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Amamentação, hábitos bucais deletérios e oclusopatias em crianças de cinco anos de idade em São Pedro, SP

Resumos

OBJETIVO: estimar a frequência de oclusopatias e suas associações com o tipo e o período de amamentação, hábitos bucais deletérios e informações recebidas pelas mães no pré-natal, em crianças com cinco anos de idade que frequentavam creches municipais. MÉTODOS: a amostra consistiu de 162 crianças residentes no município de São Pedro, SP. Em entrevista com cada mãe, informações sobre o tempo e a forma de aleitamento, a presença de hábitos deletérios, e orientações recebidas pela mãe durante o pré-natal foram coletadas. O exame epidemiológico foi realizado nas dependências das creches, por um único examinador, previamente calibrado, sob iluminação direta. As seguintes variáveis foram avaliadas: presença e severidade de oclusopatias [ligeiro apinhamento e espaçamento (AE), mordida aberta (MA), sobremordida (SM), mordida cruzada uni ou bilateral (MC), overjet positivo (OV) e relação terminal dos segundos molares decíduos (RTM)]. A análise dos dados consistiu de análise univariada (teste qui-quadrado) e de regressão logística múltipla. RESULTADOS: a prevalência de oclusopatias foi de 95,7% (AE = 22,8%; MA = 24,7%; SM = 20,4%; MC = 14,8%; e OV = 13,0%). Na RTM, o terminal reto foi predominante (85,0%). Dentre os hábitos bucais deletérios, o uso de chupeta foi o único indicador de risco (OR = 5,25; p = 0,001) para mordida aberta em crianças que a utilizaram por mais de três anos, detectado nas regressões logísticas. CONCLUSÃO: a prevalência de oclusopatias e de hábitos bucais deletérios na amostra estudada foi alta. As crianças que usavam chupeta por mais de três anos mostraram maior probabilidade de apresentar mordida aberta.

Amamentação; Oclusopatia; Crianças


OBJECTIVE: To estimate the frequency of malocclusion and their associations with the type and period of breastfeeding, deleterious oral habits, and information received by mothers during the pre-natal period, in 5-year-old children attending municipal daycare centers. METHODS: The sample consisted of 162 children resident in the municipality of São Pedro, SP, Brazil. In an interview with each of the mothers, information was collected about the time and form of breastfeeding, presence of deleterious habits, and information the mother received during the pre-natal period. The epidemiological exam was performed at the daycare center facilities by a single, previously calibrated examiner, under direct lighting. The following variables were evaluated: presence and severity of malocclusion [slight overcrowding and spacing (OS)], open occlusal relationship (open bite) (OPB), vertical overlap (over bite) (OVB), uni- or bilateral cross bite (CB), positive overjet (OV) and the primary second molar terminal plane relationship (TPR)]. Data analysis consisted of univariate analysis (chi-square test) and multiple logistic regressions. RESULTS: The prevalence of malocclusions was 95.7% (OS = 22.8%; OPB = 24.7%; OVB = 20.4%; CB = 14.8%; and OV = 13.0%). In TPR the straight terminal plane was predominant (85.0%). Among the deleterious oral habits, the use of a pacifier was the only risk indicator (OR = 5.25; p = 0.001) for open occlusal relationship (open bite) in children that used it for over three years, detected in the logistic regressions. CONCLUSION: The prevalence of malocclusions and deleterious oral habits in the studied sample was high. Children that used a pacifier for over three years showed greater probability of presenting with open occlusal relationship (open bite).

Breastfeeding; Malocclusion; Children


ARTIGO INÉDITO

Amamentação, hábitos bucais deletérios e oclusopatias em crianças de cinco anos de idade em São Pedro, SP

Isaura Maria Ferraz RochelleI; Elaine Pereira da Silva TagliaferroII; Antonio Carlos PereiraIII; Marcelo de Castro MeneghimIV; Krunislave Antonio NóbiloIV; Gláucia Maria Bovi AmbrosanoV

IMestre em Odontologia em Saúde Coletiva pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba - FOP/Unicamp

IIDoutoranda em Odontologia pela FOP/Unicamp

IIIProfessor titular do departamento de Odontologia Social da FOP/Unicamp

IVProfessor associado do departamento de Odontologia Social da FOP/Unicamp

VProfessor titular aposentado do departamento de Prótese da FOP/Unicamp

VIProfessora titular do departamento de Odontologia Social da FOP/Unicamp

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Antonio Carlos Pereira Av. Limeira, 901 CEP: 13.414-900 - Piracicaba/SP E-mail: apereira@fop.unicamp.br

RESUMO

OBJETIVO: estimar a frequência de oclusopatias e suas associações com o tipo e o período de amamentação, hábitos bucais deletérios e informações recebidas pelas mães no pré-natal, em crianças com cinco anos de idade que frequentavam creches municipais.

MÉTODOS: a amostra consistiu de 162 crianças residentes no município de São Pedro, SP. Em entrevista com cada mãe, informações sobre o tempo e a forma de aleitamento, a presença de hábitos deletérios, e orientações recebidas pela mãe durante o pré-natal foram coletadas. O exame epidemiológico foi realizado nas dependências das creches, por um único examinador, previamente calibrado, sob iluminação direta. As seguintes variáveis foram avaliadas: presença e severidade de oclusopatias [ligeiro apinhamento e espaçamento (AE), mordida aberta (MA), sobremordida (SM), mordida cruzada uni ou bilateral (MC), overjet positivo (OV) e relação terminal dos segundos molares decíduos (RTM)]. A análise dos dados consistiu de análise univariada (teste qui-quadrado) e de regressão logística múltipla.

RESULTADOS: a prevalência de oclusopatias foi de 95,7% (AE = 22,8%; MA = 24,7%; SM = 20,4%; MC = 14,8%; e OV = 13,0%). Na RTM, o terminal reto foi predominante (85,0%). Dentre os hábitos bucais deletérios, o uso de chupeta foi o único indicador de risco (OR = 5,25; p = 0,001) para mordida aberta em crianças que a utilizaram por mais de três anos, detectado nas regressões logísticas.

CONCLUSÃO: a prevalência de oclusopatias e de hábitos bucais deletérios na amostra estudada foi alta. As crianças que usavam chupeta por mais de três anos mostraram maior probabilidade de apresentar mordida aberta.

Palavras-chave: Amamentação. Oclusopatia. Crianças.

INTRODUÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O aleitamento materno é muito mais do que nutrição, é fator decisivo e primordial para a correta maturação e crescimento das estruturas do sistema estomatognático, mantendo-as aptas para exercer o desenvolvimento da musculatura orofacial que, por sua vez, guiará e estimulará o desenvolvimento das funções fisiológicas, garantindo sobrevivência e qualidade de vida4. O sistema estomatognático tem como funções a sucção, deglutição, mastigação e fonoarticulação, que envolvem atividades neuromusculares da face, afetando e produzindo mudanças contínuas nas forças que agem sobre ossos e dentes21. Assim, a amamentação é o melhor aparelho ortopédico que se pode oferecer ao rosto de um adulto em termos de desenvolvimento harmonioso25.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza que as condições nutritivas e imunológicas do leite materno não podem ser substituídas por nenhum outro produto natural ou sintetizado. Porém, ainda não reconhece as graves lesões que são produzidas no sistema estomatognático pela falta de estímulos paratípicos provenientes da amamentação no seio materno, os quais são imprescindíveis para o bom desenvolvimento do sistema, no período mais importante da vida do novo ser.

De fato, a amamentação natural é feita mediante um enorme esforço muscular. O recém-nascido é obrigado a morder, a avançar e a retruir a mandíbula, o que faz com que todo o sistema muscular, principalmente os músculos masséteres, temporais e pterigóideos se desenvolvam e adquiram o tônus muscular necessário à sua utilização, quando chegar à fase da mastigação. Por outro lado, a introdução precoce da mamadeira, apesar de satisfazer as necessidades nutricionais do bebê, anula uma quantidade enorme de excitações que partem da boca, principalmente das articulações temporomandibulares, não proporcionando as respostas necessárias para o crescimento e o desenvolvimento facial.

Assim, os desvios do desenvolvimento do sistema estomatognático podem se instalar desde a época de bebê. Muitas oclusopatias resultam da combinação de pequenos desvios da normalidade que ainda são demasiadamente suaves para serem classificados como anormais, mas sua combinação e persistência ajudam a produzir um problema clínico que deve ser solucionado. Frequentemente elas são originárias de hábitos musculares orofaciais nocivos, atribuídos a funções alteradas, como: sucção não-nutritiva prolongada, hábitos alimentares inadequados, dieta pastosa, enfermidade na nasofaringe, distúrbios na função respiratória, postura anormal da língua e a doença cárie. Nesse contexto, a maioria das más oclusões pode ser prevenida17.

Portanto, o estudo das oclusopatias e de sua relação com os hábitos deletérios bucais e o desequilibro funcional da oclusão decídua é de extrema relevância, tanto no Setor Público como em clínicas particulares, a fim de se obter parâmetros de atuação para programas ortopédicos funcionais destinados à comunidade - que, em geral, apresenta baixa frequência de aleitamento natural com alta prevalência de desmame precoce.

Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi estimar a frequência de oclusopatias e suas associações com o tipo e o período de amamentação, os hábitos bucais deletérios e as informações referentes ao período do pré-natal, em crianças de cinco anos de idade que frequentavam as creches municipais, no município de São Pedro/SP.

MATERIAL E MÉTODOS

Aspectos éticos

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade de Campinas, conforme resolução 196/96 de 10/10/1996 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde com o Processo número 108/2004.

Local do estudo

A pesquisa foi desenvolvida no município de São Pedro, que apresenta uma população estimada em 23.352 habitantes em uma área territorial de 618 km2, com 80% das pessoas residindo em área urbana. O perfil socioeconômico da cidade se caracteriza pelo rendimento nominal médio de R$ 644,55 para pessoas de 10 anos ou mais, e conta com 1.437 pessoas sem instrução ou com menos de um ano de estudo. No município, há 11 estabelecimentos de saúde, com sete prestadores de serviços ao SUS, 80 leitos hospitalares, dos quais 38 são prestadores de serviços ao SUS8. Cerca de 22,63% das gestantes do município receberam mais de seis consultas no pré-natal. A população de zero a seis anos é de 2.912 crianças, 100% delas receberam vacinação completa e 6,67% estão matriculadas em creches. Cerca de 50,65% dos pais e 20,43% das mães dessas crianças têm escolaridade precária (menos de quatro anos de estudo). No mapa da Situação da Infância Brasileira (2001), o município de São Pedro esteve ordenado na classificação Federal como 960º e Estadual 318º, com Índice de Desenvolvimento Infantil de 0,609, considerado ainda insatisfatório28.

Desenho do estudo

Este estudo transversal desenvolveu-se em três fases. A primeira fase baseou-se na coleta de informações retrospectivas sobre o período e o tipo de aleitamento, e os hábitos de sucção, por meio de uma entrevista com os pais. A segunda fase foi composta por um levantamento epidemiológico transversal sobre oclusopatias.

Universo de estudo

A população-alvo estudada foi constituída por todas as crianças de 5 anos de idade, regularmente matriculadas nas Creches Municipais na cidade de São Pedro/SP em 2005, totalizando 186 crianças. A amostra estava distribuída em três Centros Municipais de Educação Infantil/CEMEI (CEMEI Dra. Halina Buba Baldon, CEMEI Maria Amélia Pimentel e CEMEI Maria Angelina Leão Ferreira dos Santos). A Secretaria Municipal da Educação utiliza critérios socioeconômicos para o ingresso dos menores nas creches municipais, tornando a amostra homogênea sob tal aspecto. A população estudada representa os extratos C, D e E da população. As crianças excluídas do estudo foram aquelas cujos pais ou representantes legais não devolveram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado e/ou o questionário. Assim, a amostra final consistiu de 162 crianças.

Primeira fase: entrevista com os pais

Durante reuniões pré-agendadas, as mães receberam e assinaram o TCLE, autorizando a participação da criança na pesquisa. Em seguida, foi realizada uma entrevista pessoal com cada mãe, seguindo um questionário pré-testado, coletando-se informações sobre o tempo e a forma de aleitamento, bem como a presença de hábitos deletérios.

Segunda fase: levantamento epidemiológico das oclusopatias

O levantamento foi realizado nas dependências das creches, por um único examinador devidamente calibrado, utilizando uma cadeira escolar sob iluminação direta, seguindo as normas de biossegurança vigente no país, em intervalos de aproximadamente cinco minutos para cada exame.

A calibração do examinador constou de um treinamento prévio, a fim de reduzir as discordâncias de interpretação relativas às condições pesquisadas no momento da aplicação dos critérios propostos pela OMS29. Para avaliar a efetividade da calibração, 18 crianças, previamente selecionadas em uma das creches, foram avaliadas pelo examinador com relação a todos os itens do levantamento. Os valores de Kappa para concordância intraexaminador variaram de 0,85 a 0,91, sendo considerados como de excelente concordância11.

Códigos e critérios utilizados no exame

Classificação de oclusopatias

Para a idade de 5 anos, foi adotado o mesmo índice preconizado pelo Projeto SB Brasil - Levantamento das Condições de Saúde Bucal da População Brasileira3. Os códigos e critério utilizados foram os recomendados pela OMS, versão de 1987, uma vez que esse apresenta as condições relativas a cada categoria de oclusopatia definidas com mais precisão, oferecendo mais elementos para considerar o problema. Assim, os seguintes critérios foram adotados para classificar a condição oclusal aos 5 anos:

• Normal: ausência de alterações oclusais.

• Leve: quando há um ou mais dentes com giroversão ou ligeiro apinhamento ou espaçamento prejudicando o alinhamento regular.

• Moderada/severa: quando há um efeito inaceitável sobre a aparência facial ou uma significativa redução da função mastigatória ou problemas fonéticos observados pela presença de uma ou mais das seguintes condições nos quatro incisivos anteriores: (1) trespasse horizontal maxilar estimado em 9mm ou mais, overjet positivo; (2) trespasse horizontal mandibular, mordida cruzada anterior igual ou maior que o tamanho de um dente, overjet negativo; (3) mordida aberta; (4) desvio de linha média estimado em 4mm ou mais e; (5) apinhamento ou espaçamento em 4mm ou mais.

Vale ressaltar que as alterações oclusais não explícitas nos critérios acima - como mordida cruzada posterior (uni ou bi lateral), sobremordida ou trespasse vertical acima de 2mm - foram incluídas na categoria leve.

Relação molar

A relação distal dos segundos molares decíduos superiores e inferiores foi classificada segundo Baume2:

• Reto: formando um plano.

• Degrau distal: formando um degrau distal para a mandíbula.

• Degrau mesial: formando um degrau mesial para a mandíbula.

• Análise estatística.

Para a verificação da associação das oclusopatias mais frequentes na amostra com as formas de aleitamento, os hábitos bucais deletérios e as informações recebidas pelas mães durante o pré-natal, foi utilizado o teste do qui-quadarado para tabelas de contingência (análise univariada). As variáveis que apresentaram p < 0,15 no teste de associação foram selecionadas para entrar na análise de regressão logística múltipla. Os Odds Ratio (OR) e os respectivos intervalos de 95% de confiança foram estimados para os indicadores que permaneceram no modelo de regressão múltipla, ao nível de 5%. Todas as análises foram realizadas utilizando o programa estatístico SAS22.

RESULTADOS

A taxa de resposta para estudo foi de 87%, uma vez que foram excluídas as crianças que não tinham autorização ou os pais não compareceram às reuniões para responder o questionário.

Os resultados coletados no questionário mostraram que a maioria (55,5%) das crianças foi amamentada até os seis meses de idade e que 11,1% (n = 18) das crianças nunca mamaram. Quanto ao aleitamento materno exclusivo (AME), somente 12,3% não receberam amamentação exclusiva. Cerca de 68% das mães não tiveram acesso, durante o pré-natal, a informações relativas ao aleitamento natural, amamentação exclusiva, uso de mamadeira, chupeta e sucção digital. A escolaridade da mãe predominante (61,1%) foi a de 1 a 4 anos de estudo formal. Quanto aos hábitos bucais deletérios, 93,2% das crianças faziam uso da mamadeira (Tab. 1).

No exame epidemiológico, foi verificado que 4,3% (n = 7) das crianças apresentaram oclusão normal, 58,6% (n = 95) oclusopatias leves e 37,1% (n = 60) moderadas/severas. Na figura 1 estão dispostos os gráficos que mostram a distribuição das oclusopatias e da relação molar na amostra estudada. Verificou-se que mais da metade das crianças (58,6%) apresentou oclusopatias leves. Dentro de cada categoria (oclusopatia leve e oclusopatias moderada/severa), avaliou-se também as classificações pertinentes, objetivando avaliar o problema com mais precisão. Em relação às oclusopatias leves, foi encontrado em ligeiro apinhamento ou espaçamento prejudicando o alinhamento regular em 22,8%, mordida cruzada posterior uni ou bilateral em 14,8% e sobremordida de mais de 2mm em 20,4% (n = 32). Dentre as oclusopatias moderada/severa, foi observado overjet positivo em 13,0% (n = 21) e mordida aberta em 24,7% (n = 36) da amostra. A relação molar na maior parte das crianças foi o terminal reto (85,0%).


Na análise univariada, utilizando a presença de hábitos bucais deletérios como variável dependente, verificou-se que o tempo de amamentação exclusiva apresentou associação estatisticamente significativa (p = 0,0035), em contraste com o tempo de amamentação e as informações recebidas no pré-natal, que não estiveram associadas à variável dependente (Tab. 2). Todavia, na análise multivariada, não foi verificada significância estatística entre os hábitos deletérios bucais e o tempo de amamentação exclusiva (única variável que entrou no modelo).

As tabelas 3, 4 e 5 mostram os resultados da análise univariada entre variáveis independentes e variáveis dependentes (oclusopatias).

Na tabela 3, a variável "tempo de uso de chupeta" (p = 0,0302) esteve associada à "presença de ligeiro apinhamento ou espaçamento", enquanto a variável "tempo de amamentação" (p = 0,0476) associou-se com a "presença de overjet positivo", ambas ao nível de 5% de significância. Os resultados da tabela 4 evidenciaram que nenhuma oclusopatia esteve associada à presença de mordida cruzada posterior; contudo as variáveis tempo de amamentação (p = 0,0152) e tempo de amamentação materna exclusiva (p = 0,0233) estiveram associadas à presença de sobremordida. Análises de regressão logística múltipla foram realizadas para cada variável dependente descrita acima, incluindo as variáveis independentes que obtiveram um nível de significância de até 15%. Entretanto, nenhuma variável independente permaneceu no modelo de regressão logística.

A tabela 5 mostra a análise univariada e a análise de regressão logística múltipla para a oclusopatia presença de mordida aberta. O tempo do uso de mamadeira (p = 0,0898) e o tempo de uso da chupeta (p = 0,001) estiveram associadas à presença de mordida aberta. Na análise de regressão, somente a variável tempo de uso de chupeta permaneceu no modelo. As crianças que usaram chupeta por mais de 3 anos tiveram 5,25 vezes maior probabilidade de apresentar mordida aberta do que as demais (p = 0, 001).

DISCUSSÃO

Ao longo dos anos, vários autores vêm se preocupando com o estudo da associação entre a forma de aleitamento e a instalação de hábitos deletérios e, a partir desses, o desenvolvimento de oclusopatias em crianças1,4,5,9,15,17,19,20,23.

A presente pesquisa constou de um levantamento de oclusopatias em crianças de 5 anos que frequentam creches municipais, filhos de pais com escolaridade precária, a maioria pertencentes às classes sociais C, D e E. Constatou-se baixa frequência de mães que amamentaram naturalmente seus filhos por períodos favoráveis à não instalação de hábitos deletérios e ao amadurecimento muscular para uma mastigação funcional.

Na amostra estudada, somente 4,3% das crianças não apresentaram qualquer tipo de oclusopatias, isto é, nenhuma anomalia quanto às estruturas ósseas e posições dentárias. Esse resultado, no primeiro momento, é alarmante, considerando que 95,7% apresentaram alguma oclusopatia. É, ainda, discordante dos encontrados em outras pesquisas, como as de Tomita26 em pré-escolares de 3 a 5 anos, que encontrou alterações em 50%; e Legovic e Ostric12, que encontraram 46,9%. A falta de um índice específico para registrar e mensurar problemas oclusais nessa faixa etária pode ser a explicação para essas diferenças de percentual entre as crianças do presente estudo e as de outras pesquisas.

Utilizando-se o índice da OMS, foi observado que 58,6% das crianças apresentaram oclusopatias leves e 37,1% oclusopatias moderada/severa, totalizando 95,7%. Frazão6 observou que aos 5 anos de idade, 22,9% das crianças apresentavam oclusopatia leve, 26,1% oclusopatia moderada/severa, totalizando 64,5% de oclusopatia e 35,5% de oclusão normal. O projeto SB Brasil3 constatou oclusopatias leves em 22%, oclusopatias moderada/severa em 14,5%, totalizando 36,5% de oclusopatias e 63,5% de oclusão normal. Observa-se que, quando se somam as frequências de oclusão normal e oclusopatias leves nos diversos levantamentos, os resultados se aproximam. Provavelmente, o índice utilizado para as dentições mista e permanente, e não um índice específico para o estágio de desenvolvimento da dentição decídua, seja a causa das diferenças de resultados.

Na tentativa de detalhar mais a condição oclusal da amostra, analisou-se a categoria do índice da OMS16. Os dados dessa pesquisa, referentes ao levantamento das oclusopatias, vêm relatar que, em relação às categorias mais frequentes, foram encontrados ligeiro apinhamento e espaçamento em 22,8% das crianças, mordida aberta em 24,7%, sobremordida de mais de 2mm em 20,4%, mordida cruzada uni ou bilateral em 14,8% e overjet positivo em 13,0%.

Quando se utilizou a classificação terminal de molares, cerca de 85,0% das crianças foram classificadas em relação normal de molar, mostrando que, na dentição decídua, tais fatores são de pouca relevância epidemiológica, uma vez que tal anomalia recebe forte influência genética13. A hereditariedade ou genética, compreendida como herança múltipla de genes, parece exercer forte influência nas características esqueléticas de certas dimensões craniofaciais. A influência de aspectos genéticos é particularmente forte para o prognatismo mandibular13. Já as variações nas características oclusais parecem ser ambientalmente determinadas7.

Quando associou-se as oclusopatias mais frequentes na amostra com as possíveis causas ambientais de problemas oclusais, como formas de aleitamento e hábitos deletérios bucais, verificou-se que, na análise univariada, o tempo de uso de chupeta esteve associado às oclusopatias ligeiro apinhamento e espaçamento e mordida aberta. Na regressão logística, o tempo de chupeta foi indicador de risco para mordida aberta, pois as crianças que usaram chupeta por mais de 3 anos têm 5,25 vezes mais chances de apresentar mordida aberta em relação às demais, resultados concordantes com os de Serra Negra et al.23 e Tomita26. O significado etiológico do predomínio do uso da chupeta, na amostra, pode ser atribuído também a aspectos socioculturais sobre o aleitamento natural.

Os resultados do presente estudo mostraram que 85,0% das crianças apresentaram oclusão em relação molar reta e as oclusopatias mais frequentes foram: ligeiro apinhamento e espaçamento, mordida aberta, sobremordida de mais de 2mm, mordida cruzada uni ou bilateral, e overjet positivo. Provavelmente, na população estudada a etiologia é ambiental, mostrando que essas alterações oclusais aparecem com grande frequência, assim como as encontradas nas pesquisas de Kabue et al.10 e Tschill et al.27 É importante ressaltar que, quando detectadas, devem sofrer intervenções precoces, conforme relatado por McNamara e Brudon14, Planas18 e Simões24.

Em resumo, os resultados da presente pesquisa mostraram que a prevalência de oclusopatias em crianças de 5 anos (60 meses) que frequentam as creches municipais na cidade de São Pedro/SP foi de valor epidemiológico alto (95,7%), em comparação com a literatura estudada. As oclusopatias mais frequentes foram, em ordem decrescente de frequência: ligeiro apinhamento ou espaçamento, mordida aberta, sobremordida, mordida cruzada uni ou bilateral, e overjet positivo. Na classificação de degrau de molares, o terminal reto apresentou valor epidemiológico alto, mostrando uma provável etiologia ambiental dessas oclusopatias. Houve associação entre as oclusopatias e os hábitos bucais deletérios; sendo que o uso de chupeta mostrou influenciar o desenvolvimento de mordida aberta. O aleitamento natural acima de 6 meses (33,3%) e o aleitamento natural exclusivo de mais de 3 meses (45,1%) apresentaram valores epidemiológicos baixos; já a presença de hábitos bucais deletérios mostrou alta frequência (95,6%) na população estudada. O tempo de amamentação exclusiva mostrou influenciar a presença de hábitos deletérios bucais.

Os resultados desse e outros levantamentos sugerem que a etiologia da maioria das oclusopatias em adultos seja ambiental, apresentando desvios de normalidade já na amamentação, e que a atuação nas causas determinantes ambientais necessita de um índice específico para mensurar o problema. Desse modo, os Serviços de Saúde Pública poderão executar, de forma organizada, ações para prevenção de oclusopatias, para que as mesmas se tornem economicamente sustentáveis e socialmente acessíveis, diferentemente da situação atual de ofertas de tratamentos ortodônticos, frente à necessidade da população. Além disso, durante o levantamento da condição oclusal da amostra, foi necessário utilizar índices estabelecidos em outros levantamentos, porém observou-se a necessidade de um índice que retrate o problema em estágios prematuros, demonstrando desvios iniciais da normalidade, tanto da oclusão estática quanto da dinâmica, para cada fase de desenvolvimento da criança. Geralmente, os índices usados em levantamentos de oclusão na dentição decídua não consideram pequenos desvios de normalidade, ficando-se à espera da evolução do problema para serem mensurados. Observa-se que predomina a oferta de instrumentos de diagnóstico e tratamento para atuar no período da dentição mista ou permanente, e que problemas em estágios iniciais na dentição decídua não são considerados e nem tratados pela equipe de saúde bucal.

Além disso, sugere-se outros estudos para a criação de um índice a ser usado em idades ainda menores do que a estudada, chegando até à amamentação do bebê, o qual mensure desvios da normalidade que precedem a instalação da oclusopatia. Também pode ser sugerido que gestores dos sistemas de saúde e profissionais de clínicas particulares incluam, no planejamento e na organização de programas ortodônticos preventivos, ações educativas planejadas e contínuas quanto ao aleitamento natural e suas implicações. Também, intervenções - já na dentição decídua - baseadas em diagnóstico etiológico, morfológico e funcional para reduzir o percentual de oclusopatias, a médio e longo prazo na população, para níveis mais suportáveis economicamente e socialmente aceitáveis.

CONCLUSÃO

A prevalência de oclusopatias em crianças de 5 anos que frequentam as creches municipais na cidade de São Pedro/SP foi de valor epidemiológico alto (95,7%) em comparação com a literatura estudada. Além disso, a presença de hábitos bucais deletérios também mostrou alta frequência (95,6%) na população. Associações significativas puderam ser observadas entre alguns hábitos bucais deletérios e certas oclusopatias, merecendo destaque o tempo de uso de chupeta, que mostrou influenciar significativamente e ser um indicador da presença de mordida aberta.

Enviado em: maio de 2007

Revisado e aceito: novembro de 2007

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  • Endereço para correspondência:
    Antonio Carlos Pereira
    Av. Limeira, 901
    CEP: 13.414-900 - Piracicaba/SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Revisado
      Nov 2007
    • Recebido
      Maio 2007
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