Acessibilidade / Reportar erro

Qualidade de vida e saúde bucal em crianças - parte II: versão brasileira do Child Perceptions Questionnaire

Quality of life and oral health in children - Part II: Brazilian version of the Child Perceptions Questionnaire

Resumos

O Child Perceptions Questionnaire (CPQ11-14) é um instrumento auto-aplicável para avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde bucal em crianças. O objetivo do estudo foi de traduzir e adaptar o questionário para seu uso no Brasil. O questionário foi traduzido do original em inglês ao português, utilizando o processo de tradução reversa (inglês/português/inglês), seguido de avaliação pelo comitê revisor e pela adaptação cultural em um grupo de 20 crianças. As crianças de 11 a 14 anos não compreenderam algumas questões do questionário. Inicialmente, as questões 4 e 11 apresentaram nível de incompreensão superior a 15%. Foram feitas as adaptações necessárias e a terceira versão em português foi auto-aplicada em uma nova amostra de 20 crianças. Nesta etapa, somente a questão 40 foi incompreendida e modificada. Q quarta versão em português foi considerada adequada para mais de 95% das crianças avaliadas. A versão para o português do instrumento CPQ11-14 é um instrumento útil para avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde bucal em crianças brasileiras.

Questionários; Qualidade de vida; Tradução (Processo); Criança; Saúde bucal


The Child Perceptions Questionnaire (CPQ11-14) is a self-administered instrument for the assessment of oral health-related quality of life in children. The objective of this study was to translate and adapt the questionnaire for use in Brazil. The questionnaire was translated from the English original into Brazilian Portuguese using the back-translation method (English/Portuguese/English), followed by evaluation by the review committee and cultural adaptation in a sample of 20 children. Eleven- to fourteen-year-old children did not understand some questions of the questionnaire. Initially, questions 4 and 11 showed an index of "incomprehensibility" in excess of 15%. The necessary cultural adapations were made and the third Portuguese version of CPQ11-14 was self-applied on a new sample of 20 children. Only one question (40) was misunderstood and modified. The fourth Portuguese version was considered adequate by more than 95% of the children evaluated. The Portuguese version of CPQ11-14 is a useful instrument for assessing oral health-related quality of life in Brazilian children.

Questionnaires; Quality of life; Translation; Children; Oral health


TEMAS LIVRES FREE THEMES

Taís de Souza Barbosa; Maria Beatriz Duarte Gavião

Departamento de Odontologia Infantil, Área de Odontopediatria, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas. Avenida Limeira 901. 13414-903 Piracicaba SP. mbgaviao@fop.unicamp.br

ABSTRACT

The Child Perceptions Questionnaire (CPQ11-14) is a self-administered instrument for the assessment of oral health-related quality of life in children. The objective of this study was to translate and adapt the questionnaire for use in Brazil. The questionnaire was translated from the English original into Brazilian Portuguese using the back-translation method (English/Portuguese/English), followed by evaluation by the review committee and cultural adaptation in a sample of 20 children. Eleven- to fourteen-year-old children did not understand some questions of the questionnaire. Initially, questions 4 and 11 showed an index of "incomprehensibility" in excess of 15%. The necessary cultural adapations were made and the third Portuguese version of CPQ11-14 was self-applied on a new sample of 20 children. Only one question (40) was misunderstood and modified. The fourth Portuguese version was considered adequate by more than 95% of the children evaluated. The Portuguese version of CPQ11-14 is a useful instrument for assessing oral health-related quality of life in Brazilian children.

Key words: Questionnaires, Quality of life, Translation, Children, Oral health

RESUMO

O Child Perceptions Questionnaire (CPQ11-14) é um instrumento auto-aplicável para avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde bucal em crianças. O objetivo do estudo foi de traduzir e adaptar o questionário para seu uso no Brasil. O questionário foi traduzido do original em inglês ao português, utilizando o processo de tradução reversa (inglês/português/inglês), seguido de avaliação pelo comitê revisor e pela adaptação cultural em um grupo de 20 crianças. As crianças de 11 a 14 anos não compreenderam algumas questões do questionário. Inicialmente, as questões 4 e 11 apresentaram nível de incompreensão superior a 15%. Foram feitas as adaptações necessárias e a terceira versão em português foi auto-aplicada em uma nova amostra de 20 crianças. Nesta etapa, somente a questão 40 foi incompreendida e modificada. Q quarta versão em português foi considerada adequada para mais de 95% das crianças avaliadas. A versão para o português do instrumento CPQ11-14 é um instrumento útil para avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde bucal em crianças brasileiras.

Palavras-chave: Questionários, Qualidade de vida, Tradução (Processo), Criança, Saúde bucal

Introdução

Observa-se atualmente aumento na frequência das avaliações da qualidade de vida relacionada à saúde bucal (Oral health-related quality of life - OHRQoL). Estas avaliações mensuram os impactos funcionais e psicossociais das doenças bucais e são direcionadas a suplementarem os indicadores clínicos, proporcionando quantificação compreensiva da saúde bucal dos indivíduos e da população.

Neste contexto, as crianças também devem ser consideradas, devido ao grande número de desordens orais que as acometem e que provavelmente comprometem o funcionamento, o bem-estar e a qualidade de vida das mesmas1,2. Assim, pesquisadores canadenses desenvolveram um grupo de questionários denominado Child Perceptions Questionnaire, que consiste de versões específicas para grupos etários entre 8 e 10 anos (Child Perceptions Questionnaire - CPQ8-10)3 e entre 11-14 anos (CPQ11-14)4. Estes instrumentos ajustam-se aos conceitos contemporâneos de saúde infantil e direcionam-se às crianças em diferentes estágios de desenvolvimento com condições orais variadas.

O contexto cultural e linguístico no qual o instrumento de avaliação da qualidade de vida é utilizado pode influenciar a validade e a confiabilidade dos relatos obtidos. Torna-se de importância, portanto, que o instrumento seja traduzido para o idioma de origem do país a ser utilizado e que seja precisamente adaptado às características socioculturais da população a ser analisada, permitindo a avaliação fidedigna. Além disso, é preciso que o instrumento seja facilmente administrado e que não demande tempo na aplicação. O CPQ11-14 já foi adaptado para utilização em outros idiomas5-7, porém não se tem conhecimento da realização da adaptação cultural criteriosa para a língua portuguesa. Tesh et al.8 enfatizam que o processo de avaliação da equivalência semântica na adaptação transcultural de instrumentos de qualidade de vida associada à saúde bucal deve ter uma base conceitual e se apoiar em metodologias criteriosamente definidas. Sendo assim, o presente estudo objetivou traduzir o CPQ11-14 para a língua portuguesa, bem como realizar a adaptação cultural do instrumento para população de crianças brasileiras.

Métodos

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Piracicaba - Universidade Estadual de Campinas (FOP - Unicamp). Os responsáveis pelas crianças foram informados sobre os objetivos da pesquisa e confidencialidade dos dados. Todos os responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O CPQ11-14 é um questionário auto-preenchível, desenvolvido por Jokovic et al.4, o qual avalia as percepções das crianças, com idade entre 11 e 14 anos, sobre os impactos das doenças bucais na qualidade de vida das mesmas. Consiste de 41 itens que se referem aos impactos ocorridos durante os últimos três meses anteriores à avaliação. O questionário apresenta quatro domínios: sintomas orais (questões 5 a 10), limitações funcionais (questões 11 a 19), bem-estar emocional (questões 20 a 28) e bem-estar social (questões 29 a 41). As opções de resposta variam de zero a quatro pontos (0=nunca; 1=uma ou duas vezes; 2=algumas vezes; 3=várias vezes; 4=todos os dias ou quase todos os dias). O total da escala é a soma das pontuações destas 37 questões e os escores podem variar de zero a 103. As questões 3 e 4 avaliam a percepção global da saúde bucal e do bem-estar geral, respectivamente. O item 3 é medido com escores que variam de zero (0) para "excelente" até quatro (4) para "ruim". Os escores da questão 4 variam de zero (0) para "nem um pouco" até quatro (4) para "muitíssimo". Um alto escore indica maior impacto na qualidade de vida. Os itens 1 e 2 se referem ao gênero e idade da criança, respectivamente.

O processo utilizado para a tradução e adaptação transcultural do CPQ11-14 foi baseado na metodologia postulada por Guillemin et al.9 e envolveu 4 etapas: tradução, retradução, avaliação por comitê de especialistas e adaptação cultural (Figura 1).


Etapa 1: Tradução

A tradução inicial do inglês para o português foi feita por dois tradutores brasileiros, independentes e qualificados, que estavam cientes dos objetivos da tradução. As duas traduções foram comparadas pelos tradutores e pelo primeiro autor do estudo (TSB) e, em caso de divergências, foram feitas modificações até obter um consenso quanto à tradução inicial (primeira versão em português).

Etapa 2: Retradução

A primeira versão em português do CPQ11-14 foi retraduzida para o inglês por dois professores de inglês, americanos, que não conheciam os objetivos nem a versão original. Tais traduções ocorreram de forma independente.

Etapa 3: Avaliação por comitê de especialistas

A etapa de revisão pelo comitê visou produzir a versão final da escala, comparando os resultados entre si. O comitê foi formado pelo primeiro autor (TSB) e por três especialistas em Odontopediatria (brasileiros, conhecedores com fluência da Língua Inglesa), que analisaram as discrepâncias entre a versão original, a primeira versão em português e as duas retraduções. Quando necessário, as sentenças em português foram reescritas até obtenção de um consenso, gerando-se a segunda versão em português.

Em seguida, avaliou-se a equivalência semântica (gramática e vocabulário), idiomática (tradução de expressões que não pode ser feita de forma literal, devendo equivaler no seu sentido) e cultural de cada item (experiências vivenciadas dentro do contexto cultural da sociedade), além do cuidado específico com as instruções de preenchimento e a coerência da apresentação.

Etapa 4: Adaptação cultural

O questionário foi aplicado a um grupo de 20 crianças na faixa etária entre 11 a 14 anos de idade, de ambos os gêneros, selecionadas aleatoriamente das escolas públicas de Piracicaba. A cada uma das 39 questões foi acrescentada a alternativa "não entendi", com a finalidade de identificar questões que não fossem compreendidas, sendo consideradas culturalmente inapropriadas.

De acordo com Guillemin et al.9, a equivalência cultural é estabelecida, quando não se verifica dificuldades de compreensão das questões elaboradas, ou dos termos utilizados por no mínimo 85% dos indivíduos, os quais não devem mostrar algum tipo de dificuldade para responder a cada questão formulada. Caso este número ultrapasse o limite estabelecido, esta questão é avaliada pelo comitê de especialistas e substituída por outra de mesmo conceito, para que não seja alterada de modo significativo a estrutura e propriedade de avaliação desta questão. Depois de modificada, esta versão seria novamente aplicada a outro grupo de 20 indivíduos, sendo sua equivalência cultural testada novamente, até que nenhuma questão fosse incompreensível para mais de 15% das crianças.

Resultados

Etapas 1 e 2: Tradução e retradução

A Tabela 1 apresenta os itens da versão original, das traduções e das retraduções, bem como a sinopse do processo de decisão relativo à especificação da primeira e segunda versão em português.

No processo de tradução, as versões feitas por ambos os tradutores para alguns itens foram idênticas ou praticamente idênticas. Nos outros itens, também, ou foi priorizada uma versão sobre a outra, ou ambas foram combinadas na versão de consenso (primeira versão em português), sempre com o objetivo de conseguir maior clareza do item.

Em algumas oportunidades, apesar dos termos utilizados estarem corretos do ponto de vista da tradução literal, optou-se por uma versão a outra, para melhor compreender o significado da afirmativa. No item 7, o termo "dor" apresentaria um significado muito vago para a população estudada, tendo-se optado pela especificidade do termo "ferida", encontrado na segunda tradução. Também, na questão 25, optou-se pelo termo "chateado" ao invés de "irritado" por melhor representar o significado do item. Já na questão 40, optou-se pela T2 para expressão "se sentir excluído", aparentemente mais apropriado do que o termo "se sentir de fora".

Em alguns itens, apesar dos termos utilizados serem sinônimos, optou-se por uma versão a outra, facilitando a interpretação pelas crianças. No item 12, a expressão "levar mais tempo" foi escolhida ao invés do termo "demorar". Na questão 14, as palavras "comida" e "carne" foram preferidas aos termos "alimento" e "bife", respectivamente. No item 17, optou-se por utilizar o termo "desejar" ao invés de "gostar". No item 19, optou-se pela palavra "alimento" à palavra "comida". Na questão 22, o termo "constrangido", ainda que correto do ponto de vista da tradução literal, é considerado um termo de pouca circulação e entendimento na população alvo que o instrumento pretende avaliar, tendo-se optado pelo termo "envergonhado". Nas questões 24, 27 e 28, optou-se pelo termo "preocupar" ao termo "angustiar" para representar a palavra "worry".

Em outras situações decidiu-se juntar termos das duas traduções, com a finalidade de melhor compreender, em conjunto, o significado na primeira versão em português. Assim, optou-se por usar, na questão 9, os termos "comida grudada" (T2) e "dentro ou entre dentes" (T1); na questão 10, as palavras "comida presa" e "alto da boca"; no item 16, os termos "dizer" e "alguma palavra"; no item 33, os termos "participar" e "viagem escolar", e na alternativa 36, os termos "gravador" e "trompete".

No outro extremo, apesar da concordância nas sentenças das traduções quanto às questões 23, 30 e 31, nenhuma das duas mostrou-se gramaticalmente adequada, tendo-se optado por uma terceira alternativa, propondo-se a inserção da preposição "para" ao invés da preposição "de" após o termo "dificuldade", nas questões 30 e 31. No item 23, optou-se pela utilização da preposição "sobre" ao invés das preposições "de" e "a respeito de". Em algumas situações as modificações foram semânticas. Por exemplo, no item 39 optou-se pelo termo "zombar" ao invés de "xingar" ou "chamar de nomes" devido ao contexto em que o item é utilizado. Já no item 4, optou-se por uma modificação, propondo-se "no geral" para representar o termo "overall".

Etapa 3: Avaliação por comitê de especialistas

As modificações sugeridas pelo comitê de especialistas estão apresentadas na Tabela 1. Em algumas oportunidades foram efetivadas modificações e adaptações que explicitamente alteraram a estrutura do instrumento original.

Nesta etapa, foram feitas algumas substituições de termos utilizados na versão nº 1 em português por palavras sinônimas tendo em vista o melhor entendimento pela população estudada. Nos itens 9, 10 e 14, optou-se pelo termo "alimento" ao invés do termo "comida" por melhor representar o contexto em que o item é usado. O termo "carne" foi substituído por "bife", na questão 14, já que certas carnes não implicam em dificuldade na mastigação. Na questão 19, fez-se a opção por substituir o termo "frio" pelo termo "gelado", uma vez que bebidas frias não necessariamente provocam sintomatologia dolorosa. Na questão 29, acrescentou-se a palavra "dentista" referente ao termo "consulta", uma vez que a concepção do instrumento original se refere especificamente à ausência na escola devido à consulta odontológica. Além disso, algumas expressões foram substituídas por outras com o mesmo sentido: "você diria que" por "você acha que" (item 3), "evitou participar" por "não quis participar" (itens 33 e 35).

Em outras situações, as modificações foram realizadas considerando a equivalência experimental. Na questão 36, referente às atividades não habitualmente realizadas pela população brasileira, os termos "clarineta" e "trompete" foram removidos por não fazerem parte do contexto cultural da população estudada. Desta forma, manteve-se o termo "flauta" e acrescentou-se o termo "gaita". A equivalência cultural foi também observada quando o termo "zombar" foi modificado para "caçoar", que além da substituição da palavra necessitou de explicação entre parênteses ("tirar sarro") para facilitar o entendimento do item.

Em alguns casos os termos utilizados na versão nº 1 em português foram considerados insatisfatórios, como na questão 36, o termo "gravador", ainda que correto do ponto de vista da tradução literal, foi considerado inadequado por não representar o significado conceitual da questão avaliada. Além disso, a tradução inicial deste item mostrou-se gramaticalmente inadequada, tendo-se optado por uma modificação, propondo-se a inserção da preposição "para" ao invés da preposição "de" após o termo "dificuldade".

Apesar da similaridade entre as retraduções e a versão original, em alguns casos os termos utilizados na versão nº 1 em português foram considerados insatisfatórios. A expressão "problemas para dormir", encontrada no item 13, mostrou-se inadequada, uma vez que, no contexto em que o item é usado, os problemas se referem ao que ocorre durante o sono e não antes de dormir. Desta forma, optou-se por usar a expressão "problemas enquanto dormia". Na questão 10, o termo "alto da boca", ainda que correto do ponto de vista da tradução literal foi considerado inadequado por não representar o significado conceitual da questão avaliada. Assim, foi proposta a expressão "céu da boca" para representar o termo "top of mouth". O termo "gravador" foi removido da questão 36 por não representar o significado conceitual da questão avaliada. No mais, a tradução inicial deste item mostrou-se gramaticalmente inadequada, tendo-se optado por uma modificação, propondo-se a inserção da preposição "para" ao invés da preposição "de" após o termo "dificuldade". Todas estas modificações foram realizadas com a finalidade de melhor compreender o significado das afirmativas, bem como de facilitar a interpretação pelas crianças.

Etapa 4: Adaptação cultural

Finalizado o processo de tradução, foi iniciado o processo de adaptação cultural, no qual as alternativas com 15% ou mais para a alternativa "não compreendida" foram modificadas e adaptadas pelo comitê revisor até que valores menores que 15% fossem alcançados. Participaram do pré-teste 60 crianças (20 crianças em cada etapa de adaptação cultural), com idade entre 11 e 14 anos, sendo 63,3% do gênero feminino. Nas três etapas da adaptação cultural, houve frequência similar das diferentes idades e o gênero predominante foi o feminino (Tabela 2).

Na primeira aplicação, as alternativas 4 e 11, referentes aos domínios global e função, respectivamente, obtiveram índice de "não compreensão" de 20%. Na alternativa 4, a frase foi reescrita trocando a ordem das palavras, substituindo a expressão "vida no geral" por "dia a dia" e acrescentando entre parênteses a explicação para o termo "condições (boas ou ruins)" para facilitar o entendimento do item. Na alternativa 11, o termo "respirar pela boca" não foi compreendido por 20% dos indivíduos, necessitando de explicação entre parênteses (ficar de boca aberta). Em relação aos domínios oral, emocional e social, na primeira aplicação, nenhuma alternativa obteve índice de "não-compreensão" de 15% ou mais.

Na segunda aplicação, a alternativa 40, pertencente ao domínio social, obteve índice de "não-compreensão" de 30%. Na alternativa 40, a expressão "fizeram você se sentir excluído" foi substituída por palavras equivalentes "não deixaram você participar do grupo de amigos" para que não alterassem o conceito, a estrutura e a propriedade de base do instrumento. Nesta etapa, as alternativas referentes aos outros domínios foram bem compreendidas, não ultrapassando o valor de 15% de "não compreensão".

Na terceira aplicação, obteve-se 100% de compreensão pelas crianças nos domínios geral e oral. No entanto, para algumas alternativas dos outros domínios houve 5 a 10% de não compreensão entre os indivíduos. Esses valores não foram significativos para modificação, portanto, os termos foram mantidos.

Finalmente, foi obtida a versão traduzida e adaptada para língua portuguesa do instrumento CPQ11-14.

Discussão

A validade de uma investigação epidemiológica depende de vários quesitos, dentre os quais a validade das informações colhidas8,10. Não só importa a qualidade do processo de coleta, mas também a do instrumento utilizado. Para ser considerado válido, um instrumento deve ser capaz de captar adequadamente o evento ou o conceito subjacente. Nesse sentido, se já é difícil alcançar essa validade no âmbito do contexto linguístico em que um instrumento é concebido, isto é ainda mais difícil quando um instrumento necessita ser usado em uma língua estrangeira.

Herdman et al.11 discutiram esta questão no contexto dos programas de investigação sobre qualidade de vida, identificando a confusão terminológica e a real carência de sistemática na avaliação de equivalência transcultural entre instrumentos desenvolvidos em um certo idioma e sua(s) versão(ões). Além disso, os autores sugerem que a falta de equivalência transcultural leva ao comprometimento da validade de informação e, assim, à incapacidade de corretamente estudar-se um conceito. Segundo Hebling e Pereira12, a correta interpretação das medidas de qualidade de vida requer um entendimento não somente de suas propriedades psicométricas, mas também dos fatores conceituais que podem influenciar nas avaliações dos pacientes de sua saúde e bem-estar.

Neste contexto, Guillemin et al.9 oferecem diretrizes a serem seguidas na adaptação transcultural de instrumentos para realidades culturais distintas das quais foram originalmente desenvolvidos. Este protocolo envolve quatro etapas essenciais: tradução, retradução, avaliação por comitê de especialistas e pré-teste. Além disso, os autores recomendam que sejam verificadas as seguintes equivalências: semântica, idiomática, experiencial e conceitual. O presente estudo seguiu as diretrizes preconizadas por Guillemin et al.9, minimizando a ocorrência de viés e resultados tendenciosos.

Durante a etapa de tradução, valorizou-se a equivalência semântica, e não a literal entre os termos, uma vez que nem sempre a literal se mostra mais vantajosa em expressar conceitos ou situações da nova população que se deseja estudar 8,9,13,14. Do ponto de vista processual, destaca-se a relevância de se usar e se confrontar mais de uma versão. Além de possibilitar uma escolha de itens a incorporar ou, ainda, permitir a junção de itens oriundos de diferentes versões, esta estratégia permite escrutinar a sequência dos procedimentos, incluindo as próprias traduções, suas retraduções e as apreciações que se seguem. A importância de uma crítica geral realizada pelo comitê de especialistas também deve ser ressaltada. Na terceira etapa foi possível detectar problemas nas fases anteriores do estudo e, então, redirecionar decisões que, do contrário, poderiam ter sido insatisfatórias.

As diferenças existentes entre as definições, crenças e comportamentos impõem que a utilização de um instrumento elaborado em outros contextos culturais seja precedida, além da tradução confiável, a adaptação cultural para o país em que vem sendo aplicado, de forma que mantenha os mesmos conceitos do original15. Na etapa de avaliação cultural do presente estudo, o número de sujeitos envolvidos e a caracterização da amostra no pré-teste foram adequadamente descritos, estando de acordo com os critérios metodológicos preconizados para adaptação cultural de questionários16. Durante as três aplicações, foram apontadas as questões não compreendidas por 15% ou mais da população com o propósito de discutir possíveis dificuldades de aplicação do instrumento relacionadas à forma em que o mesmo foi elaborado. Foram observadas algumas dificuldades quanto à aceitação da população para o uso de determinados termos na construção das frases dos domínios geral, função e social. Expressões, como "vida no geral" e "se sentir excluído", foram consideradas inapropriadas por abrangerem um sentido inespecífico, tornando-as passíveis de incompreensão pela população estudada. Além disso, em dois momentos, houve também a necessidade da inclusão de expressões explicativas aos itens, no intuito de manter fidelidade ao propósito da versão original.

Na mesma linha de argumentação, é importante destacar que a melhora progressiva do entendimento demonstrado nas diversas fases de teste da adaptação cultural mostra que a simples tradução não garante a equivalência com o questionário original, ressaltando-se, assim, a importância dada pela literatura à utilização de um guia sistematizado no processo de tradução e adaptação cultural9,13.

Considerações finais

A adaptação transcultural tenta assegurar a consistência na validade de conteúdo e de face entre as versões do questionário (original e na língua-alvo), não garantindo, entretanto, que serão preservadas a confiabilidade e a validade de critério da versão original. Diferenças sutis nos hábitos de vida nas diferentes culturas podem levar um item do questionário a ser mais ou menos difícil de ser compreendido, podendo alterar as propriedades psicométricas e estatísticas do instrumento. Portanto, para que a adaptação transcultural seja plenamente alcançada, é também necessário um estudo de equivalência de mensuração, com avaliação da confiabilidade e validade da nova versão.

Colaboradores

TS Barbosa contribuiu com a concepção, o planejamento, a organização e o desenvolvimento do projeto; participou de todo o seu desenvolvimento, desde a coleta dos dados e interpretação dos resultados até a elaboração do manuscrito. MBD Gavião contribuiu com a concepção, planejamento, organização, orientação e correção de todas as etapas do desenvolvimento do trabalho.

Agradecimentos

A CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Brasília, DF, Brasil) pelo apoio financeiro para a realização do estudo.

Artigo apresentado em 23/11/2008

Aprovado em 20/05/2009

Versão final apresentada em 31/05/2009

  • 1. Surgeon General's Report. Oral Health in America. Bethesda, MD: U.S. Department of Health and Human Services, National Institute of Dental and Craniofacial Research, National Institutes of Health; 2000.
  • 2. Buczynski AK, Castro GF, Souza IPR. O impacto da saúde bucal na qualidade de vida de crianças infectadas pelo HIV: revisão de literatura. Cien Saude Colet 2008; 13(6):1797-1805.
  • 3. Jokovic A, Locker D, Tompson B, Guyatt G. Questionnaire for measuring oral health-related quality of life in eight- to ten-year-old children. Pediatr Dent 2004; 26(6):512-518.
  • 4. Jokovic A, Locker D, Stephens M, Kenny D, Tompson B, Guyatt G. Validity and reliability of a questionnaire for measuring child oral-health-related quality of life. J Dent Res 2002; 81(7):459-463.
  • 5. Marshman Z, Rodd H, Stern M, Mitchell C, Locker D, Jokovic A et al. An evaluation of the Child Perceptions Questionnaire in the UK. Community Dent Health 2005; 22(3):151-155.
  • 6. Brown A, Al-Khayal Z. Validity and reliability of the Arabic translation of the child oral health related quality of life questionnaire (CPQ11-14) in Saudi Arabia. Int J Paediatr Dent 2006; 16(6):405-411.
  • 7. McGrath C, Pang HN, Lo EC, King NM, Hägg U, Samman N. Translation and evaluation of a Chinese version of the Child Oral Health-related Quality of Life measure. Int J Paediatr Dent 2008; 18(4): 267-274.
  • 8. Tesch FC, Oliveira BH, Leão A. Equivalência semântica da versão em português do instrumento Early Childhood Oral Health Impact Scale. Cad Saude Publica 2008; 24(8):1897-1909.
  • 9. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol 1993; 46(12):1417-1432.
  • 10. Reichenheim ME, Moraes CL. Alguns pilares para a apreciação da validade de estudos epidemiológicos. Rev Bras Epidemiol 1998; 1(2):131-148.
  • 11. Herdman M, Fox-Rushby J, Badia X. "Equivalence" and the translation and adaptation of health-related quality of life questionnaires. Qual Life Res 1997; 6(3):237-247.
  • 12. Hebling E, Pereira AC. Oral health-related quality of life: a critical appraisal of assessment tools used in elderly people. Gerodontology 2007; 24(3):151-161.
  • 13. Beaton DE, Bombardier C, Guillemim F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine 2000; 25(24):3186-3191.
  • 14. Reichenheim ME, Moraes CL, Hasselmann MH. Equivalência semântica da versão em português do instrumento Abuse Assessment Screen para rastrear a violência contra a mulher grávida. Rev Saude Publica 2000; 34(6):610-616.
  • 15. Oku EC, Andrade AP, Stadiniky SP, Carrera EF, Tellini GG.Tradução e adaptação cultural do Modified-University of California at Los Angeles Shoulder Rating Scale para a língua portuguesa. Rev Bras Reumatol 2006; 46(4):246-252.
  • 16. Castro RAL, Portela MC, Leão AT. Adaptação transcultural de índices de qualidade de vida relacionada à saúde bucal. Cad Saude Publica 2007; 23(10): 2275-284.
  • Qualidade de vida e saúde bucal em crianças - parte II: versão brasileira do Child Perceptions Questionnaire 11-14

    Quality of life and oral health in children - Part II: Brazilian version of the Child Perceptions Questionnaire 11-14
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Jul 2011

    Histórico

    • Recebido
      23 Nov 2008
    • Aceito
      31 Maio 2009
    ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: cienciasaudecoletiva@fiocruz.br