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QI em pacientes com hidrocefalia e mielomeningocele: implicações do tratamento cirúrgico

IQ in hydrocephalus and myelomeningoceles: implications of surgical treatment

Resumos

Mieloningocele ocorre em frequência aproximada de 0,4 por 1000 nascidos vivos e está associada a hidrocefalia em 85% a 90%, sendo as avaliações sobre cognição esparsas na literatura. Quarenta e cinco crianças com hidrocefalia derivada e mielomeningocele foram analisadas quanto ao QI, que foi estatisticamente correlacionado com o nível motor, idade da primeira derivação, número de revisões, infecção e perímetro cefálico. A idade média foi 7,5 anos (3 a 15 anos), 16 eram do sexo masculino e 29 eram do sexo feminino. Três (6,6%) obtiveram escore de QI >110, 11 (24,5%) entre 100-110, 8 (17,7%) entre 85-100, 16 (35,5%) entre 70-85 e 7 (15,5%) entre 50-70. O QI correlacionou-se diretamente com o nível motor, sendo o resultado cognitivo melhor, em ordem decrescente, nos níveis sacral (t 0,0055), lombar baixo (t 0,0119) e lombar alto (t 0,0226). Houve melhor desempenho cognitivo nas crianças operadas até 7 dias de vida (t 0,0099), decrescendo progressivamente o resultado a partir do primeiro mês, não existindo diferença significativa entre 7 a 31 dias (t 0,1013). Houve pior resultado no grupo que apresentou infecção do sistema de derivação (t 0,0146). O prognóstico foi progressivamente pior de acordo com o número de revisões. O melhor resultado foi encontrado nas crianças com perímetro cefálico na média (t 0,0115); resultado intermediário entre --1 DP (desvio padrão) e a média (t 0,0130) e entre a média e +1DP (t 0,0256). Os piores resultados cognitivos foram encontrados nos extremos >1DP (t 0,0269) e <1DP (t 0,0042). Do ponto de vista cognitivo o tratamento cirúrgico da hidrocefalia deve ser realizado até o primeiro mês de vida, com cuidados técnicos e de assepsia, evitando complicações que culminem em revisão.

cognição; hidrocefalia; QI; mielomeningocele; meningocele


Myelomeningocele occurs in 0.4 for 1000 neonates and is associated with hydrocephalus in 85-90%, and reports on cognition are sparsely found in literature. Forty five children with treated hydrocephalus and myelomeningocele were studied in regard of IQ, and statistically correlated to functional motor level, age of the first shunt, number of revisions of shunt, infection of the shunt and circumference of the head. The medium age was of 7.5 years (3-15 years), 16 males and 29 females. Three (6.6%) had a IQ score >110, 11 (24.4%) had a score between 100-110, 8 between 85-100 (17.7%), 16 (35.5%) between 85-100 (17.7%) and 7 (15.5%) between 50-70. IQ directly correlated with motor level, having better cognitive results the children with minor functional motor disabilities. Cognition was best in children operated until the seven day of life (t 0.0099), with progressive worse results in children operated after the first month of life, no significance was observed in children operated in the period 7 to 31 days (t 0.1013). Worse results were observed in the group of patients with infection of shunts (t 0.0146). Results were progressively worse with reoperations. The best results in relation of the circumference of the head were seen with children in the medium range (t 0.0115); intermediate results were seen in patients between the medium range and-1 SD (t 0.00130) and medium range and + 1SD. The worse results were seen in patients at the extremes of >1SD (t 0.0269) and <1SD (t 0.0042). According to cognitive results the surgical treatment of hydrocephalus have to be done until the first month of life, avoiding reoperations and infections that have unfavorable impact in IQ.

cognition; IQ; hydrocephalus; myelomeningocele; meningocele


QI EM PACIENTES COM HIDROCEFALIA E MIELOMENINGOCELE

IMPLICAÇÕES DO TRATAMENTO CIRÚRGICO

JEAN-LUC FOBE* * Setores de Neurocirurgia, Psicologia Infantil, Ortopedia e Fisiatria da AACD - Associação de Assistência à Criança Defeituosa (Diretor Dr. Ivan Ferraretto), São Paulo: Neurocirurgião; ** Psicologia Infantil; *** Estagiária do Setor de Psicologia Infantil; **** Fisiatra; ***** Ortopedista. Aceite: 26-outubro-1998. , ANA MARIA PFEIFER PEREIRA RIZZO** * Setores de Neurocirurgia, Psicologia Infantil, Ortopedia e Fisiatria da AACD - Associação de Assistência à Criança Defeituosa (Diretor Dr. Ivan Ferraretto), São Paulo: Neurocirurgião; ** Psicologia Infantil; *** Estagiária do Setor de Psicologia Infantil; **** Fisiatra; ***** Ortopedista. Aceite: 26-outubro-1998. , INÊS MARQUES SILVA** * Setores de Neurocirurgia, Psicologia Infantil, Ortopedia e Fisiatria da AACD - Associação de Assistência à Criança Defeituosa (Diretor Dr. Ivan Ferraretto), São Paulo: Neurocirurgião; ** Psicologia Infantil; *** Estagiária do Setor de Psicologia Infantil; **** Fisiatra; ***** Ortopedista. Aceite: 26-outubro-1998. , SIMONE PAIVA MARTINS DA SILVA*** * Setores de Neurocirurgia, Psicologia Infantil, Ortopedia e Fisiatria da AACD - Associação de Assistência à Criança Defeituosa (Diretor Dr. Ivan Ferraretto), São Paulo: Neurocirurgião; ** Psicologia Infantil; *** Estagiária do Setor de Psicologia Infantil; **** Fisiatra; ***** Ortopedista. Aceite: 26-outubro-1998. , CÁSSIA ELISA TEIXEIRA*** * Setores de Neurocirurgia, Psicologia Infantil, Ortopedia e Fisiatria da AACD - Associação de Assistência à Criança Defeituosa (Diretor Dr. Ivan Ferraretto), São Paulo: Neurocirurgião; ** Psicologia Infantil; *** Estagiária do Setor de Psicologia Infantil; **** Fisiatra; ***** Ortopedista. Aceite: 26-outubro-1998. , ANGELA MARIA COSTA DE SOUZA**** * Setores de Neurocirurgia, Psicologia Infantil, Ortopedia e Fisiatria da AACD - Associação de Assistência à Criança Defeituosa (Diretor Dr. Ivan Ferraretto), São Paulo: Neurocirurgião; ** Psicologia Infantil; *** Estagiária do Setor de Psicologia Infantil; **** Fisiatra; ***** Ortopedista. Aceite: 26-outubro-1998. , ANTONIO FERNANDES***** * Setores de Neurocirurgia, Psicologia Infantil, Ortopedia e Fisiatria da AACD - Associação de Assistência à Criança Defeituosa (Diretor Dr. Ivan Ferraretto), São Paulo: Neurocirurgião; ** Psicologia Infantil; *** Estagiária do Setor de Psicologia Infantil; **** Fisiatra; ***** Ortopedista. Aceite: 26-outubro-1998.

RESUMO - Mieloningocele ocorre em frequência aproximada de 0,4 por 1000 nascidos vivos e está associada a hidrocefalia em 85% a 90%, sendo as avaliações sobre cognição esparsas na literatura. Quarenta e cinco crianças com hidrocefalia derivada e mielomeningocele foram analisadas quanto ao QI, que foi estatisticamente correlacionado com o nível motor, idade da primeira derivação, número de revisões, infecção e perímetro cefálico. A idade média foi 7,5 anos (3 a 15 anos), 16 eram do sexo masculino e 29 eram do sexo feminino. Três (6,6%) obtiveram escore de QI >110, 11 (24,5%) entre 100-110, 8 (17,7%) entre 85-100, 16 (35,5%) entre 70-85 e 7 (15,5%) entre 50-70. O QI correlacionou-se diretamente com o nível motor, sendo o resultado cognitivo melhor, em ordem decrescente, nos níveis sacral (t 0,0055), lombar baixo (t 0,0119) e lombar alto (t 0,0226). Houve melhor desempenho cognitivo nas crianças operadas até 7 dias de vida (t 0,0099), decrescendo progressivamente o resultado a partir do primeiro mês, não existindo diferença significativa entre 7 a 31 dias (t 0,1013). Houve pior resultado no grupo que apresentou infecção do sistema de derivação (t 0,0146). O prognóstico foi progressivamente pior de acordo com o número de revisões. O melhor resultado foi encontrado nas crianças com perímetro cefálico na média (t 0,0115); resultado intermediário entre ¾1 DP (desvio padrão) e a média (t 0,0130) e entre a média e +1DP (t 0,0256). Os piores resultados cognitivos foram encontrados nos extremos >1DP (t 0,0269) e <1DP (t 0,0042). Do ponto de vista cognitivo o tratamento cirúrgico da hidrocefalia deve ser realizado até o primeiro mês de vida, com cuidados técnicos e de assepsia, evitando complicações que culminem em revisão.

PALAVRAS-CHAVE: cognição, hidrocefalia, QI, mielomeningocele, meningocele.

IQ in hydrocephalus and myelomeningoceles: implications of surgical treatment

ABSTRACT ¾ Myelomeningocele occurs in 0.4 for 1000 neonates and is associated with hydrocephalus in 85-90%, and reports on cognition are sparsely found in literature. Forty five children with treated hydrocephalus and myelomeningocele were studied in regard of IQ, and statistically correlated to functional motor level, age of the first shunt, number of revisions of shunt, infection of the shunt and circumference of the head. The medium age was of 7.5 years (3-15 years), 16 males and 29 females. Three (6.6%) had a IQ score >110, 11 (24.4%) had a score between 100-110, 8 between 85-100 (17.7%), 16 (35.5%) between 85-100 (17.7%) and 7 (15.5%) between 50-70. IQ directly correlated with motor level, having better cognitive results the children with minor functional motor disabilities. Cognition was best in children operated until the seven day of life (t 0.0099), with progressive worse results in children operated after the first month of life, no significance was observed in children operated in the period 7 to 31 days (t 0.1013). Worse results were observed in the group of patients with infection of shunts (t 0.0146). Results were progressively worse with reoperations. The best results in relation of the circumference of the head were seen with children in the medium range (t 0.0115); intermediate results were seen in patients between the medium range and-1 SD (t 0.00130) and medium range and + 1SD. The worse results were seen in patients at the extremes of >1SD (t 0.0269) and <1SD (t 0.0042). According to cognitive results the surgical treatment of hydrocephalus have to be done until the first month of life, avoiding reoperations and infections that have unfavorable impact in IQ.

KEY WORDS: cognition, IQ, hydrocephalus, myelomeningocele, meningocele.

A hidrocefalia é caracterizada por acúmulo anormal de líquido cérebro espinal (LCE) dentro da cavidade craniana. Ela tem como principal causa obstrução do fluxo de LCE em qualquer lugar ao longo de seu percurso, ventrículos, aqueduto cerebral, espaço e vilosidades aracnoidianas1. Mielomeningocele ocorre em frequência aproximada de 0,4 por 1000 nascidos vivos, existindo hidrocefalia associada em 85 a 90%2, podendo causar estiramento e lesão do corpo caloso, frequentemente levando a hipoplasia. Crianças portadoras desta patologia apresentaram desenvolvimento prejudicado nas áreas de cognição não verbal, quando comparadas com cognição verbal3. As avaliações sobre cognição em crianças com hidrocefalia e principalmente quando associadas a mielomeningocele são escassas na literatura4.

Analisamos 45 crianças portadoras de hidrocefalia derivada e mielomeningocele (MM), avaliando o coeficiente de inteligência (QI) através de testes específicos, e sua correlação com o nível funcional motor, idade da primeira derivação, número de revisões do sistema, correlação com infecção do sistema e perímetro cefálico (PC).

MÉTODOS

Foram avaliadas 45 crianças portadoras de hidrocefalia tratadas cirurgicamente com técnica de derivação ventricular e mielomeningocele, sem critérios de seleção prévia, na faixa etária de 3 anos a 15 anos, no período compreendido entre os anos 1995 e 1997.

Na avaliação psicológica foram empregados os testes psicométricos: escala de inteligência Terman Merril-LM5, escala de maturidade mental Columbia6 e escala de inteligência para crianças (WISC)7. Trinta e cinco (77,8%) foram avaliadas através do teste Terman Merril-LM, 7 (15,5%) pelo teste escala de maturidade mental Columbia e 3 (6,7%) pelo teste WISC (Tabela 1). A escolha do teste foi feita de acordo com a idade cronológica da criança e seu comprometimento motor: a escala de maturidade mental Columbia foi aplicada em crianças que apresentavam sérias dificuldades verbais e motoras, a escala de inteligência Termam Merril-LM foi empregada em crianças com idade cronológica de 3 a 8 anos e a escala WISC foi utilizada naquelas com idade cronológica de 8 a 15 anos.

O resultado numérico do QI foi classificado de acordo com a escala empregada pela OMS: DML, deficiência mental leve (50¾70); VNI, variação normal da inteligência (70-85); N, normal (85-100); M, média (100-110); AM, acima da média (> de 110).

O resultado numérico de QI foi correlacionado com o nível funcional motor, idade da primeira derivação, número de revisões do sistema, revisão do sistema por infecção e PC. O PC foi classificado segundo o esperado para a idade e sexo9,10, em faixa menor que 1 DP (desvio padrão), média (50%mais ou menos 25% do DP esperado para a idade e sexo), entre a média e menos 1 DP, entre a média e mais 1 DP, e maior que 1 DP. Os dados obtidos foram submetidos a análise estatística empregando o teste t de Student, tomando-se como significância valor inferior a 0,05.

RESULTADOS

A idade média foi 7,5 anos (3 a 15 anos), 16 crianças eram do sexo masculino e 29 do sexo feminino. Três crianças (6,6%) obtiveram escore de QI acima da média, 11 (24,4%) obtiveram escore na média, 8 normal (17,7%), 16 (35,5%) com variação normal da inteligência e 7 (15,5%) com deficiência mental leve (Fig 1).


Relacionando-se o QI com o nível funcional motor foi observado que das 4 crianças com disrafia em nível sacral, 1 (25%) obteve QI na faixa AM, 1 (25%) na faixa M, 1 (25%) na faixa VNI, e 1 (25%) na DML (t 0,0055). Das 9 crianças com nível lombar baixo, 2 (22,2%) apresentaram-se na faixa N, 2 (22,2%) na M, 3 (33,3%) na VNI e 2 (22,2%) DML (t 0,0119). Das 13 crianças com nível funcional lombar alto, 4 (30,7%) apresentaram-se na faixa M, 3 (23,0%) na N, 3 (23,0%) na VNI e 3 (23,0%) na DML (t 0,0226). Nas 19 crianças com nível torácico, 2 (10,5%) apresentaram-se na faixa AM, 4 (21,0%) na M, 3 (15,8%) na N, 9 (47,4%) na VNI e 1 (5,2%) na faixa DML (t 0,0783). O QI, correlacionado diretamente com o nível funcional motor, apresentou resultado cognitivo decrescentemente melhor nos níveis sacral, lombar baixo e lombar alto. Não existiu significância do ponto de vista estatístico entre o nível funcional motor e o escore do QI para crianças com nível torácico quando comparado com a série geral (Tabela 2).

Na relação entre a idade da derivação inicial e o QI, observou-se que das 45 crianças, 8 (17,8%) foram operadas com menos de 7 dias, sendo que 2 apresentaram QI na faixa AM, 2 na M, 2 na VNI e 2 na DML (t 0,0099); das 20 (44,4%) crianças que foram operadas de 7 a 31 dias, 5 apresentaram QI na faixa M, 5 na N, 9 na VNI e 1 na DML (t 0,1013); das 7 (15,5%) que foram operadas entre 1 a 3 meses, 2 obtiveram QI na faixa N, 2 na M, 2 na VNI e 1 DML (t 0,0087); das 4 (8,8%) crianças que foram operadas entre 3 a 6 meses, 1 obteve QI na faixa AM, 1 na M, 1 na N e 1 na VNI (t 0,0054); 1 (2,2%) foi operada entre 6 e 12 meses e obteve QI na faixa VNI (t 0,0017); das 3 crianças (6,6%) que foram operadas entre 1 a 3 anos, 1 obteve QI na faixa N e 2 na DML (t 0,0051). Uma criança foi operada entre 3 a 5 anos, obtendo o QI na faixa M (t 0,0037); 2 crianças (4,4%) foram operadas com mais de 5 anos, 1 obteve QI na faixa VNI e 1 na DML (t 0,0042). Houve melhor resultado cognitivo estatístico nas crianças operadas até 7 dias de vida, decrescendo progressivamente a partir do primeiro mês, não existindo diferença significativa nos doentes operados no período de 7 a 31 dias (Tabela 3).

Vinte e seis (57,8%) crianças não foram submetidas a revisão do sistema de derivação liquórica e 19 (42,2%) sofreram revisão do sistema; 9 foram submetidas a uma única revisão, 4 a 2, 5 a 3 e 1 a mais de 4. No grupo de pacientes com mais de uma revisão houve pior resultado estatístico em relação à serie geral (t 0,0492), com 5 (26,3%) pacientes na faixa VNI e 5 (26,3%) na faixa DML. O desempenho cognitivo apresentou correlação estatística direta com o número de revisões, sendo progressivamente pior de acordo com o número de revisões: no grupo de uma revisão do sistema houve 3 (33,3%) pacientes na faixa VNI e 2 (22,2%) na faixa DML (t 0,0124); no grupo de duas revisões havia 1 paciente na faixa DML (25%) (t 0,0058); no grupo de três revisões havia 1 (20%) paciente na faixa VNI e 2 (40%) na faixa DML (t 0,0068); no grupo submetido a mais de 4 revisões observamos 1 (100%) paciente na faixa VNI (t 0,0037) (Tabela 4).

O motivo da revisão interferiu diretamente com o desempenho cognitivo, existindo pior resultado no grupo de crianças que apresentaram infecção (t 0,0146) em relação ao grupo geral. Das 10 crianças do grupo que apresentaram infecção, 3 (30%) apresentaram-se na faixa VNI e 3 (30%) na DML, sendo pior o desempenho cognitivo em crianças com dois episódios de infecção em relação a um episódio isolado (Tabela 5).

Relacionando o QI com o PC das 45 crianças, observamos que o melhor resultado cognitivo estatisticamente significativo foi encontrado nas 8 crianças com PC dentro da média esperada para a idade com 1 (12,5%) paciente na AM, 4 (50%) na M e 2 (25%) na N (t 0,0115); resultado intermediário foi encontrado nas 9 crianças com PC entre ¾1DP e a média esperada para a idade com 1 (11,1%) paciente na faixa AM, 2 (22,2%) na M e 2 (22,2%) na N (t 0,0130), e no grupo com PC entre média e +1DP (14 crianças) com 1 (7,1%) paciente na faixa AM, 3 na M (21,4%), 3 (21,4%) na N (t 0,0256). Os piores resultados cognitivos foram encontrados nos dois extremos do esperado para o PC na idade correspondente, com 5 (41,6%) pacientes na faixa VNI, 5 (41,6%) na DML, e 1 (50%) na VNI respectivamente para as crianças com PC >1DP (t 0,0269) e <1DP (t 0,0042) (Tabela 6).

DISCUSSÃO

As malformações associadas em crianças com defeitos do tubo neural evidenciam-se por lesões neuropatológicas na porção terminal tanto superior como inferior do tubo neural. Caudalmente existe presença da espina bífida (EB) e cranialmente a malformação de Arnold-Chiari frequentemente oculta e também a agenesia parcial ou hipoplasia do corpo caloso. Outras anormalidades são menos evidentes em crianças com EB, tais como interdigitação dos hemisférios e outras anomalias do tronco cerebral3.

Crianças com hidrocefalia frequentemente apresentam falhas no desenvolvimento das funções cognitivas, porém é insuficientemente compreendido o papel das anormalidades neuropatológicas, das anomalias da neuroembriogênese e das complicações decorrentes do tratamento cirúrgico da hidrocefalia na gênese das alterações cognitivas3.

A compressão cortical com perda neuronal pode ser detectada após um período de 30 dias de hidrocefalia não controlada em cérebros de ratos, podendo-se inferir que uma hidrocefalia intensa causa após um período similar danos irreparáveis em humanos. Astrogliose reativa também pode ser encontrada nas camadas corticais mais profundas em pacientes com hidrocefalia crônica grave, existindo ainda uma possível associação entre hidrocefalia prolongada e o desenvolvimento de enovelados neurofibrilares em neurônios do córtex do hipocampo e tronco cerebral. Conjuntamente com alargamento do tuber cinéreo e aumento do III ventrículo ocorrem sinais de sofrimento neuronal, que foram descritos em vários núcleos hipotalâmicos, e que podem explicar os distúrbios neuroendócrinos ocasionalmente observados em pacientes hidrocefálicos. Existe uma alteração na concentração de diversos neurotransmissores neuropepitídicos, refletindo distúrbio difuso da função neuronal e possivelmente a dificuldade de circulação dos metabólitos do cérebro hidrocefálico1.

A disfunção do corpo caloso em uma idade precoce pode ter efeito duradouro que persiste mesmo com a estabilização da hidrocefalia pós cirurgia3.

Em uma série mista de 126 crianças com hidrocefalia acima de 5 anos, encontrou-se um QI acima de 80 em 52%; 21% entre 60 e 80; e 28% abaixo de 60, com distúrbios graves de aprendizagem em metade das crianças e 46% conseguiu frequentar uma escola normal4.

Crianças com hidrocefalia congênita infrequentemente apresentam franco retardo mental, mas demonstram desenvolvimento prejudicado nas áreas de cognição não verbal quando comparadas com as da cognição verbal. Existe discrepância na função cognitiva verbal e não verbal em crianças com estenose de aqueduto, em menor grau quando comparado com EB. Estas discrepâncias também foram relacionadas com diminuição ou adelgaçamento da porção mais posterior da substância branca cerebral3. O tamanho, tanto do corpo caloso como da cápsula interna direita, correlacionou-se positiva e significativamente com a cognição não verbal, existindo também tendência para que a área da cápsula interna esquerda correlacionasse melhor com escores não verbais do que verbais. Contudo, somente os grupos MM e EA tinham menor o corpo caloso e discrepância na função verbal e não verbal. Estes achados reforçam a importância de estruturas da substâncias branca, particularmente o corpo caloso no desenvolvimento de função cognitiva não verbal3.

Os dados da literatura revistos evidenciam a importância dos resultados da presente pesquisa expostos a seguir.

Em nossa série, sem critério de seleção prévia, pudemos constatar que o escore cognitivo medido pelo QI foi superior a 85 em 22 crianças (48,8%), não implicando em desempenho inferior ao dos pacientes com hidrocefalia sem MM previamente relatados4.

O desempenho cognitivo apresentou correlação estatisticamente significativa com o nível funcional motor, com exceção das crianças que apresentaram nível funcional torácico. O melhor desempenho cognitivo nas crianças com nível funcional sacral pode ser explicado tanto pela possibilidade das anormalidades congênitas serem menos pronunciadas, como pelo fato de serem complicações infecciosas menores no período pós fechamento da MM, por serem malformações mais simples na resolução cirúrgica (Tabela 2).

A idade da derivação inicial nas crianças com MM apresentou relação estatística direta com o desempenho cognitivo, que foi melhor em crianças operadas até o sétimo dia de vida, isto em decorrência da possibilidade de reversão precoce e instalação progressiva dos efeitos deletérios que a hidrocefalia exerce tanto no corpo caloso, como difusamente na substância branca. No período de 7 a 31 dias não encontramos variação estatisticamente significante quanto ao resultado do QI, podendo ser este período limítrofe do ideal no tratamento das crianças com hidrocefalia com sinais objetivos de descompensação (Tabela 3)

O resultado obtido de piora de desempenho quando a criança é submetida a revisões do sistema, com piora tanto mais acentuada quanto mais trocas do sistema, demonstra a importância dos cuidados técnicos no tratamento desta patologia, e traduz que a criança submetida a pressão intracraniana inadequada pode ser objeto de alterações anatomopatológicas irreversíveis (Tabela 4). O QI foi significativamente mais baixo nas crianças submetidas a revisão que tiveram como etiologia causa infecciosa, sendo este um fator de agressão a mais além do mecanismo de compressão da hidrocefalia (Tabela 5).

A medida do PC, que é uma medida simples de seguimento clínico, apresentou nítida correlação com o QI. Crianças que alcançaram compensação clínica apresentaram perspectiva cognitiva superior à daquelas com macrocranias, principalmente quando o PC está acima de 1 DP, com todas as alterações anatomopatológicas descritas. As crianças que evoluíram negativamente mas com um PC menor que 1 desvio padrão traduziram clinicamente uma associação grave com anomalias do sistema nervoso central causando microcefalia (Tabela 6).

O tratamento neurocirúrgico da hidrocefalia com o uso de derivação do LCE deve, do ponto de vista cognitivo, pela avaliação do QI, ser realizado o mais precocemente possível, até o primeiro mês de vida, com cuidados técnicos e de assepsia, evitando complicações que culminem na revisão do sistema por funcionamento inadequado e quadro infeccioso que prejudiquem a evolução cognitiva das crianças com mielomeningocele e hidrocefalia.

Dr. Jean-Luc Fobe - Setor de Neurocirurgia, AACD - Av. Prof. Ascendino Reis 724 - 04027-000 São Paulo SP - Brasil. Fax 011 5760 8771. E-mail: jeanfobe@yahoo.com

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    Setores de Neurocirurgia, Psicologia Infantil, Ortopedia e Fisiatria da AACD - Associação de Assistência à Criança Defeituosa (Diretor Dr. Ivan Ferraretto), São Paulo:
    Neurocirurgião;
    **
    Psicologia Infantil;
    ***
    Estagiária do Setor de Psicologia Infantil;

    ****

    Fisiatra;

    *****

    Ortopedista. Aceite: 26-outubro-1998.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2000
    • Data do Fascículo
      Mar 1999

    Histórico

    • Aceito
      26 Out 1998
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