitação direcionados às peculiaridades dos idosos com ATQ podem beneficiar essa população.

Palavras-chave: qualidade de vida; artroplastia de quadril; idosos.

Introdução

A Artroplastia Total de Quadril (ATQ), caracterizada pela substituição da articulação do quadril, é um tratamento eficaz para pacientes com osteoartrite (OA) severa do quadril1 e para alguns casos de fraturas do colo do fêmur2. A população que se beneficia com este tratamento são os idosos, uma vez que as doenças crônicas não-transmissíveis, como a OA e as fraturas do colo do fêmur, têm maior prevalência nesta faixa etária1,3.

Pacientes com OA de quadril sofrem com a sucessiva piora da dor no quadril devido à degeneração progressiva articular, o que gera um quadro de incapacidades físicas e, consequentemente, considerável alteração na sua qualidade de vida (QV).

Em função de todos esses acometimentos, a ATQ tem como objetivo primordial restabelecer a função e melhorar a QV daquele indivíduo que já sofreu deterioração nas suas atividades de vida diária (AVDs) e aguardou, algumas vezes, por muito tempo, tal procedimento cirúrgico, no qual depositou a esperança de retornar ao seu cotidiano livre de dor e incapacidades1,3.

Com referência aos idosos que sofreram fraturas do colo femoral, a ATQ está associada a um melhor resultado do que a fixação interna, devolvendo aos idosos condições de função e QV equivalentes àquelas anteriores à hospitalização2.

Diversos fatores clínicos estão relacionados a esta cirurgia, tais como o índice de massa corporal (IMC) e a satisfação com seus resultados referida pelos pacientes. Há evidências de que pacientes obesos (IMC>30 Kg/m2) submetidos a cirurgias de substituição articular de quadril e de joelho apresentam bons resultados funcionais com melhora considerável da QV4,5. Outros estudos com pacientes submetidos à ATQ demonstraram uma satisfação significativa com relação aos resultados obtidos após a cirurgia6,7.

Incluem-se ainda na efetividade da ATQ a redução da dor e a melhora da função em pacientes com OA de quadril8-11 e, consequentemente, benefícios consideráveis na sua Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS), compreendida como uma abordagem multidimensional que engloba os aspectos físicos, mentais e sociais relacionados à presença de sintomas, incapacidades e limitações causadas pelas doenças12.

Na evolução das investigações sobre a QVRS, vários instrumentos têm sido desenvolvidos para quantificar os estados de saúde e são divididos em dois grupos: genéricos e específicos13-15. De acordo com a literatura, tanto as medidas genéricas como as específicas devem ser incluídas na avaliação da QVRS13,16,17.

Assim, considerando a influência de variáveis sociodemográficas, clínicas e funcionais sobre a QVRS e a recomendação da literatura quanto à utilização de instrumentos genérico e específico para avaliação da QVRS e, ainda, a escassez de estudos que investigam os resultados dessa cirurgia altamente invasiva, mas de eficácia comprovada entre os idosos18,19, o presente estudo teve como objetivos avaliar a QVRS de idosos com ATQ primária e investigar a influência e a relação das variáveis gênero, idade, IMC, dor, acessórios para locomoção, função do quadril, tempo pós-operatório e satisfação com a cirurgia.

Materiais e métodos

Sujeitos

A amostra utilizada foi não-probabilística de conveniência e, desse modo, não foi realizado o cálculo do tamanho amostral. O critério de amostragem utilizado foi o período determinado para a coleta dos dados (sete meses). Participaram da seleção deste estudo 132 pacientes de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 60 anos, que se encontravam em seguimento ambulatorial em dois importantes hospitais de referência do interior do Estado de São Paulo, Brasil, submetidos à ATQ primária e unilateral, no mínimo há seis meses, considerando a data da entrevista.

Foram incluídos os pacientes que apresentavam capacidade de compreensão e comunicação verbal. Foram excluídos pacientes com déficits visuais que comprometessem a função, hemiparesia ou hemiplegia ou com história de outras cirurgias de artroplastia em outra articulação, a fim de excluir a possibilidade de influência de intervenções cirúrgicas diferentes da ATQ e sequelas com comprometimento funcional na percepção da QVRS e aqueles que se recusaram a participar do estudo, de acordo com a Resolução 196/96. Foram recrutados os pacientes disponíveis nos referidos ambulatórios dentro do período do estudo, sendo que, dos 132 pacientes, 88 sujeitos atenderam aos critérios de inclusão, concordaram em participar da pesquisa e foram avaliados após assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas (CEP-FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas (SP), Brasil (Parecer Nº 778/2006).

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada no período de setembro de 2007 a março de 2008 por meio de consulta ao prontuário para a obtenção de dados referentes à condição clínica do paciente bem como de entrevista e avaliação individual para a caracterização sociodemográfica, medidas de avaliação funcional e de QVRS. A avaliação dos sujeitos foi realizada nos ambulatórios de ortopedia de dois hospitais e os seguintes instrumentos foram utilizados:

a) Instrumento de caracterização sociodemográfica e clínica (ICSC) para obtenção de dados referentes à idade e gênero, assim como informações quanto à caracterização clínica: dor no quadril operado, dor em outras articulações, uso de acessórios para a locomoção e IMC. Neste estudo, considerou-se obesidade IMC>30 Kg/m2 de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)20. Os dados referentes à ATQ incluíram: o motivo da cirurgia, tempo de pós-operatório (data da cirurgia até a data da coleta de dados) e satisfação com os resultados da cirurgia.

b) Avaliação funcional do quadril por meio do questionário Harrris Hip Score (HHS), instrumento desenvolvido por Harris21, validado internacionalmente para pacientes com ATQ22. A inclusão desse instrumento justifica-se por sua frequente utilização na comunidade ortopédica local para avaliações funcionais do quadril. É constituído de uma escala que varia de 0 a 100 pontos, e os domínios incluem dor, função, deformidade e amplitude de movimento (ADM). A pontuação total para o domínio dor é de 44 pontos e para o domínio função, de 47 pontos, sendo este último subdividido em AVDs e marcha, com 14 e 33 pontos, respectivamente. Os escores desses domínios resultam das respostas dos sujeitos obtidas por meio de entrevista, já os domínios deformidade e ADM são avaliados pelo examinador com a utilização de fita métrica e goniômetro. Para o domínio deformidade, podem ser atribuídos até 4 pontos e para o domínio ADM até 5 pontos. Considera-se um resultado funcional ruim se o escore total do HHS for menor que 70 pontos; regular, se for entre 70 e 79; bom, se a pontuação for entre 80 e 89 e excelente para o intervalo de 90 a 100 pontos.

c) The Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36), instrumento genérico de avaliação da QVRS23, traduzido e validado no Brasil24. É constituído por 36 itens, englobados em 8 dimensões: capacidade funcional (10 itens), aspectos físicos (4 itens), dor (2 itens), estado geral de saúde (5 itens), vitalidade (4 itens), aspectos sociais (2 itens), saúde mental (5 itens) e uma questão de avaliação comparativa entre as condições de saúde atual e as de um ano atrás. A estratégia utilizada é a entrevista e a avaliação dos resultados é feita mediante a atribuição de escores para cada questão, os quais são transformados numa escala de zero a 100, onde zero corresponde a "pior estado de saúde" e 100 a "melhor estado de saúde". Não há pontos de corte, e cada dimensão é avaliada separadamente.

d) Western Ontario and McMaster Universities Osteoarthritis Index (WOMAC), instrumento específico de avaliação da QVRS para pacientes com OA de quadril e de joelho25, traduzido e adaptado para o Brasil26. Seu uso é indicado para a avaliação pós-operatória de artroplastia total de joelho e quadril27. É composto por 24 itens, divididos em três dimensões. A dimensão dor apresenta 5 questões, a dimensão rigidez articular apresenta 2 questões, e a dimensão incapacidade física apresenta 17 questões, aplicadas por meio de entrevista. Cada questão conta com cinco alternativas de resposta, em uma escala do tipo Likert (nenhuma, leve, moderada, forte e muito forte), com as gradações 0, 1, 2, 3 e 4, respectivamente. Assim, zero representa a ausência do sintoma e 4 o pior resultado quanto àquele sintoma. Somadas as pontuações, cada dimensão recebe um escore, que é transformado em uma escala de zero a 100 pontos, sendo zero o melhor estado de saúde e 100 o pior estado possível.

Análise estatística

Os dados foram submetidos às seguintes análises estatísticas:

a) Análise descritiva, com medidas de posição e dispersão para os dados sociodemográficos, clínicos, relacionados à ATQ, funcionais e para os escores dos instrumentos de medida de QVRS utilizados;

b) Análise de variância multivariada (MANOVA) para verificar a influência conjunta das variáveis de interesse (gênero, idade, IMC, dor, uso de acessórios para locomoção, tempo de pós-operatório, satisfação com a cirurgia e função do quadril) nas medidas de avaliação da QVRS do SF-36 e do WOMAC, e a análise de variância univariada (ANOVA) para avaliar a influência de cada variável nos escores de cada dimensão do SF-36 e do WOMAC. Foram selecionados de 8 a 9 fatores de influência na QV para as análises multivariadas. Autores recomendam cerca de 8 a 15 sujeitos por fator ou variável28,29. As variáveis foram transformadas em postos ou ranks para essas análises por não haver distribuição normal.

c) Análise de comparação, com o emprego dos testes de Mann-Whitney (2 grupos) e de Kruskal-Wallis (>3 grupos), seguido do Teste post-hoc de Dunn para comparar os escores dos instrumentos SF-36 e WOMAC entre as variáveis de interesse devido à ausência de distribuição normal das variáveis.

O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5%, ou seja, p<0,05.

Resultados

Conforme a Tabela 1, destaca-se que dos 88 idosos estudados, a maioria era do sexo feminino e com predomínio da faixa etária entre 60 e 69 anos. Dores no quadril operado e em outras articulações foram relatadas pela maioria do grupo avaliado, entretanto houve predominância de idosos muito satisfeitos com os resultados da cirurgia.

A Tabela 2 apresenta as médias dos escores obtidos em cada domínio do SF-36 e do WOMAC.

As dimensões da QVRS mais comprometidas, segundo o SF-36, foram aspectos físicos, capacidade funcional e dor. Em relação ao WOMAC, os pacientes apresentaram médias baixas nos escores das dimensões dor e rigidez, o que indica uma menor interferência desses aspectos na QV desses idosos. Entretanto, a dimensão referente à atividade física apresentou média mais elevada e, conforme o escore desse instrumento, que indica pior QVRS quanto maior a pontuação, demonstra um maior comprometimento dos aspectos físicos diante do instrumento específico. Destaca-se ainda que nenhum sujeito apresentou a pontuação máxima nas diferentes dimensões do WOMAC e, ao se analisar a variação observada, nota-se que, na dimensão dor, a pontuação foi maior do que aquela alcançada na dimensão atividade física.

As Tabelas 3 e 4 expõem os resultados das ANOVAs e MANOVAs.

Na análise univariada, a função do quadril foi a variável que exerceu influência significativa (p<0,05) em todas as dimensões do SF-36, com exceção das dimensões vitalidade e saúde mental. Ressalta-se também a variável gênero, que apresentou influência significativa nas dimensões capacidade funcional (p=0,007) e aspectos físicos (p<0,001).

Ambas as variáveis apresentaram significância estatística na análise multivariada: gênero (p=0,026) e função do quadril (p<0,001). Outras dores articulares, tempo de pós-operatório e satisfação com a cirurgia influenciaram as dimensões aspectos emocionais (p=0,022), dor (p=0,016) e estado geral de saúde (p=0,030), respectivamente.

No que diz respeito ao instrumento WOMAC, a ANOVA mostrou que também a função do quadril foi a variável que influenciou duas das três dimensões do WOMAC: dor (p=0,011) e atividade física (p<0,001). Somente essa variável apresentou significância estatística (p=0,008) na MANOVA.

Para melhor compreensão das diferenças significativas obtidas na ANOVA, foi realizada a análise comparativa, conforme mostra a Tabela 5.

As variáveis em estudo que apresentaram diferença significativa nas dimensões dos dois instrumentos utilizados foram: gênero, dor no quadril operado, uso de acessórios para locomoção, função do quadril e satisfação com a cirurgia.

No conjunto de variáveis investigadas, merece destaque a função do quadril que apresentou diferença estatisticamente significativa em todos os domínios do WOMAC e do SF-36, com exceção da dimensão saúde mental, indicando que os idosos com melhor pontuação no HHS, ou seja, melhor função do quadril, apresentaram melhor pontuação nas dimensões dos respectivos instrumentos de avaliação de QVRS.

Discussão

As características sociodemográficas dos sujeitos deste estudo correspondem aos achados da literatura no que diz respeito à prevalência de mulheres e à média de idade na população idosa10,11,18,19.

Com a perspectiva de a ATQ ser cada vez mais disseminada e procurada à medida que a proporção de idosos na população aumenta e, consequentemente, o índice de OA de quadril e de fraturas do colo do fêmur, essa técnica cirúrgica tem evoluído para tornar-se uma das mais comuns e mais bem sucedidas operações ortopédicas da atualidade, pois promove grandes benefícios a essa população30.

Os dados do presente estudo referentes à obesidade (IMC>30 Kg/m2), corroboram os achados de outro estudo5, que também não obteve diferenças significantes entre obesidade e os resultados de substituição articular de quadril e joelho, a menos que o paciente apresentasse obesidade mórbida (IMC>40 Kg/m2). Entretanto, estudos relatam que, em pacientes obesos, a avaliação da melhora da QV é ainda considerável, desde que eles tenham ciência do aumento dos riscos que essa cirurgia implica4,5.

Em relação à presença de dor no quadril operado (55,6%), apresentada também em outro estudo7, porém com uma proporção menor (40%), não foi uma variável que influenciou a QVRS de acordo com a MANOVA. Em contrapartida, na comparação das médias dos escores dos instrumentos de avaliação de QVRS entre os idosos com ATQ que apresentavam ou não dor no quadril operado, constataram-se diferenças significativas nos domínios capacidade funcional, aspectos físicos e dor do SF-36 e nos domínios dor e atividade física do WOMAC, considerando que as piores médias foram referentes aos sujeitos que relataram dor articular. Os autores7 sugerem a realização de estudos longitudinais para que a questão da dor possa ser efetivamente investigada.

No presente estudo, o tempo de pós-operatório e o uso de acessórios para a locomoção foram variáveis que não apresentaram relevância estatística na QVRS, o que sugere não influenciar a QVRS desses sujeitos.

Já a função do quadril foi a variável que influenciou o maior número de dimensões do SF-36 e do WOMAC. Tais resultados corroboram os de outros estudos que ressaltam a maior influência de questões referentes aos aspectos físicos sobre a QV de idosos com ATQ2,31. Entretanto, outros autores que avaliaram a QVRS em dois grupos de idosos, um composto por idosos com OA, portadores de substituição articular de quadril e joelho, e outro sem história de cirurgia de substituição articular, destacaram que a influência das questões físicas na QV deve-se também ao fato da OA afetar, geralmente, mais de uma articulação11.

O aspecto funcional tem forte associação com a QV de pacientes que realizaram ATQ, e os benefícios na QVRS após a ATQ estão relacionados mais frequentemente ao aumento da mobilidade, à melhora da função no trabalho e nas atividades domésticas, ao aumento das atividades de lazer e ao alívio da dor9,10,31.

Na comparação dos escores dos domínios do SF-36 e do WOMAC, evidenciou-se que os idosos que pontuaram melhor no HHS apresentavam melhor pontuação nos instrumentos de avaliação de QVRS, exceto na dimensão saúde mental do instrumento genérico.

Conforme a composição do instrumento de avaliação funcional do quadril Harris Hip Escore21, que avalia questões referentes à dor, marcha, AVDs, deformidades no quadril e à ADM do quadril, sua utilização pode identificar a importância de se acrescentar uma avaliação funcional relacionada ao quadril juntamente com a avaliação da QVRS em grupos de idosos com ATQ. Essa associação é essencial, uma vez que a maior expectativa gerada pelo paciente candidato à ATQ está relacionada aos ganhos funcionais.

A satisfação com os resultados da cirurgia, relatada por 77,3% dos sujeitos, foi uma variável que demonstrou diferenças significativas na maioria dos escores dos domínios do SF-36 e do WOMAC. Segundo pesquisadores, essa cirurgia pode trazer benefícios tanto em nível funcional quanto psicológico, emocional e social, sendo que os pacientes que receberam reabilitação pós-operatória apresentaram melhores níveis de satisfação e função de quadril quando comparados a pacientes sem essa intervenção8. Outro estudo evidenciou que a satisfação referida por um grupo de pacientes que receberam intervenção fisioterapêutica pré-operatória foi maior (99%) que a referida por um grupo que não recebeu tal intervenção (80%).

Nesse raciocínio, evidencia-se a necessidade de otimizar os resultados funcionais da ATQ com a implantação de programas de reabilitação, intervindo desde a preparação do paciente para o processo cirúrgico até o seu retorno às suas atividades cotidianas8-10.

Os dados obtidos neste estudo revelam que a função do quadril foi a variável que influenciou significativamente a QVRS dos idosos estudados, tanto no instrumento genérico quanto no específico. Assim, investir nos aspectos funcionais de idosos com ATQ e, como consequência, melhorar a dor, a locomoção e a satisfação são estratégias que podem interferir positivamente na QVRS dessas pessoas.

Investigações futuras longitudinais com ampliação da amostra devem ser conduzidas a fim de verificar se medidas que diminuem ou eliminam os déficits funcionais podem proporcionar melhora na QVRS em idosos com ATQ.

Recebido: 20/01/2009

Revisado: 16/08/2009

Aceito: 18/08/2009

  • 1. Garbuz DS, Xu M, Duncan CP, Masri BA, Sobolev B. Delays worsen quality of life outcome of primary total hip arthroplasty. Clin Orthop Relat Res. 2006;447:79-84.
  • 2. Wazir NN, Mukundala VV, Choon DS. Early results of prosthetic hip replacement for femoral neck fracture in active elderly patients. J Orthop Surg (Hong Kong). 2006;14(1):43-6.
  • 3. Fujita K, Makimoto K, Hotokebuchi T. Qualitative study of osteoarthritis patients' experience before and after total hip arthroplasty in Japan. Nurs Health Sci. 2006;8(2):81-7.
  • 4. Stickles B, Philips L, Brox WT, Owens B, Lanzer WL. Defining the relationship between obesity and total joint arthroplasty. Obes Res. 2001;9(3):219-23.
  • 5. Hamoui N, Kantor S, Vince K, Crookes PF. Long-term outcome of total knee replacement: does obesity matter? Obes Surg. 2006;16(1):35-8.
  • 6. McGregor AH, Rylands H, Owen A, Doré CJ, Hughes SP. Does preoperative hip rehabilitation advice improve recovery and patient satisfaction? J Arthroplasty. 2004;19(4):464-8.
  • 7. Lavernia C, D'apuzzo M, Hernandez VH, Lee DJ. Patient-perceived outcomes in thigh pain after primary arthroplasty of the hip. Clin Orthop Relat Res. 2005;441:268-73.
  • 8. Barrois B, Gouin F, Ribinik P, Revel M, Rannou F; Societé Française de Médicine Physique et Réadaptation (Sofmer). What is the interest of rehabilitation in physical medicine and functional rehabilitation ward after total hip arthroplasty? Elaboration of french clinical practice guidelines. Ann Readapt Med Phys. 2007;50(8):700-4.
  • 9. Röder C, Staub LP, Eggli S, Dietrich D, Busato A, Müller U. Influence of preoperative functional status on outcome after total hip arthroplasty. J Bone Joint Surg Am. 2007;89(1):11-7.
  • 10. van den Akker-Scheek I, Zijlstra W, Groothoff JW, Bulstra SK, Stevens M. Physical functioning before and after total hip arthroplasty: perception and performance. Phys Ther. 2008;88(6):712-8.
  • 11. Linsell L, Dawson J, Zondervan K, Rose P, Carr A, Randall T, et al. Pain and overall health status in older people with hip and knee replacement: a population perspective. J Public Health (Oxf). 2006;28(3):267-73.
  • 12. Seidl EMF, Zannon CMLC. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cad Saúde Pública. 2004;20(2):580-8.
  • 13. Fayers PM, Machin D. Quality of life: the assessment, analysis and interpretation of patient-reported outcomes. Chischeste: John Wiley & Sons; 1998.
  • 14. Ciconelli RM. Medidas de avaliação de qualidade de vida. Rev Bras Reumatol. 2003;43(2):9-13.
  • 15. Lopes AD, Ciconelli RM, Reis FB. Medidas de avaliação de qualidade vida e estados de saúde em ortopedia. Rev Bras Ortop. 2007;42(11/12):355-9.
  • 16. Ware JE. Measuring patients' views: the optimum outcome measure. SF-36: a valid, reliable assessment of health form the patient's pont of view. BMJ. 1993;306(6890):1429-30.
  • 17. Guyatt GH, Naylor CD, Juniper E, Heyland DK, Jaeschke R, Cook DJ. Users' guides to medical literature. XII. How to use article about related quality of life. Evidence-based medicine working group. JAMA. 1997;277(15):1232-7.
  • 18. Alfonso DT, Howell RD, Strauss EJ, Cesare PE. Total hip and knee arthroplasty in nonagenarians. J Arthroplasty. 2007;22(6):807-11.
  • 19. Conlon NP, Bale EP, Herbison GP, McCarroll M. Postoperative anemia and quality of life after primary hip arthroplasty in patients over 65 years old. International Anesth Analg. 2008;106(4):1056-61.
  • 20
    World Health Organization. Anales da 36ª Reunión del comité asesor de investigaciones en salud. Encuesta multicentrica: salud, bien estar y envejecimiento (SABE) en América Latina y el Caribe; mayo 2001. Washington (DC): Wold Health Organization.
  • 21. Harris WH. Traumatic arthritis of the hip after dislocation and acetabular fractures: treatment by mold arthroplasty. An end-result study using a new method of result evaluation. J Bone Joint Surg Am. 1969;51(4):737-55.
  • 22. Söderman P, Malchau H. Is the Harris hip score system useful to study the outcome of total hip replacement? Clin Orthop Relat Res. 2001;384:189-97.
  • 23. Ware JE Jr, Sherbourne CD. The MOS 36-item short-form health survey (SF-36). I. Conceptual framework and item selection. Med Care. 1992;30(6):473-83.
  • 24. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39(3):143-50.
  • 25. Bellamy N, Buchanan WW, Goldsmith CH, Campbell J, Stitt LW. Validation study of WOMAC: a health status instrument for measuring clinically important patient relevant outcomes to antirheumatic drug therapy in patients with osteoarthritis of the hip or knee. J Reumatol. 1988;15(12):1833-40.
  • 26. Fernandes MI. Tradução e validação do questionário de qualidade de vida específico para osteoartrose WOMAC (Western Ontário and McMaster Universities) para a língua portuguesa [dissertação]. São Paulo (SP): Unifesp; 2002.
  • 27. Soohoo NF, Vyas RM, Samimi DB, Molina R, Lieberman JR. Comparison of the responsiveness of the SF-36 and WOMAC in patients undergoing total hip arthroplasty. J Arthroplasty. 2007;22(8):1168-73.
  • 28. Tabachnick BG, Fidell LS. Using multivariate statistics. 4Ş ed. Boston: Allyn and Bacon; 2001.
  • 29. Stevens J. Applied multivariate statistics for the social sciences. 2Ş ed. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates; 1992.
  • 30. Wood GC, McLauchlan GJ. Outcome assessment in the elderly after total hip arthroplasty. J Arthroplasty. 2006;21(3):398-404.
  • 31. Oberg T, Oberg U, Svidén G, Nordwall Persson A. Functional capacity after hip arthroplasty: a comparison between evaluation with three standard instruments and a personal interview. Scand J Occup Ther. 2005;12(1):18-28.
  • Correspondência para:
    Mariana Kátia Rampazo
    Rua General Osório, 516, Centro
    CEP 15900-000, Taquaritinga (SP), Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      20 Jan 2009
    • Aceito
      18 Ago 2009
    • Revisado
      16 Ago 2009
    Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Fisioterapia Rod. Washington Luís, Km 235, Caixa Postal 676, CEP 13565-905 - São Carlos, SP - Brasil, Tel./Fax: 55 16 3351 8755 - São Carlos - SP - Brazil
    E-mail: contato@rbf-bjpt.org.br