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Impacto de um programa de orientação dietética sobre a velocidade de ganho de peso de gestantes atendidas em unidades de saúde

Impact of a dietary counseling program on the gain weight speed of pregnant women attended in a primary care service

CARTA AO EDITOR

Impacto de um programa de orientação dietética sobre a velocidade de ganho de peso de gestantes atendidas em unidades de saúde

Impact of a dietary counseling program on the gain weight speed of pregnant women attended in a primary care service

Márcia Regina Vítolo; Michele Soares Fraga Bueno; Cíntia Mendes Gama

A respeito do editorial publicado neste fascículo1, temos as seguintes observações a apresentar:

O primeiro e, possivelmente, mais grave questionamento ao nosso estudo2, refere-se ao princípio ético da beneficência, que "parece não ter sido atendido". No entanto, o conceito amplamente aceito é que "a base ética para qualquer ensaio clínico é a incerteza sobre se a intervenção é benéfica, denominada equipolência"3. Em outras palavras, "as evidências atuais não provam a superioridade de nenhum dos braços terapêuticos do estudo". Tranquiliza-nos o fato de que o próprio autor do editorial, reconhece não haver evidências em relação a recomendações com o objetivo de reduzir o ganho de peso excessivo durante a gestação, baseando sua afirmação em recente revisão sistemática.

Na essência, essa interpretação da questão ética possivelmente decorre da confusão prosaica entre ética na prática médica e ética em pesquisa científica4. Nesta última circunstância, comparar o tratamento em teste com o tratamento usual não só tem fundamento ético, como também é uma questão chave em ensaios clínicos: o quanto o Grupo Controle reflete as práticas padrão5. O próprio CONSORT, documento produzido por experts e reconhecido pelos corpos editoriais de revistas científicas como modelo para reportar ensaios clínicos, considera o cuidado "usual" como uma das possibilidades de Grupo Controle6. Para solucionar sua preocupação, o autor propõe "controle histórico ou externo". Embora tais delineamentos sejam plausíveis, são marcados fortemente pelo erro sistemático, com ênfase para o fato de que diferentes locais ou tempos estão estritamente relacionados ao prognóstico, evidentemente impedindo a comparação entre os grupos7 (conforme Hulley et al.3, delineamentos não randomizados às vezes são escolhidos devido à falsa crença de que são mais éticos. Na verdade, um estudo só será ético se a qualidade de seu delineamento possibilitar uma resposta correta para a questão de pesquisa). Enfatizamos que o estudo garantiu os princípios éticos, não privando as gestantes do Grupo Controle de qualquer atendimento ao qual já tinham direito ou recebiam no serviço de saúde ,e não abrindo mão do rigor científico necessário para produzir conhecimento de qualidade.

Já quanto à sugestão de análise multivariada, ressaltamos que a força de ensaio clínico randomizado está exatamente em promover grupos nos quais os fatores de risco conhecidos e não conhecidos fiquem igualmente distribuídos, sendo contraindicada tal análise7, e a comparação bruta entre os grupos é tudo o que se deve fazer na maioria dos ensaios clínicos8.

A falta de impacto da intervenção no estado nutricional foi atribuída a uma proposta "que não vislumbra o rompimento da lógica normativa". É possível que isso esteja relacionado à própria natureza das intervenções no mundo real. É irreal crer que uma intervenção possa reduzir drasticamente vários desfechos, afirmação que pode ser suportada pela análise dos resultados de revisões sistemáticas e metanálises que demonstram que intervenções verdadeiramente efetivas obtêm efeitos não mais que moderados9. Quem trabalha ou já vivenciou o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) tem conhecimento das dificuldades e limitações vigentes quanto à atenção à saúde e, mais enfaticamente, da ausência do atendimento nutricional sistematizado nos serviços. A amplitude da atuação do nutricionista em serviços de saúde de atenção primária, não envolve somente o atendimento de gestantes e puericultura. Sabemos que os nutricionistas que atendem em Unidades Básicas de Saúde possuem demanda imensa de atenção às doenças crônicas, como diabetes, hipertensão e dislipidemias (a inserção ou ampliação dos cargos de nutricionistas nesses serviços seria indubitavelmente um ganho para a saúde da população atendida pelo SUS e, considerando a enorme demanda das ações, a viabilidade da proposta comentada no Editorial só seria alcançada com investimento de diferentes setores governamentais, o que envolve mudanças no longo prazo). Por conhecer o sistema de saúde vigente e entender a necessidade de intervenções que forneçam respostas de curto prazo, assim beneficiando grupos populacionais de risco, a metodologia adotada teve o objetivo de produzir conhecimento de técnicas mais efetivas na condição atual do SUS. Sendo assim, justifica-se a escolha de orientações mais objetivas para se ter resultados mais imediatos antes da estrutural mudança nos serviços de saúde para alcançar condições ideais, incluindo a abordagem nutricional de rotina em todos os âmbitos da atenção à saúde.

Outro aspecto a ser comentado refere-se ao referencial utilizado para avaliar o estado nutricional das gestantes. Nossa decisão de utilizar a curva de índice de massa corporal (IMC) adotado pelo Ministério da Saúde teve o objetivo de desenvolver um estudo alinhado às recomendações determinadas pelo órgão máximo das políticas de saúde de nosso país.

  • 1. Saunders C, Santos MAS, Padilha PC. A orientação dietética e a qualidade da assistência pré-natal. Rev Bras Ginecol Obstet. 2011; 33(1):9-12
  • 2. Vítolo MR, Bueno MSF, Gama CM. Impacto de um programa de orientação dietética sobre a velocidade de ganho de peso de gestantes atendidas em Unidades de Saúde. Rev Bras Ginecol Obstet. 2011; 33(1):13-19.
  • 3. Hulley SB, Cummings SR, Browner WS, Grady D, Hearst N, Newman TB. Designing clinical research: an epidemiologic approach. 3rd ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2006.
  • 4. Miller FG, Silverman HJ. The ethical relevance of the standard of care in the design of clinical trials. Am J Respir Crit Care Med. 2004;169(5):562-4.
  • 5. Silverman HJ, Miller FG. Control group selection in critical care randomized controlled trials evaluating interventional strategies: An ethical assessment. Crit Care Med. 2004;32(3):852-7.
  • 6. Altman DG, Schulz KF, Moher D, Egger M, Davidoff F, Elbourne D, et al. The revised CONSORT statement for reporting randomized trials: explanation and elaboration. Ann Intern Med. 2001;134(8):663-94.
  • 7. Fletcher RH, Fletcher SW, Wagner EH. Clinical epidemiology: the essentials. 3rd ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1996.
  • 8. Kirkwood BR, Sterne JAC. Essential medical statistics. 2nd ed. Malden: Blackwell Science; 2003.
  • 9. Collins R, MacMahon S. Reliable assessment of the effects of treatment on mortality and major morbidity, I: clinical trials. Lancet. 2001;357(9253):373-80.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2011
  • Data do Fascículo
    Jan 2011
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