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Culicidae (Diptera) em área de barragem em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul

Culicidae (Diptera) in the dam area bordering the states of Santa Catarina and Rio Grande do Sul, Brazil

Resumos

A composição de Culicidae do lago de Barra Grande, situado entre os municípios de Esmeralda (Rio Grande do Sul) e Anita Garibaldi (Santa Catarina), foi realizada com coletas mensais. Vinte e quatro espécies foram identificadas dentre um total de 1.185 espécimes (74,7% adultos e 25,3% imaturos), sendo Aedes fluviatilis Lutz a espécie mais frequente. Algumas espécies constituem novos registros e são interesse em saúde pública. O fato sugere que mudanças ambientais na área podem alterar a relação entre humanos e mosquitos vetores.

Mosquito; inquérito entomológico; degradação ambiental


The Culicidae composition of the Barra Grande Lake situated between the municipalities of Esmeralda (Rio Grande do Sul State) and Anita Garibaldi (Santa Catarina State) was assessed by monthly samplings. Twenty-four species were identified from a total of 1,185 specimens (74.7% as adults and 25.3% as immatures), with Aedes fluviatilis Lutz as the most frequent species. Several species are new records, and some of them are of public health interest. It is suggested that local environmental changes may alter the relationship between humans and vector mosquitoes.

Mosquito; entomological surveillance; environmental degradation


SCIENTIFIC NOTE

Culicidae (Diptera) em área de barragem em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul

Culicidae (Diptera) in the dam area bordering the states of Santa Catarina and Rio Grande do Sul, Brazil

Almério C GomesI; Marcia B PaulaI; João B Vitor NetoI; Rodrigo BorsariII; Antonio S FerraudoIII

IDepto. de Epidemiologia, Faculdade de Saúde Pública, Univ. de São Paulo, Av Doutor Arnaldo 715, Cerqueira César, 01246-904, São Paulo, SP; agcastro@usp.br; bicudo@usp.br; joaobvn@usp.br

IIBorsari Engenharia e Meio Ambiente Ltda, Rua Marechal Rondon 436, Sala 11, Jardim América, 14020-220, Ribeirão Preto, SP; rodrigo.borsari@borsariengenharia.com.br

IIIUniv. Estadual Paulista Julho de Mesquita Filho, Via de Acesso Professor Paulo Donato Castellane s/n, 14884-900, Jaboticabal, SP; ferraudo@fcav.unesp.br

RESUMO

A composição de Culicidae do lago de Barra Grande, situado entre os municípios de Esmeralda (Rio Grande do Sul) e Anita Garibaldi (Santa Catarina), foi realizada com coletas mensais. Vinte e quatro espécies foram identificadas dentre um total de 1.185 espécimes (74,7% adultos e 25,3% imaturos), sendo Aedes fluviatilis Lutz a espécie mais frequente. Algumas espécies constituem novos registros e são interesse em saúde pública. O fato sugere que mudanças ambientais na área podem alterar a relação entre humanos e mosquitos vetores.

Palavras-chave: Mosquito, inquérito entomológico, degradação ambiental

ABSTRACT

The Culicidae composition of the Barra Grande Lake situated between the municipalities of Esmeralda (Rio Grande do Sul State) and Anita Garibaldi (Santa Catarina State) was assessed by monthly samplings. Twenty-four species were identified from a total of 1,185 specimens (74.7% as adults and 25.3% as immatures), with Aedes fluviatilis Lutz as the most frequent species. Several species are new records, and some of them are of public health interest. It is suggested that local environmental changes may alter the relationship between humans and vector mosquitoes.

Key words: Mosquito, entomological surveillance, environmental degradation

Os lagos formados pela construção de usinas hidrelétricas no Brasil são favoráveis à proliferação de mosquitos Culicidae. Nesses locais, a relação entre criadouros e coletas de adultos é importante para o conhecimento da estrutura populacional e do nível de impacto ambiental na área (Marrelli et al 2007), principalmente devido ao surgimento de importantes espécies transmissoras de doenças humanas (Guimarães et al 1997).

A construção da Usina Hidrelétrica de Barra Grande entre Santa Catarina (SC) e Rio Grande do Sul (RS) inundaria 8.140 ha de florestas primárias do bioma da Mata Atlântica, abrindo perspectiva para a abundância dos culicídeos nativos e causando impacto ambiental em diversos municípios vizinhos ao lago a ser formado (Prochnow 2005).

Este estudo visa registrar a composição das populações de Culicidae antes do enchimento do lago de Barra Grande, buscando produzir dados que sirvam de parâmetro para estudos comparativos após a modificação da área.

A área de estudo localiza-se entre os municípios de Esmeralda (RS) e Anita Garibaldi (SC) (27º46'S e 51º13'W), situados às margens do rio Pelotas. Oito pontos de investigação foram estabelecidos na área de estudo: Pontos 1 (27º45'19''S e 51º10'53''W) e 2 (27º45'14''S e 51º03'53''W) apresentavam vegetação ciliar densa, com árvores de médio e grande porte e baixa intensidade de ocupação humana. Os pontos 3 (27º55'10''S e 50º59'02''W) e 4 (28º05'47''S e 50º49'38''W) eram localizados nas fendas e bacias formadas nas rochas, com vegetação de mata nativa, de médio e grande porte. O ponto 5 (28º14'10''S e 50º45'41''W) caracteriza-se pela sua influência antrópica, contendo moradias, comércios e área de lazer. Apresenta vegetação pouco preservada, com clareiras e desmatamento. Os pontos 6 (27º55'28''S e 51º05'23''W), 7 (27º46'49''S e 51º14'19''W) e 8 (27º56'42''S e 50º55'59''W) apresentavam vegetação nativa e ocupação humana.

Adultos e imaturos de culicídeos foram amostrados mensalmente de setembro de 2004 a janeiro de 2005 nos oito pontos ao entorno do lago da Barragem de Barra Grande (Fig 1). Adultos foram capturados com armadilha de Shannon, das 17:00h às 20:00h, enquanto os imaturos foram coletados com concha de alumínio de 500 ml em ambientes de lagoas, brejos, córregos, rochedos com ou sem vegetação aquática. Exemplares representativos de cada táxon foram depositados na Coleção Entomológica do Laboratório de Entomologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.


Do total de 1.185 espécimes coletados, sendo 885 (74,7%) adultos e 300 (25,3%) imaturos, foram identificadas 24 espécies de culicídeos: Aedes fluviatilis (Lutz), representando 64,4% dos espécimes coletados; Aedes crinifer (Theobald), 14,7%; Culex (Culex) dolosus (Lynch Arribálzaga) /eduardoi Casal & Garcia, 8,3%; Culex (Culex) grupo Coronator, 3,0%; Anopheles intermedius (Peryassú), 2,5%; Culex (Culex) sp., 1,5%; Anopheles galvaoi Causey, Deane & Deane, 0,9%; Aedes scapularis (Rondani) e Anopheles (Anopheles) sp., 0,7%; Anopheles albitarsis Lynch Arribálzaga, Culex (Melanoconion) Theobald seção Melanoconion e Coquillettidia chrysonotum (Peryassú) /albifera (Prado), 0,5%; Aedes serratus (Theobald), Anopheles evansae (Brèthes) e Anopheles strodei Root, 0,3%; Anopheles parvus (Chagas), Lutzia sp. e Psorophora ferox (Humboldt), 0,2%; Aedes hastatus/oligopistus Dyar, Chagasia sp., Runchomyia reversa Lane & Cerqueira, Sabethes albiprivus Theobald, Sabethes melanonymphe (próximo) Dyar e Sabethes purpureus (Theobald), 0,1%.

Aedes fluviatilis foi o mais frequente em ambas as formas coletadas (adultos - 66,4%; imaturos - 58,3%). Na forma alada destacaram-se A. crinifer (19,7%) e A. intermedius (3,3%) e na forma imatura, C. dolosus ou eduardoi (30,0%) e Culex (Culex) grupo Coronator (11,3%). Para outras localidades, a composição da fauna culicideana foi mais rica. No entanto, essa variabilidade depende da distribuição geográfica e do grau de preservação ou devastação ambiental (Teodoro et al 1995, Paula & Gomes 2007). Como a área de estudo situa-se em um vale de acentuado grau de degradação e o número de coletas foi reduzido, era esperada uma composição de culicídeos restrita; mesmo assim, 24 espécies foram assinaladas, tanto no ambiente antrópico como no de fragmentos florestais residuais. Service (1993) destacou a importância de se conhecer a relação das espécies com o hábitat específico, tanto natural quanto artificial, como passo anterior à definição relacionada à saúde pública.

Paterno & Marcondes (2004) registraram 22 espécies da Mata Atlântica em Santa Catarina, enquanto Cardoso et al (2004, 2005) referiram 71 no Rio Grande do Sul. Na composição de culicídeos encontrada na área de abrangência da represa de Barra Grande, não foram assinaladas 18 espécies para o primeiro estado e cinco para o segundo.

Aedes fluviatilis esteve amplamente distribuída nos pontos de capturas da área, havendo relatos de sua distribuição desde criadouros em escavações nas rochas, até áreas modificadas com presença de moradias, estabelecimentos comerciais e áreas de recreação (Forattini 2002). A atual ocupação humana nas proximidades da represa pode potencializar o crescimento populacional de A. fluviatilis, elevando seu contato com humanos em suas atividades de lazer nas margens do rio Pelotas e nas moradias durante os meses quentes do ano.

Há poucos estudos sobre os hábitos de A. crinifer, havendo a necessidade de novos estudos para avaliar sua importância na área, assim como, de C. dolosus/eduardoi e Culex (Culex) grupo Coronator, já que essas espécies têm amplo potencial para se desenvolver em ambiente antrópico. Para os espécimes do gênero Anopheles Meigen, Quintero et al (1996) e Tubaki et al (1999) relataram crescimento populacional depois da formação de um lago, o que pode ser esperado para Barra Grande, dada a presença de seis espécies desse gênero.

Deve-se ressaltar que, no passado, a bromélia-malária foi um grande problema em Santa Catarina (Veloso et al 1956). Com a estabilidade do lago, espécies como A. scapularis, Culex (Culex) sp. e Sabethes sp. podem ter seus criadouros modificados com a formação de uma nova paisagem, uma vez que são encontrados em solo aberto (Dorvillé 1995).

Conclui-se que os ambientes estudados apresentam espécies de culicídeos de interesse em saúde pública, permitindo novos registros para Santa Catarina e Rio Grande do Sul. As próximas alterações poderão resultar em espécies com outro potencial de inter-relações homem-mosquito, com subsequentes riscos epidemiológicos, além do incômodo devido à atividade hematofágica.

Agradecimentos

Ao Técnico de Informática Rodrigo Alexandre Sportello pelo apoio na estruturação da imagem. À Fundação de Apoio à Pesquisa, Ensino e Extensão (FUNEP) pelo financiamento do projeto.

Received 23/I/08.

Accepted 22/I/09.

Edited by Eunice Galati - FSP/USP

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Set 2009
  • Data do Fascículo
    Ago 2009

Histórico

  • Aceito
    22 Jan 2009
  • Recebido
    23 Jan 2008
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