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Mensuração da dor em idosos: avaliação das propriedades psicométricas da versão em português do Geriatric Pain Measure* Recebido da Disciplina de Geriatria e Gerontologia da Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil.

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O "Geriatric Pain Measure" foi desenvolvido para avaliação multidimensional da dor em idosos, sendo de fácil aplicabilidade e compreensão. Já foi traduzido e adaptado transculturalmente para o Brasil (Geriatric Pain Measure- P). O objetivo deste estudo foi estudar suas propriedades psicométricas, verificando se são adequadas.

MÉTODOS:

Foram avaliados 70 idosos da comunidade, com 60 anos ou mais, de ambos os gêneros, com dor crônica (três meses ou mais), de intensidade maior ou igual a 30mm segundo a escala analógica visual de dor. Foram apuradas as características sócio-demográficas, intensidade e duração da dor. Para as propriedades confiabilidade e validade, dois entrevistadores aplicaram o Geriatric Pain Measure e, em até 14 dias, apenas um entrevistador o reaplicou. Para a validade, o Geriatric Pain Measure-P "Escore Total Ajustado" e suas questões relacionadas à intensidade dolorosa (Q19 e 20) foram correlacionadas com escala analógica visual, e ainda, numa subamostra, o Geriatric Pain Measure-P "Escore Total Ajustado" foi correlacionado com funcionalidade na vida diária.

RESULTADOS:

amostra foi composta principalmente por idosas longevas, viúvas, de baixa escolaridade e com dor de intensidade moderada a intensa. A consistência interna foi adequada (alfa de Cronbach=0,729) e a reprodutibilidade satisfatória (variabilidade baixa e sem diferenças estatisticamente significativas). O Geriatric Pain Measure-P "Escore Total Ajustado" e a escala analógica visual apresentaram baixa correlação, mas a mesma foi regular para Q19 e Q20 do Geriatric Pain Measure-P e para a escala analógica visual (19 r=45,5%, 20 r=51,9%; p<0,05).

CONCLUSÃO:

O Geriatric Pain Measure-P teve propriedades psicométricas analisadas, sendo apuradas confiabilidade e validade adequadas. Foi de fácil aplicabilidade e compreensão, demandando curto período de tempo.

Descritores:
Avaliação de dor; Geriatric Pain Measure ; Idosos; Propriedades psicométricas; Validação

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

The "Geriatric Pain Measure" was developed for multidimensional pain evaluation in the elderly, being easy to apply and understand. It has already been translated and transculturally adapted to Brazil (Geriatric Pain Measure-P). This study aimed at evaluating its psychometric properties, checking whether they are adequate.

METHODS:

Participated in the study 70 community elderly, aged 60 years or above, of both genders, with chronic pain (three months or longer), with intensity equal to or higher than 30 mm according to the pain visual analog scale. Socio-demographic characteristics, pain duration and intensity were evaluated. For reliability and validity, two interviewers have applied the Geriatric Pain Measure and, in up to 14 days, a single interviewer has reapplied it. For validity, the Geriatric Pain Measure-P "Total Adjusted Score" and its questions related to pain intensity (Q 19 and 20) were correlated to the visual analog scale and, in a subsample, the Geriatric Pain Measure-P "Total Adjusted Score" was correlated to daily life functionality.

RESULTS:

Sample was made up especially of long-lived elderly females, widows, with low education and moderate to severe pain. Internal consistency was adequate (Cronbach’s alpha= 0.729) and reproducibility was satisfactory (low variability without statistically significant differences). The Geriatric Pain Measure-P "Total Adjusted Score" and the visual analog scale had low correlation but it was regular for Q19 and Q20 of the Geriatric Pain Measure-P and for the visual analog scale (19 r=45.5%, 20 r=51.9%; p<0.05).

CONCLUSION:

The Geriatric Pain Measure-P had its psychometric properties analyzed and adequate reliability and validity were found. It was easy to apply and understand, demanding a short period of time.

Keywords:
Elderly; Geriatric Pain Measure; Pain evaluation; Psychometric properties; Validation

INTRODUÇÃO

Grande parcela da população que envelhece é acometida por quadros dolorosos crônicos, sendo que sua prevalência em idosos da comunidade, em alguns estudos, pode variar de 25 a 50%1Ferrell BA. Pain management in elderly people. J Am Geriatr Soc. 1991;39(1):64-73.

Ferrell BA. Pain. In: Osterweil D, Brummel-Smith K, Beck JC, (editors). Comprehensive Geriatric Assessment. New York: Mcgraw Hill; 2000. 381-97p.

Crook J, Rideout E, Browne G. The prevalence of pain complaints in a general population. Pain. 1984;18(3):299-314.
-4Thomas E, Peat G, Harris L, Wilkie R, Croft PR. The prevalence of pain and pain interference in a general population of older adults: cross-sectional findings from the North Staffordshire Osteoarthritis Project (NorStOP). Pain. 2004;110(1-2):361-8.. A dor crônica é multifatorial e seu tratamento pode ser difícil devido à complexa interação entre seus vários domínios (físico, psicológico e social) com outros fatores relacionados. Não obstante, tal interação geralmente varia não só entre os indivíduos, mas também ao longo do tempo em um mesmo indivíduo5Cooner E, Amorosi S. The Study of Pain in Older Americans. New York: Louis Harris and Associates; 1997..

Apesar da alta prevalência de dor crônica entre os idosos, a sua implicação na saúde e qualidade de vida destes é inadequadamente estudada, avaliada e tratada2Ferrell BA. Pain. In: Osterweil D, Brummel-Smith K, Beck JC, (editors). Comprehensive Geriatric Assessment. New York: Mcgraw Hill; 2000. 381-97p.. Conceitos e fenômenos de natureza subjetiva, como a dor, são difíceis de mensurar com acurácia sem o auxílio de instrumentos, os quais são, em sua grande maioria, validados para populações específicas, como a dos jovens.

Os instrumentos unidimensionais para avaliação da dor geralmente mensuram sua intensidade, sendo que os mais utilizados são a escala analógica visual (EAV) e a escala numérica verbal (ENV) de dor. Estes, porém, têm limitações, pois não capturam as características multidimensionais da dor. Por outro lado, os instrumentos multidimensionais, tais como o "McGill Pain Questionnaire" e o "The Wisconsin Pain Inventory", que abordam a dor e seus vários domínios, são longos, difíceis de pontuar e aplicar em idosos6Pimenta CA, Teixeira MJ. Questionário de dor McGill: proposta de adaptação para a língua portuguesa. Rev Esc Enf USP. 1996;30(3):473-83.. O "guia prático de dor crônica em idosos", idealizado e atualizado pela Sociedade Americana de Geriatria (1998 e 2002)7The management of chronic pain in older persons. AGS Panel on Chronic Pain in Older Persons. American Geriatric Society. J Am Geriatr Soc. 1998;46(5):635-51.,8The management of persistent pain in older persons AGS Panel on Persistent Pain in Older Persons. J Am Geriatr Soc. 2002;50(Suppl 6):S205-24., recomenda que, na avaliação da dor em idosos, sejam utilizados instrumentos de abordagem multidimensional. Desse modo, fazem-se necessários instrumentos que permitam quantificar e abordar a dor em idosos de maneira multidimensional e que sejam adaptados culturalmente em países cujo idioma não seja o inglês.

No Brasil, não há muitos instrumentos específicos e que sejam de fácil aplicabilidade clínica para avaliar multidimensionalmente a dor em idosos. O "Geriatric Pain Measure" (GPM)9Ferrell BA, Stein WM, Beck JC. The Geriatric Pain Measure: validity, reliability and factor analysis. J Am Geriatr Soc. 2000;48(12):1669-73. foi desenvolvido para permitir uma avaliação multidimensional da dor, sendo de fácil aplicabilidade e compreensão, podendo ser útil na população idosa ambulatorial ou residente em instituição de longa permanência. Este já foi traduzido e adaptado transculturalmente para o Brasil (GPM-P)1010 Gambaro RC, Santos FC, Thé KB, Castro LA, Cendoroglo MS. Avaliação de dor no idoso: proposta de adaptação do "Geriatric Pain Measure" para a língua portuguesa. Rev Bras Med (Rio de Janeiro) 2009;66(1):62-5., todavia, ainda não teve suas propriedades psicométricas estudadas no nosso meio.

O GPM aborda multidimensões da dor, como a intensidade (itens 13, 17, 19, 20-23), "descomprometimento" (itens 9-12, 15, 18, 24), dor à deambulação (itens 4-7), dor às atividades vigorosas (itens 1-3) e dor em outras atividades (itens 8, 13-16)9Ferrell BA, Stein WM, Beck JC. The Geriatric Pain Measure: validity, reliability and factor analysis. J Am Geriatr Soc. 2000;48(12):1669-73., compreendendo as dimensões sensório-discriminativa, motivacional-afetiva e cognitivo-avaliativa da dor, descritas por Melzack e Katz1111 Melzack R, Katz R. Pain measurement in persons in pain. In: Wall PD, Melzack R (editors) Textbook of Pain. Edinburgh: Churchill Livingstone; 1999. 409-26p..

O objetivo deste estudo foi analisar, em idosos com dor crônica, as medidas psicométricas do GPM-P, ou seja, verificar sua confiabilidade, por meio da consistência interna e reprodutibilidade e, ainda, sua validação, por meio da sua validade de construto.

MÉTODOS

Estudo epidemiológico observacional descritivo e analítico. Foram entrevistados 70 idosos, no período de 01 a 30 de setembro de 2014, que eram acompanhados no "Serviço de Dor e Doenças Osteoarticulares" da Disciplina de Geriatria e Gerontologia/DIGG - Universidade Federal de São Paulo/UNIFESP.

Os critérios de inclusão adotados para a obtenção da amostra foram idosos com idade maior ou igual a 60 anos, ambos os gêneros, portadores de dor crônica com duração maior que 3 meses e com intensidade maior que 30mm pela EAV. Foram excluídos aqueles com doenças crônicas descompensadas, incapazes de deambular ou de se comunicar verbalmente, que necessitassem de tratamento analgésico imediato no julgamento do médico assistente e com dor de etiologia neoplásica. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foram coletados dados sócio-demográficos (idade, gênero, estado civil, raça, escolaridade) e dados referentes à dor crônica, como tempo de duração e medida da intensidade dolorosa pela EAV. A EAV é um instrumento que mensura a intensidade dolorosa, a qual varia de ausente (0mm) à pior dor possível (100mm), sendo dor leve de 0 a 30mm, moderada de 31 a 70mm e intensa quando acima de 70mm1212 Bodian CA, Freedman G, Hossain S, Eisenkraft JB, Beilin Y. The visual analog scale for pain: clinical significance in postoperative patients. Anesthesiology. 2001;95(6):1356-61..

Procedeu-se à aplicação do GPM-P (Anexo 1), que tem um escore total obtido pela somatória das pontuações dos seus itens, que varia de "zero dor" (total de 0) a dor grave (total de 42), sendo ajustado para um escore total com variação de 0 a 100 (escore total ajustado) quando se multiplica a somatória das pontuações finais por 2,38. O escore total ajustado permite a classificação da dor em leve, para escores variando de 0-30, moderada para escores de 30-69 e intensa para aqueles maiores que 70. A aplicação foi realizada por dois entrevistadores independentes (E1 e E2) no mesmo dia. Em um período máximo de 14 dias, sem que nenhuma intervenção analgésica fosse realizada, o GPM-P foi mais uma vez aplicado, agora por apenas um entrevistador (E1). Tal procedimento foi realizado para o estudo das propriedades psicométricas do GPM-P. A confiabilidade do instrumento foi obtida por meio da sua consistência interna e reprodutibilidade; para a sua validade, seguiu-se ao estudo de construto (validade de construto).

Para a validação de um instrumento há formas distintas de abordagem. A validade de face avalia de forma subjetiva se o instrumento mensura o que pretende mensurar (validade essa já conferida ao GPM-P no seu processo de tradução e adaptação transcultural)1010 Gambaro RC, Santos FC, Thé KB, Castro LA, Cendoroglo MS. Avaliação de dor no idoso: proposta de adaptação do "Geriatric Pain Measure" para a língua portuguesa. Rev Bras Med (Rio de Janeiro) 2009;66(1):62-5.; a validade de conteúdo avalia se os componentes do instrumento representam a dimensão do que se pretende mensurar (validade também já conferida ao GPM-P)1010 Gambaro RC, Santos FC, Thé KB, Castro LA, Cendoroglo MS. Avaliação de dor no idoso: proposta de adaptação do "Geriatric Pain Measure" para a língua portuguesa. Rev Bras Med (Rio de Janeiro) 2009;66(1):62-5. a validade de construto, um dos processos mais importantes de validação de instrumentos, envolve a comparação do instrumento com um "padrão ouro" estabelecido e, quando este estiver ausente, envolve a comparação com parâmetros clínicos habitualmente utilizados. Para a obtenção da validade de construto neste estudo, procedeu-se à correlação das questões 19 e 20 do GPM-P (Q 19 e 20), variáveis categóricas relativas à intensidade da dor, com a EAV de dor, bem como correlações do GPM-P "Escore total ajustado" com EAV e também com funcionalidade segundo as atividades de vida diárias básicas (ABVD)1313 Katz S, Akpom CA. A measure of primary sociobiological functions. Int J Health Serv. 1976;6(3):493-508. e instrumentais (AIVD)1414 Graf C. The Lawton instrumental activities of daily living scale. Medsurg Nurs. 2009;18(5):315-6., sendo que essa última correlação foi apurada apenas em uma subamostra de conveniência.

Na análise estatística foram utilizados o teste de Igualdade de Duas Proporções para a caracterização da distribuição da frequência relativa das variáveis qualitativas, o Coeficiente Alfa de Cronbach para a consistência interna, o teste t de Student Pareado para a reprodutibilidade e, também, o Coeficiente de Correlação Intraclasse (ICC) para a confiabilidade. A Correlação de Pearson foi empregada para a validade de construto. Estabeleceu-se o nível de significância de 5%. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo (CEP nº 824.142/2014).

RESULTADOS

A presente amostra foi composta de 70 idosos, sendo que 19 deles não compareceram à última entrevista. As razões das ausências não foram obtidas, apesar dos esforços empenhados.

Notou-se a presença frequente de indivíduos longevos (80 anos ou mais), do gênero feminino (87,0%), da etnia branca (67,8%) e em estado de viuvez (53,8%) (Tabelas 1 e 2). Em relação à dor, as intensidades mais prevalentes, segundo a EAV, foram moderadas e intensas, com duração média de 10,77 anos (Tabela 1).

Tabela 1
Características sócio-demográficas e avaliação de dor na amostra; variáveis quantitativas
Tabela 2
Características sócio-demográficas da amostra; variáveis qualitativas

A subamostra de conveniência (n=37) foi constituída principalmente por idosos do gênero feminino, etnia branca, estado civil de viuvez, baixa escolaridade (1-4 anos), independentes funcionalmente, com dor de intensidade moderada e duração média de 3 meses a 1 ano (Tabela 3).

Tabela 3
Características sócio-demográficas, avaliação da dor e funcionalidade da subamostra estudada

A aplicação do GPM-P demandou um curto período, com tempo médio variando entre 5 e 7 minutos.

Em relação à consistência interna, segundo o Coeficiente Alfa de Cronbach, os valores obtidos para todas as entrevistas foram muito bons (acima de 0,6) (Tabela 4).

Tabela 4
Consistência interna do Geriatric Pain Measure-P pelo Coeficiente Alfa de Cronbach

Foi observado um Coeficiente de Variação <50%, quando se avaliou a reprodutibilidade, o que demonstrou baixa variabilidade dos resultados e, consequentemente, sua homogeneidade (Tabela 5). Não houve diferença estatisticamente significativa interobservadores (E1 e E2) e intraobservadores (E1 e E1 última entrevista). Assim, constatou-se boa reprodutibilidade do GPM-P (Tabela 5).

Tabela 5
Reprodutibilidade do Geriatric Pain Measure-P

O GPM-P "escore total ajustado" apresentou baixa correlação com a intensidade dolorosa pela EAV, pois foi observado um coeficiente de variação ("r") entre 20 e 40% ("r"=25,2%; p=0,035) (Tabela 6). Segundo o ICC, a correlação entre o GPM-P "escore total ajustado" e a intensidade dolorosa pela EAV não foi significativa, do ponto de vista estatístico. Contudo, considerando-se as Q19 e Q20 do GPM-P e a EAV, correlações maiores e estatisticamente significativas foram observadas (45,5% e 51,9% respectivamente) (Tabela 6). Assim, analisando-se a validade de construto do GPM- -P, observou-se correlações classificadas como regulares ("r" entre 40 e 60%) e, nesse caso, por se tratarem de correlações positivas, quanto maior a intensidade dolorosa pela EAV, maiores os escores de Q19 e Q20 do GPM-P.

Tabela 6
Validade de construto: correlação entre as variáveis "Geriatric Pain Measure-P Escore Total Ajustado", Q19 e Q20 e a escala analógica visual

Correlações significativas entre o GPM-P "Escore Total Ajustado" e a funcionalidade, considerando-se as AIVD e ABVD, não foram observadas (p=0,054 e p=0,185 respectivamente).

DISCUSSÃO

O presente estudo contou com uma maior parcela de idosos longevos, os quais compreendem a parcela da população idosa que mais cresce no mundo1515 Kirkwood TB. A systematic look at an old problem: as life expectancy increases, a systems-biology approach is needed to ensure that we have a healthy old age. Nature. 2008;451(7):644-7.. Ainda, observou-se maior prevalência de mulheres (87% no total da amostra e 84% da subamostra), seguindo a literatura que aponta para uma feminização do envelhecimento, inclusive entre os mais idosos1616 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) [homepage na Internet]. Projeção da população do Brasil por sexo e idade - 1980-2050. Revisão 2008. Rio de Janeiro: IBGE - DEPIS. Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em 01 fevereiro 2014.
www.ibge.gov.br...
. Um estudo sueco observou que o pico de ocorrência da dor ocorre por volta dos 65 anos de idade, declinando nos mais idosos (75 a 84 anos ou mais)1717 Brattberg G, Parker MG, Thorslund M. The prevalence of pain among the oldest old in Sweden. Pain. 1996;67(1):29-34., mas isso não foi observado nesta casuística. Contudo, a detecção da presença de dor no idoso pode ser uma tarefa difícil, pois muitos deles deixam de relatá-la por considerá-la uma consequência normal do envelhecimento1818 Celich KL, Galon C. Dor crônica em idosos e a sua influência nas atividades da vida diária e convivência social. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2009;12(3):345-59.,1919 Teixeira MJ, Teixeira WG, Santos FP. Epidemiologia clínica da dor músculo-esquelética. Rev Med. 2001;80(Ed Esp pt 1):1-21.

A amostra do presente estudo, apesar de pequena, não limitou a análise dos resultados. Nem todos os pacientes compareceram à última entrevista (aproximadamente 73% da amostra total), porém vale ressaltar que a presença de dor pode limitar o deslocamento desses pacientes, que muitas vezes moram em locais distantes ou necessitam de terceiros para serem levados a consultas.

Observou-se que o instrumento estudado, o GPM-P, foi de fácil compreensão pelos idosos, demandando um curto período de tempo para a sua aplicação (5 a 7 minutos). Estudando-se suas propriedades de medida, quanto à consistência interna, os valores apurados foram muito bons, com um "Coeficiente Alfa de Cronbach" considerado alto (maior que 0,70) em todas as entrevistas (E1, E2, e E1 última entrevista). Na literatura, encontrou-se alta consistência interna do GPM original (α=0,9445)9Ferrell BA, Stein WM, Beck JC. The Geriatric Pain Measure: validity, reliability and factor analysis. J Am Geriatr Soc. 2000;48(12):1669-73. e das suas versões traduzidas, como a versão europeia (α=0,91)2020 Clough-Gorr KM, Blozik E, Gillmann G, Beck JC, Ferrell BA, Anders J, et al. The self-administered 24-item geriatric pain measure (GPM-24-SA): psychometric properties in three European populations of community-dwelling older adults. Pain Med. 2008;9(6):695-709. e a coreana (α=0,92)2121 Park J, Cho B, Paek Y, Kwon H, Yoo S. Development of a pain assessment tool for the older adults in Korea: the validity and reliability of a Korean version of the geriatric pain measure (GPM-K). Arch Gerontol Geriatr. 2009;49(2):199-203.. Consideram-se valores do "Coeficiente alfa de Cronbach" adequados quando esses são maiores que 0,60, contudo, Kline2222 Kline P. A handbook of test construction: Introduction to psychometric design. London; UK: Methuen; 1986. considera tais valores minimamente aceitáveis quando são maiores que 0,70.

Para a propriedade reprodutibilidade, observou-se que esta também foi adequada. Tal propriedade deve ser testada por mais de um avaliador (interobservador) e por um mesmo avaliador (intraobservador) para a obtenção da "repetibilidade" do método. Observou-se neste estudo baixa correlação entre o GPM-P "Escore total ajustado" e a intensidade da dor pela EAV, mas vale ressaltar que foi utilizada nesta casuística a EAV de dor, que é instrumento unidimensional. Não foi optado por um instrumento multidimensional "padrão ouro", uma limitação do presente estudo, pois não existe no nosso meio um questionário de fácil aplicação para a avaliação multidimensional da dor especificamente em idosos. O Questionário de McGill6Pimenta CA, Teixeira MJ. Questionário de dor McGill: proposta de adaptação para a língua portuguesa. Rev Esc Enf USP. 1996;30(3):473-83., desenvolvido não especificamente para ser utilizado em idosos, já teve a sua validação no Brasil, incluindo validação em amostra de idosos, porém, esse instrumento já foi muito utilizado com os pacientes do DIGG/UNIFESP, sendo observada grande dificuldade de compreensão por esses indivíduos. Ainda, já foram descritas várias limitações para a sua utilização na geriatria, como a difícil compreensão por indivíduos idosos, por pessoas com baixa escolaridade e com dificuldade de concentração. Desse modo, neste estudo, optou-se por utilizar somente a EAV de dor.

As questões do GPM-P que abordam quantitativamente a intensidade da dor (Q19 referente à intensidade da dor no dia da entrevista e Q20 referente à dor nos últimos sete dias) foram correlacionados à EAV para a validade de construto e obteve-se uma correlação classificada como regular. Sabe-se que a aplicação de instrumentos visuais analógicos em idosos, como a EAV, não está livre de problemas. Segundo Gagliese e Melzack2323 Gagliese L, Melzack R. Age differences in the quality of chronic pain: a preliminary study. Pain Res Manag. 1997;2(3):157-62., cerca de 30% dos idosos sem déficits cognitivos podem ser incapazes de completar esse tipo de escala. Também, para a validade de construto, o GPM-P "Escore total ajustado" foi correlacionado com a funcionalidade, mas não se obteve uma correlação significativa. Assim, o GPM-P não foi capaz de demonstrar uma associação da intensidade de dor com a funcionalidade nos indivíduos idosos avaliados.

A revisão da literatura permite enfatizar que está ocorrendo um aumento no interesse em estudar o envelhecimento e suas consequências. Quadros de dor crônica em pessoas idosas são de grande importância para a prática clínica, pois podem determinar consequências nefastas que vão desde o comprometimento da mobilidade até o favorecimento de quedas, que colocam em risco a independência e também a vida desses idosos.

CONCLUSÃO

No presente estudo, as propriedades de medidas do GPM-P foram analisadas e apresentou-se confiável e válido para a avaliação multidimensional da dor em idosos. Ainda, verificou-se que é um instrumento de fácil e rápida aplicação, além de ter apresentado boa compreensão pelos idosos. Estudos com amostras maiores podem contribuir para reforçar a validade deste instrumento.

  • Fontes de fomento: não há.
  • Recebido da Disciplina de Geriatria e Gerontologia da Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil.

Anexo 1 Questionário "Geriatric Pain Measure" - versão em Português1010 Gambaro RC, Santos FC, Thé KB, Castro LA, Cendoroglo MS. Avaliação de dor no idoso: proposta de adaptação do "Geriatric Pain Measure" para a língua portuguesa. Rev Bras Med (Rio de Janeiro) 2009;66(1):62-5.

Nome: Data:   Por favor, responda cada pergunta, marcando sim ou não Resposta Nota 1- Você tem ou acha que teria dor com atividades intensas como: correr, levantar objetos pesados, ou participar de atividades que exigem esforço físico? ( ) Não ( ) Sim   2- Você tem ou acha que teria dor com atividades moderadas como mudar uma mesa pesada de lugar, usar um aspirador de pó, fazer caminhadas ou jogar bola? ( ) Não ( ) Sim   3- Você tem ou acha que teria dor quando levanta ou carrega uma sacola de compras? ( ) Não ( ) Sim   4- Você tem ou acha que teria dor se subisse um andar de escadas? ( ) Não ( ) Sim   5- Você tem ou teria dor se subisse apenas alguns degraus de uma escada? ( ) Não ( ) Sim   6- Você tem ou teria dor quando anda mais que um quarteirão? ( ) Não ( ) Sim   7- Você tem ou teria dor quando anda um quarteirão ou menos? ( ) Não ( ) Sim   8- Você tem ou teria dor quando toma banho ou se veste? ( ) Não ( ) Sim   9- Você já deixou de trabalhar ou fazer atividades por causa da dor? ( ) Não ( ) Sim   10- Você já deixou de fazer algo que você gosta por causa da dor? ( ) Não ( ) Sim   11- Você tem diminuído o tipo de trabalho ou outras atividades que faz devido à dor? ( ) Não ( ) Sim   12- O trabalho ou suas atividades já exigiram muito esforço por causa da dor? ( ) Não ( ) Sim   13- Você tem problemas para dormir devido à dor? ( ) Não ( ) Sim   14- A dor impede que você participe de atividades religiosas? ( ) Não ( ) Sim   15- A dor impede que você participe de qualquer outra atividade social ou recreativa (além de serviços religiosos)? ( ) Não ( ) Sim   16- A dor te impede ou impediria de viajar ou usar transportes comuns? ( ) Não ( ) Sim   17- A dor faz você sentir fadiga ou cansaço? ( ) Não ( ) Sim   18- Você depende de alguém para te ajudar por causa da dor? ( ) Não ( ) Sim   19- Na escala de 0 a 10, com zero significando sem dor e o 10 significando a pior dor que você possa imaginar, como está a sua dor hoje? 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 (0-10)   20- Nos últimos sete dias, numa escala de zero a dez, com zero significando dor nenhuma e 10 significando a pior dor que você consegue imaginar, indique o quanto em média sua dor tem sido intensa? 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 (0-10)   21- Você tem dor que nunca some por completo? ( ) Não ( ) Sim   22- Você tem dor todo dia? ( ) Não ( ) Sim   23- Você tem dor várias vezes por semana? ( ) Não ( ) Sim   24- Durante os últimos sete dias, a dor fez você se sentir triste ou depressivo? ( ) Não ( ) Sim   Pontuação - Dê um ponto para cada "Sim" e somar as respostas numéricas     Pontuação Total (0-42) _____ Pontuação Ajustada (Pontuação Total x 2,38) (0-100)    

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2014
  • Aceito
    20 Maio 2015
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